segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Retornados, espoliados do Ultramar: recuperando desabafos dispersos... Um contributo para a História?

                          INFÂMIA E DESCRIMIIMAÇAO
OS CONSTRUTORES E OS VENDI LHÕES DA PÁTRIA
Sobre o refugiado caiu a maldição de um povo ingé­nuo e bom, mas intrumentalizado nas mentiras do "25 de Abril".
Tarde, demasiadamente tarde, os portugueses da Metrópole se aperceberam da burla, em cuja voragem os "heróis" (que não o foram em África) sumiram a Nação, a sua História, a sua Economia. E compreende-se. Andar na mata ou na picada, enfrentar o inimigo, aguentar embosca­das e meses de isolamento em climas insalubres, não é para todos. Permanecer no Maiombe, tenda, sobre si, a ameaça da floresta e dos homens, só o aceitaram os militares com espírito de missão.
          Lamentavelmente, eu que fui, oficial, tenho de re­conhecê-lo: não foram os soldados, não foram os rapazes das "berças", que iam às "sortes" e festejavam, nas suas aldeias, a honra de terem sido "apurados para todo o servi­ço", de ingressarem nas fileiras, os que se cansaram, os que se queixaram, os que se arrependeram de a farda que ves­tiam, atrair perigos e visões cruentas a face mais feia da Humanidade, que é a guerra. Foram outros os que enve­redaram pela carreira das armas, que frequentaram a Aca­demia Militar, talvez porque os seduzisse passear no Chiado de talabarte e esporas, talvez porque as continências dos subordinados lhes mitigassem frustações e vaidades, talvez porque a "tropa" era emprego antecipadamente garantido, com ordenado certo e nada que fazer que, a pretexto de ditaduras e baseando-se em sociologismos de alcova, deram o golpe. Não por patriotismo. Não por amor ao próximo. Não conscencializados pelo estudo da posição de Portugal no Mundo, pela justiça ou injustiça da guerra ultramarina. Deram o golpe por cansaço, por cobardia, porque, ao en­trarem na Academia Militar, antiga Escola de Guerra, a guerra estava fora das suas cogitações.
Entre combater guerrilheiros perseverantes, treinados e corajosos, do PAIGC, do MPLA, da FRELIMO e assustar os pombos do Rossio com o troar dos carros de assalto (a cair aos bocados), não havia que hesitar, Imperioso, se qui­sessem salvar a pele, era achar uma bandeira, um slogan a que se aferrassem, a mezinha que lhes soltasse os intestinos e impedisse que fossem exautorados na praça pública. Ha­via que puxar pela imaginação. A democracia, a anti-ditadura, a fraternidade dos povos tanto fazia, contanto que ficasse garantida uma aparência de integridade.
A fraternidade dos povos!... Seria de rir, se não es­corressem as lágrimas.
Fraternidade em relação a quem? Foram fraternos os revolucionários do "25de Abril" para os brancos do Ul­tramar, para os negros do Ultramar, para os povos do Ul­tramar? Protestaram contra o fuzilamento, contra o enfor­camento, contra o enforcamento dos que foram condena­dos, em Angola, na Guiné e em Moçambique, pelo crime de terem combatido a seu lado? Mais correctamente: assas­sinados porque os tinham defendido? Tiveram um gesto? Rezaram uma oração? Não terão saudades e remorsos, lembrando os leais militares negros que confiaram nas For­ças Armadas portuguesas e a elas pertenciam?
          Não quero ser injusto. Entre os "capitães" do "25 de Abril", estiveram heróis autênticos. Dos que se bateram sem desfalecimento em África e que alinharam na revolução perturbados, enganados ou imbuídos de um sentimento de impotência, perante a catastrófica política salazarista-caeta-nista, na Metrópole e no Ultramar.
É o povo quem o afirma, na sua filosofia simples: "'com papas e bolos se enganam os tolos". Os oficiais-com­batentes comemoram as papas e os bolos dos companheiros de falinhas mansas, de ar circunspecto, de argumentação insistente, que lhes assopravam aos ouvidos segredos e in­trigas palacianos. Confundidos, caíram na esparrela. Se ti­vessem pensado, se lessem, mesmo em "diagonal", as fo­lhas de serviços dos mentores da revolução, certo que ou­tro "cantar" seria o seu.
Souberam das razões porque Spínola recambiou Vas­co Gonçalves da Guiné para Portugal? Conheciam as "tro­pelias" de Vitor Alves, na Academia Militar e no Leste de Angola? Informaram-se da austera vida do capitão Tomé, em Nampula? Interrogaram-se do comportamento de Melo Antunes em São Salvador do Congo? Admiraram a valen­tia de Fabião e de Rosa Coutinho, o aprumo do abstémio Vitor Crespo, a inteligência de Otelo?
Estourem crer que não. Os oficiais-combatentes, ago­ra pejorativamente chamados operacionais, tinham mais que fazer: tinham que justificar os galões que usavam nos ombros; que andar no mato; que lutar; que dignificar os postos que ocupavam. Foram eles os ingénuos que colabo­raram na tragédia de que se arrependem e que estão a pagar.
Infelizmente, com eles, por eles, pagaram e pagam milhões de portugueses. Os de lá e os de cá, "engolidos" pelos militares de opereta, pêlos comunistas e cripto-comunistas, engodados com a isca da (falsa) democracia.

Duplamente pagaram e pagam os de lá, os africanos, os que vieram e os que ficaram ao cimo ou debaixo da terra. Os refugiados não trouxeram milhões. Ninguém os quis receber. Todos os rejeitaram. Irmãos na desgraça não são da mesma família. Quando muito, são vagos parentes, que chegam inesperadamente, à hora da refeição e, pelo aumento do número de bocas, tem de se fazer o caldo mais aguado. Malditos sejam por isso. Que se quedassem por África e estoirassem de fome ou com um tiro na cabeça. Que não viessem sobrecarregar as despesas da Metrópole. Que não viessem comer as côdeas e os ossos que podiam dar-se aos cães.

Afirmou António José Saraiva, destacado anti-fascista, no semanário "Liberdade", de 5 de Maio de 1976:  
"Diz-se e escreve-se que eles (retornados) eram explorado­res, brutais, ávidos de lucros, criminosos de delito comum, culpados de si mesmos (...) Esses que apontam os crimes dos retornados que fizeram, durante vidas inteiras senão aproveitarem-se dos ditos crimes? Como foi possível a vida parasitária da maior parte da população portuguesa durante séculos, senão às costas do preto, accionado pelo colonizador? Donde vinha o café e o açúcar que se consomem ain­da hoje abundantemente nas pastelarias de Lisboa? Donde vinha o algodão barato que permitia a tantos operários e patrões sustentarem-se de fabriquetas primitivas? Donde vinham as toneladas de ouro que faziam do escudo uma moeda forte, permitindo, com uma indústria deficiente e uma agricultura rudimentar, sustentar legiões de funcioná­rios improdutivos? Todos somos responsáveis pela política de Portugal, em África, prosseguindo com tenacidade desde os fins da monarquia, objectivo prioritário da primeira re­pública, a que se dedicavam homens como Mariano de Car­valho, Brito Camacho e Norton de Matos. Os retornados Não são mais do que boomerang do império que todos nós fomos. O retorno que nos atinge em cheio é a arma que o nosso braço lançou. Os retornados, com que o País foi so­lidário enquanto foram prósperos, são uma acusação viva lançada à cara da nação inteira. Uma dupla acusação. Em primeiro lugar, porque Portugal se identificou com os colo­nos a que chama agora criminosos. Em segundo lugar, por­que o fenómeno dos retornados é o resultado de uma política de descolonização cuja torpe inércia é tão profunda quanto o arranque das descobertas foi deslumbrante. A página da descolonização não foi menos sangrenta que a da expansão; só que foi um pântano podre, enquanto a outra foi fogo que alumiou a Terra (...) O ódio racial aos retor­nados a pretexto dos seus crimes é apenas uma maneira de a nação portuguesa querer ilibar-se dos crimes por que to­da ela é absolutamente responsável. É um caso típico de bode expiatório. E lança uma viva luz sobre o mecanismo do racismo. Trata-se de discriminar uma parte da nação, lançando sobre ela o odioso dos males colectivos. O retor­nado é o cristão-novo dos nossos dias. Serve para o resto do povo /macular a sua consciência; convencer-se de que nada tem que ver com os malefícios e os abusos da coloni­zação. Serve também para desviar as atenções dos erros co­metidos em nome da nação: se eles retomaram é porque são inteiramente maus e não porque a descolonização foi um fracasso vergonhoso. E servirá para desculpar outras inépcias que vão cometer-se... O racismo nasce fundamen­talmente dessa necessidade de limpeza de uma dada comu­nidade. Nós portugueses pecamos puros, porque as culpas foram desse punhado de "criminosos". E se eles, tiveram de retornar, a culpa não é dos responsáveis dessa sangrenta e lamacenta descolonização: não, a culpa é dos retornados, culpados de si mesmos, como já foi escrito (...) Os retorna­dos chegam no momento em que precisamos de uma des­culpa para o maior fracasso da nossa História e de um objec­to para cevar a nossa frustação irremediável."
António José Saraiva fez, em palavras, o verdadeiro retrato do povo português, ante a original descolonização. A "vanguarda revolucionária" do "25 de Abril" proporcio­nou ao País e às próprias Forças Armadas, uma tranquili­zante lavagem ao cérebro.
Os refugiados são acusados de tudo. Muitos respon­sáveis pela governação permitem e auxiliam a intoxicação da opinião pública. Arenga-se nos jornais, na Rádio, na Televisão, nas ruas e praças, para desviar as pessoas da trágica realidade. Membros do MFA, alguns depois ministros, bra­dam, histérica e sistematicamente, que não se poderia che­gar à democracia sem passar pela descolonização. Que ne­nhum povo é livre, quando oprime outros povos. Lava-se o povo no banho da culpa colonial. Forjam-se mitos. Inven­tam-se cambiantes. Mudam-se as tácticas, de um tipicismo caracterizadamente comunista e comunizante. Assim se vai destruindo o País. E o refugiado transforma-se em mexi­lhão... empurrado, espoliado, banido, na senda de um cal­vário de que não se descortina o termo.
A entrega de Angola, da forma como foi realizada, leilão de bens pilhados, tornou Portugal mais pequeno e mais pobre. Sem o aval do Ultramar, o País definhou. Co­mo Povo "fazedor de nações", deitou fora a expansão da indústria, da agricultura, do comércio, da cultura.
Os refugiados "exploradores" ergueram obra que dig­nifica, engrandece e redime um país.
Segundo os dados fornecidos pelo Gabinete do Se­cretário de Estado dos Retornados, departamento do Mi­nistério dos Assuntos Sociais, os valores deixados só pelo sector empresarial são os seguintes:

                             MINISTÉRIO    DOS    ASSUNTOS    SOCIAIS
              GABINETE   DO   SECRETÁRIO   DE   ESTADO   DOS      RETORNADOS

                                                                 "RESUMO"
                                                 SECTOR EMPRESARIAL:                                                                             VALOR EM CONTOS:
                                                           Sub-Sector da Agricultura ......................            109.701.425
                                                             "              "     Pecuária....................             4.823.909
                                                             "              "     Silvicultura ......................              12.362.262
                                                             "              "      Pesca .......................            1.685.660
                                                             "              "      Indústria Transformadora .            4.796.450
                                                             "               "     Construção Civil   ..........          431.295.150
                                                             "               "     Actividade Comercial   .....             6.408.350
                                                             "              "      Indústria Extractiva..........              577.465.320
                                                             "              "      Comunicações .............            18.967.300
                                                                          TOTAL ..... 1.167.505.826
NOTA:
O valor deixado pelo sector empresarial da etnia portuguesa a cada um dos 5.874.000 angolanos, foi de Esc: 195.353$00

Os colonos "exploradores", pelo seu trabalho, fizeram prosperar Angola. Não os cegou, todavia, a ambição do lucro. Durante anos, porfiaram em campanhas políticas, para que Portugal fosse pioneiro de um novo capítulo da história das relações humanas.
Esqueceram os "exemplares" descolonizadores as governa­ções de Paiva Couceiro e de Norton de Matos. Esqueceram o que o próprio capitão Henrique Galvão declarou em Estocolmo, no dia 27 de Outubro de 1961: "Defendo o direito à autodeterminação de todos os povos e o dever de o proclamar sem sofismas. Por isso não admito que, antes de assegurado o exercício desse direito, surjam soluções impostas pela fraude e pela força. O destino dos povos deve ser escolhido por eles, através de representantes legítimos e não por aventureiros que aspiram as situações pessoais an­tes que o povo se pronuncie."
Esqueceram ou quiseram esquecer-se?
O que se perdeu em Angola deve-se à fraude do Gover­no e ao aventureirismo de alguns militares.
Não se cumpriu o Programa do MFA. A independência de Angola consumou-se por traição, contra o direito do povo angolano e à revelia do povo português.
Para meditação dos que hostilizam os refugiados, cito uma passagem do discurso feito em Luanda, em 7 de Novembro de 1961, pelo dr. Manuel Dias Barros: "Fora com o egoísmo e falta de senso dos que, na Metrópole, olham para nós com desprezo e que julgam fazer grande sacrifício em ajudarem-nos na luta de sobrevivência em que estamos empenhados, como se toda a nossa tragédia actual não tivesse surgido exactamente dos seus erros e da sua traição. Que erros cometeram os colonos? "

E eu pergunto: quem paga o que nós lá deixámos?



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