sexta-feira, 30 de abril de 2010

Retornar a História


Numa altura em que o Estado Alemão está a concluir o pagamento de indemnizações aos ex-presos políticos do regime comunista da antiga RDA, o Herald Tribune de 15 de Junho relata a história de um grupo de mulheres alemãs excluídas deste processo apenas por terem estado no sítio errado e na hora errada.
Aquando da ofensiva final do exército vermelho em direcção a Berlim, na Primavera de 1945, estas cerca 20.000 jovens adolescentes viviam no Reich Alemão a leste do rio Oder, que no pós-guerra passou a ser território polaco.
Ao terem sido feitas prisioneiras de guerra, iniciaram a sua epopeia de sofrimento sendo levadas para campos de trabalho na Sibéria. Cerca de 4 anos depois as sobreviventes, menos de um terço, foram realocadas na RDA, proibidas de comentar o seu passado, aliás negado oficialmente.
Depois da reunificação, e com a ascenção ao poder de Angela Merkel, ela própria oriunda da Alemanha de Leste, criaram-se as condições para a sociedade alemã curar estas ‘pequenas feridas’.
Mas hoje, seis décadas depois, continua a não existir qualquer registo oficial destas prisioneiras de guerra.
"We are Germany's forgotten wartime prisoners".
"The issue is not the money as such, (…) it is about respect and recognition. We suffered in the labor camps. We were prisoners. Yet the German government has never recognized that fact."

Paralelamente, leio no Courrier Internacional (8 de Junho) um artigo publicado no El Periódico de Catalunha intitulado «Um Milhão de Espolidos Esquecidos - Os portugueses que deixaram África ‘com uma mão à frente e outra atrás’ ainda não foram indemnizados pela descolonização».
Os denominados ‘Retornados «há 32 anos que reclamam do Governo Português uma indemnização por tudo o que perderam após a independência das províncias do ultramar».
Reconhecem que ‘os culpados’ foram os interesses internacionais. «Em plena guerra fria, os Estados Unidos, a Rússia, Cuba e a China estavam interessados no petróleo de Angola e no controlo da África Austral.» Mas acusam o Governo português de nada ter feito na defesa dos seus interesses.

A descolonização ainda hoje não é um tema pacífico em Portugal, pois muitos dos directamente envolvidos em todo o processo continuam vivos.
E julgo que não vale a pena esgrimir argumentos sobre o momento histórico em que, em consequência da queda do Estado Novo, Portugal promoveu o acolhimento e integração na ‘metrópole’ de cerca de 1 milhão de retornados (10% da população). É um assunto que continuará a incendeiar velhas memórias, paixões e ódios antigos.

Contudo, parece que existem mais de dois mil processos de indemnização contra o Estado Português.
Estas indemnizações, no momento presente, significa que os cidadãos não envolvidos nestes processos deverão indemnizar os seus concidadões .
Ora eu questiono: De quê e porquê?
O Estado Português, que se saiba, não é acusado de ter ficado com o património dos lesados (ao contrário das nacionalizações). Não deveriam processar os respectivos PALOPs?
E não defendeu o Estado Português os interesses dos colonos portugueses?
O que foram os 13 anos de Guerra Colonial?
Nunca terá ocorrido aos colonos portugueses que a guerra poderia ‘dar para o torto’?
E não criou o Estado Novo condições de excepção para os portugueses no Ultramar?
Não beneficiaram de actividades económicas protegidas?
Não era até necessário uma ‘carta de chamada’ para iniciar uma aventura africana?

À semelhança do caso das cidadãs alemãs, sou obrigado a lembrar-me também aqui dos ‘esquecidos’ desta nossa história.
A começar por todos aqueles que foram obrigados a sair de Portugal, durante décadas, ‘com uma mão à frente e outra atrás’, por não terem o que comer. Na altura em que se dizia não haver racismo entre nós pois vivia tão mal o preto em Àfrica como o branco em Portugal.
Quantos não sairam do País, até clandestinamente, porque esse mesmo Estado Português não ter sido capaz de criar as condições básicas de sobrevivência por cá?
E os caso dos presos políticos do Antigo Regime, torturados, exilados, discriminados, assassinados?
E os soldados que foram parar à Guerra?
Deverão também, todos eles, processar o Estado Português?

Segundo se depreende do referido artigo, aparentemente não podem.
Isto porque, os processos em causa envolvem a avaliação de ‘bens que tiveram de deixar para trás’, ‘propriedades’, ‘peritagens’.

Como cidadão português, já em pleno século XXI, considero não ter nenhuma dívida monetária com os ‘retornados’, palavra do passado, pois todos aqueles que eu conheço que regressaram do Ultramar, na minha família, entre os meus amigos, ou na vida pública em geral, são tão portugueses como eu. Longe vão os tempos dos portugueses de 1ª e de 2ª.
Ou talvez não...
Daqui: http://www.martinhodarcada.blogspot.com/

« Lusos pedem indemnização pelos bens nacionalizado

Uma ferida com 35 anos

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Descolonização de Moçambique - Estórias para a História



FERIDA de 35 anos
O drama dos portugueses espoliados em Moçambique será lembrado a José Sócrates quando chegar amanhã a Maputo. Será recebido por um grupo que só pede o cumprimento de uma lei de l977: o direito à indemnização.
Engº. José Sócrates, Primeiro Ministro de Portugal
José Sócrates visita Moçambique de  3 a 5 de Março. O gabinete do primeiro-ministro adiantou que o programa ainda está a ser preparado, mas terá uma grande componente económica. O que não está na agenda é o encontro, à chegada, com um grupo de portugueses. Ângela Serras Pires e Luís Oliveira são duas das pessoas que pedirão para ser ouvidas por Sócrates, reabrindo uma ferida com 35 anos: as perdas dos portugueses aquando da independência de Moçambique (em 25 de Junho de 1975).

No aeroporto, erguerão um cartaz e tentarão pedir ao embaixador português, Mário Godinho de Matos, uma audiência com o primeiro-ministro. Ao SOL, poucos quiseram falar. O segredo é a estratégia para não perder tudo, de novo.
«As pessoas ainda têm muito medo, sofreram e perderam muito na independência. Toda a gente tentou reaver o que tinha, e ninguém conseguiu», explica Ângela.
«Eu quero que ele dê 50 ou 100 milhões de dólares a quem perdeu tudo. Portugal já investiu tanto aqui, já deu tanto a Moçambique em doações, que, pelo menos, podia dar alguma coisa a quem também construiu este país e perdeu tudo. Já que não fizeram nada, que mostrem alguma dignidade e dêem algum dinheiro a essas pessoas». Ângela não teme dar a cara. Foi a única da família a não ver uma Moçambique, e deve-lhes a coerência de dizer a verdade até ao fim. Lucinda Feijão, sua tia, foi uma das fundadoras da Renamo e os Serras Pires têm o pior carimbo para a Frelimo, sempre no poder desde a independência.

Armando Guebza. P. R. de Moçambique. O homem que espoliou e expulsou os portugueses de Moçambique (autor da Ordem 24/20)
Lei impõe indemnização

Ângela chegou a Portugal com 13 anos, em 1975, entre 170 mil oriundos de Moçambique na altura da descolonização. Da cidade da Beira, onde nascera, viu-se num país estranho. Para trás, a família deixava um enorme espólio. Entre em presas e casas, havia a Quinta do Guro, ao pé da cidade de Tete, com uma estalagem, uma bomba de gasolina, plantações, uma escola. «Nós tínhamos consciência de que iam ficar com tudo, mas achávamos que seriam os criados. As pessoas estavam em pânico, dizia-se que os portugueses eram todos uns fascistas». Foi tudo nacionaliza do, menos as cantinas, uma espécie de pequenas lojas que vendiam de tudo no meio do mato. Essas, Ângela viu serem nacionalizadas em 1996, quando passava férias em Moçambique, antes de aqui se radicar em definitivo. «Há uns dez anos, o meu pai foi à quinta do Guro, e estavam lá a viver 60 mil pessoas. As pessoas fizeram-lhe uma grande festa, pediram-lhe para voltar, mas estava tudo destruído. E pensar que tudo começara com uma palhota que o meu avô fez». Em 1977, as indemnizações aos ex-titulares de direitos sobre bens nacionalizados ou expropriados foram salvaguardadas dadas na lei n.º 80/77. Diz que «do direito à propriedade privada, reconhecido pela Constituição, decorre que, fora dos casos expressamente previstos na Constituição, toda a nacionalização ou expropriação apenas poderá ser efectuada mediante o pagamento de justa  indemnização».

É aqui que reside a esperança de Luís Oliveira, de 39 anos. Numa lei que nunca foi posta em prática.

A viver em Moçambique há dois anos, está a concretizar um sonho de menino. Já em Portugal, onde chegara com quatro anos, passara a infância a ouvir histórias deste país, de como era a vida aqui, do que
aqui fora deixado. Hoje trabalha em Maputo como informático.
A sua história começa no século XIX, com a vinda dos bisavós. Oliveira, que trouxe consigo toda a papelada do que seria seu, mostra a casa da Rua Tchamba que pertencia aos avós maternos, a residência da Avenida Salvador Allende, dos avós paternos. Pelo caminho, conta que a família saiu do país a medo, num tempo em que havia pressão sobre os brancos para se irem embora. O pai, à pressa, seguiu os conselhos do Governo português e depositou dinheiro no consulado português.
«Chamavam-lhes os depósitos consulares. Deixava-se aqui e levantava-se em Portugal. O meu avô acabou por receber esse dinheiro, quase 20 anos mais tarde, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas sem a actualização da moeda. Uma ninharia».
Em Portugal, sem dinheiro, nem bens, os avós de Luís foram obrigados a viver no lar de Santa Joana, no Lumiar.

«Ainda não tentei reaver o que era da minha família, mas essas casas já são de outras pessoas e tenho medo de arranjar problemas com os novos donos». Embora já tenha pedido nacionalidade moçambicana, Luís ainda espera pelos papéis, e, enquanto estrangeiro, prefere não levantar pó. Admite que houve quem voltas se a comprar o que era seu antes da independência, outros que ameaçaram os actuais donos a largarem as casas, mas não tem dinheiro, nem feitio para isso. «Não espero nada da vinda de Sócrates cá, mas acho isto tudo muito injusto, porque nós éramos portugueses e ninguém nos protegeu. Tudo o que o meu avô fez, deixou aqui, foi uma vida inteira...»
Não há lágrimas ou se quer nostalgia nas palavras de Luís. Mas sentimento de revolta. «A culpa disto tudo é do Governo português, não temos de pedir seja o que for ao Governo moçambicano. Se na altura
Portugal negociou Cahora Bassa, podia ter negociado também as propriedades dos portugueses. E temos a lei de 1977, Portugal comprometeu-se!». Já antes desta, o decreto-lei n.º 203/74 dizia que os bens dos repatriados portugueses seriam acautelados. Mas os acordos de Lusaca, que marcaram a independência de Moçambique, assinados entre o Governo português e a Frelimo, em Setembro de 1974, não passaram pela defesa dos interesses dos portugueses. Passaram-se 36 anos e a Associação de Espoliados de Moçambique já entregou várias petições à Assembleia da República portuguesa, além de ter recorri do aos tribunais para fazer cumprir a lei. Sem sucesso. Eduardo nasceu na Beira há 51 anos. «Quando eu cheguei a Portugal, tinha 18 anos, estávamos em Novembro de 1975. A Metrópole, para mim, não era nada, nunca lá tinha ido, nem um “pullover” tinha». Eduardo conta tudo como se a ferida ainda não tivesse sarado, como se ainda tivesse 18 anos e sentisse na pele a injustiça cega, e muda. «Tínhamos de sair daqui, não havia condições para criar os filhos. Tínhamos consciência de que tudo tinha acabado».
Em Portugal, Eduardo e os seus irmãos foram obrigados a largar os estudos e começar a trabalhar. Pela primeira vez, contavam o dinheiro e temiam o futuro. «Nostálgico, o meu pai? Não podia, nem tinha tempo, havia quatro filhos para criar. Não arranjou um emprego, mas um trabalho. Claro que fica uma enorme mágoa, mas a vida tem de andar para a frente quando temos uma família».

O pai de Eduardo, com 45 anos aquando da chegada a Portugal, não quis pedir apoio ao Instituto de Apoio ao Retornado. Também nunca pensou em escolher outra nacionalidade que não a portuguesa, embora, se tivesse optado pela alemã, pudesse ter direito a uma indemnização.
Retornados - Imagens da nossa vergonha
Manter a história viva
Eduardo herdou o carácter do pai. «Nem quero ver Sócrates. Para quê? Vai dizer que está muito preocupado com a situação e que temos razão, e depois não vai fazer nada. Eu só quero manter a história viva, para as pessoas não se esquecerem».
Amílcar Dias tem mais de 80 anos, mas anda direito como se tivesse 40. É educado e delicado, denunciando o carácter galanteador dos homens do seu tempo. Foi administrador das melhores empresas do país, e ao contrário dos outros, nunca saiu de Moçambique. Trabalhou antes e depois da independência, reconheciam-lhe o saber e não o puseram de lado. Mesmo assim, ainda esteve 18 meses preso na Machava, em 1975.
Quando saiu, de tudo o que a família conseguira construir ao longo da vida, restava-lhe um apartamento. «Há três meses desenvolvi uma teoria: há afro-tribalistas - africanos com um modo de vida tribalista
- e há afro-europeus, que são africanos, com uma cultura europeia, que é o meu caso».
Há um ano, assistiu ao leilão dos cinemas que o pai tinha na Beira, o Olímpia e o Palácio, que haviam sido nacionalizados após a independência. «Não há nostalgias, só causam lágrimas e não mudam nada». Amílcar Dias não se vai prestar a encontros com o primeiro-ministro. Diz que Sócrates, como os políticos antes dele, nunca entenderam as colónias. «Geriam, combatiam, mandavam como se soubessem o que se passava aqui. Se tivessem desenvolvido uma classe média-alta cá, não haveria Frelimo que vencesse. E os políticos do 25 de Abril fizeram tudo mal». Dias não tem esperança de voltar a ver o que era seu, e do seu pai. O que lá vai, lá vai. È que, apesar de ter nascido e vivido sempre aqui, em Moçambique um branco é sempre estrangeiro. “Mulungo” é a palavra no dialecto changana, usado em Maputo, para branco. Quer dizer branco, patrão, pessoa erudita, uma espécie de deus. E “mulungo” não é  moçambicano.

A questão da indemnização não é fácil, já que, desde Samora Machel, Moçambique também pede uma compensação a Portugal pelos 500 anos de colonização. Se o Governo português indemnizar os espoliados, a presidência moçambicana sentir-se-á, provavelmente, na obrigação de pedir satisfações. E não convém a nenhum dos lados voltar ao passado.
«Sabe, a politica são negócios. Não são ideais», sentencia.
Publicado no "SOL"
 
Ovar, 3 de Março de 2010
Álvaro Teixeira (GE)

Angola devolve propriedades aos alemães Porque é que a Alemanha consegue e Portugal não?

■ Que faz Sócrates? Nada!
«Por que motivo os alemães vêem as suas fazendas devolvidas por Angola e nós portugueses continuamos a aguardar justiça há mais de 33 anos, senhor Primeiro-Ministro ?» É esta a pergunta que as duas associações de espoliados do Ultramar deixam ao Governo de Sócrates
Isabel Guerreiro
N
OTÍCIAS vindas de Luanda dão conta de que o Governo angolano está a devolver dezenas de fazendas a cidadãos alemães que abandonaram o território africano por altura da independência, em 1975.
  Segundo o jornal «Africa Monitor» «o incremento por que estão a passar as relações angolano-alemães é devido a uma política condescendente de Angola face a exigências da Alemanha, tendo em vista a devolução de fazendas de que cidadãos alemães foram desapropriados a seguir à independência do território».
A notícia acrescenta ainda: «os processos de reclamação das fazendas, movidos pelos antigos proprietários alemães (ou herdeiros), vinham deparando com a dificuldade acrescida de algumas delas, em especial as situadas na província Cuanza-Sul, estarem ocupadas ou serem usufruto de personalidades da elite. A Alemanha alegou que os seus nacionais residentes no território à época de independência abandonaram Angola por razões de força maior desordem violenta, que inclusive provocou mortes».
  «Por que motivo os alemães vêem as suas fazendas devolvidas e nós portugueses não, senhor Pri-meiro-Ministro ?» É esta a pergunta que as duas associações de espoliados gostavam de ver respondida pelo Governo de Sócrates.
  Cerca de um milhão de espoliados das ex-colónias continua a aguardar pelas indemnizações dos bens perdidos no regresso a Portugal. Os cidadãos portugueses deixaram para trás, não só propriedades agrícolas mas também estabelecimentos comerciais, armazéns, negócios, e outro património que continua por calcular.
  Estima-se que a quantia total de indemnizações reivindicada pelos espoliados ascenda a mais de um bilião de contos. Mas passadas três décadas nada foi resolvido e inventariado.
  «Porque é que Alemanha consegue e nós, portugueses, não?!»
A interrogação de Lucas Martins, presidente da Associação dos Espoliados de Angola (AEANG), é dirigida ao Executivo de Sócrates, assim como ao Ministério das Finanças e Negócios Estrangeiros.

«Querem apagar a traição do passado»
  «Os portugueses não foram ressarcidos de nada, como a descolonização foi feita com tremendos erros, querem agora apagar a traição do passado e os governos sucessivos foram tapando as asneiras iniciais», lamenta ao acusar o Executivo de não pressionar o regime de Angola, como fez a Alemanha. «Angola é riquíssima, tem petróleo, diamantes, uma costa pesqueira fantástica, é uma jóia que todos cobiçam e não foi devolvido sequer um metro quadrado de terra aos portugueses».
  «Todos os países que tiveram colónias, indemnizaram os seus cidadãos, os portugueses investiram em Angola, venderam o que tinha no seu País para rumar para Africa e continuam a pedir que se faça justiça», destaca ao acrescentar: «O governo português, infelizmente, o que faz ainda é anti-pressão e elogio, procura por todos os meios passar para a opinião pública que não temos quaisquer direitos, ou que tudo tinha sido roubado e adquirido ilicitamente.... é precisamente porque estão vivas as figuras gradas que fizeram a descolonização que se pensa assim», lamenta Lucas Martins.
«Oportunidade para Portugal reescrever a história»
Também Vasco Rodrigues, presidente da Associação dos Espoliados de Moçambique (AEMO) aguarda «vivamente que o Governo português esteja ciente de que é necessário tomar uma atitude como fez o governo alemão, mesmo motivado por altos interesses económicos».
  «Esta será mais uma oportunidade que Portugal tem de rescrever a sua história e fazer justiça, porque o Estado nunca acautelou os interesses patrimoniais dos nossos espoliados», acrescenta.
  O dirigente frisa que tem feito chegar junto do Primeiro-Ministro «a ansiedade de todos os que abandonaram os bens em África», sobretudo, quer saber em que ponto de situação está «o famigerado grupo de trabalho, que tinha como missão iniciar o tratamento dos dados para uma futura resolução do problema dos espoliados».
«Há uma barreira qualquer no ministério das Finanças que está a travar a resolução deste assunto que pugnamos há mais 30 anos, este é um problema de Estado e nunca houve qualquer atitude, excepto ao governo de coligação PSD-CDS em que foi criado este grupo de trabalho que necessita de ser constituído para começar a agir», acrescenta.
  «As nossas ambições continuam a ser tabu e olham para os nosso problemas como se fosse um assunto de que não se pode falar ou que já está encerrado», lamenta Vasco Rodrigues.
      Interesses inconfessáveis
  Por outro lado, o major-general da Força Aérea (na reforma) Paula Vicente entende que, ao abandonar a causa dos espoliados, «os políticos portugueses deixam a margem para que a Nação pense que, se não quiseram, até agora, afrontar os governos dos agora designados PALOP, mormente o de Angola, é porque preferiram defender outros interesses, estes porventura inconfessáveis».
  O general Carlos Azeredo também lamenta: «não sei se algum dos diversos governos que tivemos após a independência de Angola teve coragem para levantar este assunto, que constitui um imperativo moral, pois estão em jogo os interesses de muitos portugueses que, com o seu trabalho, contribuíram para a riqueza de Angola».
  Acredita ainda que Angola, ao devolver as fazendas aos cidadãos portugueses, «só teria a lucrar, em dignidade perante a Comunidade Internacional e em termos económicos, com os benefícios que adviriam do seu trabalho.»

Fernando Paula Vicente, major-general da Força Aérea (na reforma)
«Os espoliados dizem-se traídos e estão cheios de razão»
■ O DIABO — Os espoliados continuam a dizer que se sentem traídos pelos Governo. Acha que o actual Executivo também deveria fazer pressão junto do governo angolano para este ter a mesma atitude com os portugueses como teve com os alemães?
GENERALPAULA VICENTE - Os espoliados dizem-se traídos e estão cheios de razão. Sou genro de um espoliado, pioneiro da colonização do norte de Angola, António Cordeiro de Oliveira. Com 13 anos rumou a Angola. Em 1921, com apenas 19 anos, fundou a povoação que é o concelho do Songo, distrito do Uíge. Grande empreendedor, criou um conglomerado de actividades de que faziam parte, entre outras coisas, quatro fazendas de café, casa comercial, farmácia, criação extensiva de gado, terrenos e habitações em Luanda. Tudo quanto ganhou foi investido em Angola, que considerava a sua terra, tendo também financiado a instalação de vários conterrâneos. Não transferiu um escudo para a metrópole, tal era a confiança e o amor por Angola. Abruptamente, em 1975, nas vésperas da independência, para salvar a vida, teve que fugir com a família: nem o dinheiro que tinha no banco conseguiu levantar. Chegou à metrópole tão pobre como tinha saído em 1913 e, até ao fim da vida, viveu de uma mísera pensão de velhice. Foi traído pelo governo de Angola, país a cujo desenvolvimento devotou uma vida inteira. Foi traído pelo governo português da época que, branqueando a história, quer fazer crer, aliás como os actuais, que foi feita uma «descolonização exemplar». Foi traído por sucessivos governos portugueses de todas as cores políticas que, ignorando as suas responsabilidades, se alhearam do problema da indemnização aos espoliados. Alguns, como o governo do senhor Professor Cavaco Silva, fingiram interessar-se pelo problema, tendo este criado um Gabinete de Apoio aos Espoliados, que nunca serviu para nada. Foi traído pela sociedade civil portuguesa que, depreciativamente, rotulou de «retornados» os espoliados das províncias ultramarinas e, de alguma forma, até os segregou socialmente. Foi traído por uma fauna da «esquerda bem-falante» que, além de nunca nada ter feito por Portugal, não hesitou em afirmar que os espoliados tinham feito fortuna a roubar os pretos. Foi traído por uma Comunicação Social que é capaz de chorar lágrimas de crocodilo por Timor, mas que, genericamente, enterrou a cabeça na areia, como se o problema dos espoliados não existisse. Foi traído por pessoas como Joaquim Furtado que, na sua série televisiva sobre a guerra do Ultramar, não hesitou em diabolizar o regime político português e as nossas forças armadas e em, simultaneamente, glorificar os terroristas angolanos.
  Como este colono exemplar, de quem ninguém de boa fé poderá dizer mal, muitos mais milhares de colonos foram igualmente traídos. Para eles nunca houve dinheiro para indemnizações, porque o dinheiro tem sido necessário para estádios de futebol, perdão de dívidas aos PALOP, subsídios à produção privada de filmes que ninguém vê (pelo menos um, sem imagem) e outros «negócios de Estado» que nada têm a ver com o interesse nacional: centenas de milhões de contos! E ninguém vai preso!
  O DIABO – 26.08.2008

Espoliados do ultramar: O EXEMPLO DE OUTROS PAÍSES COLONIZADORES

Aquilo que pode afirmar-se constituir um novo principio geral de direito - o de o Estado indemnizar os seus cidadãos vitimas da descolonização - tem sido respeitado pela generalidade dos países cuja soberania se estendia a territórios ultramarinos. Assim aconteceu nos casos da Grã Bretanha, da Bélgica, da Itália, da França, da Holanda ou da Alemanha. Portugal constitui a este respeito uma lamentável excepção:  vinte anos decorridos, o nosso pais não só não elaborou qualquer legislação nesse sentido como nem sequer admitiu uma responsabilidade que, em casos idênticos, as demais potências colonizadoras assumiram de pronto. Mais ainda: numa atitude que qualificaríamos de menos séria, procura transferir as suas obrigações para países terceiros que nem para tal estão vocacionados nem possuem meios materiais para proceder a quaisquer indemnizações ( Art. 40 da lei das Indemnizações nº 80/77, de 26 de Outubro). Não desejando sobrecarregar a presente exposição com múltiplos dados, por vezes repetitivos, cingir-nos-emos à legislação francesa,  numerosa, extremamente detalhada e em que e notória a preocupação de proceder ao seu constante aperfeiçoamento. Salientamos, assim, alguns aspectos das medidas legais mais relevantes adoptadas pela França.
A partir de 1961, a legislação francesa ocupou-se da reintegração dos seus cidadãos, até então residentes em territórios sob a soberania da França, com diversos subsídios e medidas de carácter social; em 1969 instituem-se disposições de protecção jurídica em favor dos repatriados e espoliados dos seus bens no ultramar, nomeadamente suspendendo, " até entrarem em vigor medidas legislativas conducentes as indemnizações", a execução de obrigações financeiras por eles contraídas junto de organismos de crédito que tivessem assinado acordos com o Estado ( Lei 69 -992 de 6/11/1969, art. 2º). Nos anos 70 será particularmente numerosa a legislação relativa aos espoliados do ex-ultramar francês. Notaremos em primeiro lugar a Lei nº 70-632 de 15/07/1970 que tem por título "Contribuição nacional para a indemnização dos franceses espoliados de bens situados em território anteriormente sob a soberania, protectorado ou a tutela da França". Logo no seu art. 1º se refere esta lei à indemnização que a lei de 1961, nº 61-1439 de 26/12, já previa no seu art. 4º . Propõe-se a referida lei de 1970 proceder ao que designa por uma "contribuição nacional" a indemnização, com o carácter de adiantamento sobre os créditos detidos pelos espoliados ( art. 1º); define o que entende por pessoas físicas e pessoas morais com direito a indemnização, as circunstancias que levam o acto a ser classificado de "espoliação", enumera os bens indemnizáveis segundo categorias que estabelece, bem como critérios para a sua indemnização, etc. A defesa de bens e interesses dos repatriados ficava entregue à  "Agência Nacional para a Indemnização dos Franceses do Ultramar", colocada sob a dependência do Primeiro Ministro; alem de outras atribuições que lhe eram conferidas, ficava a agência encarregada da "execução das operações administrativas e financeiras previstas na presente lei". Os pedidos de indemnização deviam ser apresentados dentro de um ano; a introdução dos processos seria efectuada segundo uma ordem de prioridades que dependia dos meios de subsistência, da idade, dos encargos familiares e do estado físico dos interessados. Quanto à liquidação das indemnizações, a lei estabelecia no seu art. 41º que o montante da indemnização era igual ao valor global da indemnização por esses bens, afectado pela aplicação de coeficientes que indica e variavam segundo o montante dos bens. As indemnizações seriam liquidadas pelo director da Agência Nacional para as Indemnizações, segundo modalidades a fixar por decreto, dentro do limite de verbas orçamentais estabelecidas em cada ano. Das decisões sobre o reconhecimento do direito à indemnização ou sua liquidação cabia recurso para as comissões do contencioso da indemnização, fixadas por decreto do Conselho de Estado; da decisão das comissões podia recorrer-se para o próprio Conselho de Estado.
Um decreto de 1970 ( nº 70-720 de 05/08/1970) referia-se exclusivamente à determinação e avaliação dos bens indemnizáveis situados na Argélia, variáveis consoante as regiões.
Um decreto posterior ( nº 70-982 de 27/10/1970) coloca a Agência Nacional para a Indemnização dos Franceses Ultramarinos, por delegação do Primeiro Ministro, sob a tutela do ministro da economia e finanças; do seu conselho de administração fazem parte, entre outros membros, " três pessoas que conheçam os problemas da competência da Agência" e são escolhidas pelo Primeiro Ministro " por proposta das associações mais representativas dos repatriados".
Segundo a Lei nº 78-1 de 02/01/1978, relativo à indemnização dos franceses espoliados, é criado um complemento de indemnização, a adicionar à anteriormente estabelecida " contribuição nacional", ainda com o carácter de adiantamento sobre os créditos dos espoliados. São actualizados a Dezembro de 1978 os valores das indemnizações; o título de complemento de indemnização que as pessoas com mais de setenta anos recebem tem carácter prioritário que lhes permite pedir em cada ano o pagamento de um quinto do montante do título, enquanto pessoas de mais de oitenta anos podem pedir o seu reembolso em dois anos; as de idade inferior a setenta anos serão reembolsadas em quinze anos; em todos os títulos serão pagos juros, livres de impostos ; os títulos podem constituir-se em garantias de empréstimos .
O decreto nº 78-231 de 02/03/1978 esclarece alguns pontos da lei acima referida e actualiza o valor do complemento de indemnização. Empréstimos de consolidação de dívidas, concedidos aos repatriados com dificuldades económicas e financeiras, são objecto de legislação em 1987 e 1988.
Em conclusão, o gradualismo desde cedo adoptado pelo Estado francês tem viabilizado o cumprimento de responsabilidades que jamais enjeitou e contribuído para a pacificação da sociedade francesa. Seja-nos permitido notar que atitudes opostas conduzem necessariamente a efeitos opostos: mal-estar social e descrédito de instituições que os espoliados portugueses bem desejariam poder respeitar.

http://www.aemo.org/outrosp.html

Ano de 2008 foi de péssima memória para os espoliados ultramarinos




22 22UTC Fevereiro 22UTC 2009

O ano de 2008 foi mais um ano de luta entre os nossos associados, representados pela AEANG, que  terminou como os anteriores: com avanços e recuos no processo judicial  em curso contra o Estado português que não tem dado provas de ser pessoa de bem nesta questão nacional. Esta associação tem pressionado o nosso advogado para que insista junto dos tribunais maior rapidez. Compreendemos a impaciência dos nossos sócios, que é nossa também, mas a Justiça em Portugal é lenta e onerosa, pelo que teremos de aguardar mais algum tempo. Também no que concerne à via política, encetada e mantida pela AEANG, representante legal dos nossos sócios, os resultados não têm sido mais favoráveis à nossa justa pretensão, mas…
…quer num caso, quer no outro, a Direcção da nossa Associação não esmorece nem desiste dos sucessivos contratempos que, por incapacidade, má vontade ou indiferença dos nossos governantes e políticos, têm sido obstáculos para que o Estado português _ único responsável pela “descolonização” pague os danos causados por um acto político da sua inteira e exclusiva responsabilidade. Prosseguimos neste combate desigual em que temos a força da razão mas não possuímos o poder decisório da responsabilidade do governo.
Pelos resultados não conseguidos, como ardentemente desejamos, não se podem imputar responsabilidades ou culpas aos que, como esta Direcção da Associação dos Espoliados de Angola, há mais de oito anos consecutivos se têm empenhado nesta batalha  de sermos ressarcidos pelos danos materiais sofridos com o acto político que nos esbulhou  os nossos bens patrimoniais ganhos com trabalho honrado, sacrifício e privações sem conta.
Por tudo isto, o ano de 2008 foi para nós, Direcção da AEANG, um período de péssima memória. Contudo, a nossa esperança em que o Estado pague os prejuízos sofridos pela “descolonização”, não esvanece. A luta continuará, com esta ou com outra Direcção.
A grandeza da nossa maneira de ser e a correcção superior no trato com os nossos interlocutores representantes das agremiações políticas, do governo e de várias instituições, acrescida do facto de estarmos com a razão,  colide com a hipocrisia dos primeiros.
De ouvirmos palavras confortáveis estamos todos nós cansados. O que pretendemos é que o Estado português ou os seus agentes passem das palavras aos actos. Dito de outra maneira: o que se deseja _ por ser inteiramente justo _ é o pagamento pelo Estado dos danos materiais de que fomos vítimas. E isso não é um favor. É um direito que nos assiste e do qual não abdicaremos. O Estado tem de se comportar connosco como pessoa de bem. Tem de cumprir as suas obrigações para com os cidadãos. Não é só exigir que cumpramos os nossos deveres para com ele. O Estado não se pode eximir das suas obrigações, dos seus deveres. E a questão das indemnizações às vítimas da “descolonização exemplar” (tremendo erro de semântica e processo político trágico), é uma obrigação do Estado para com os espoliados do ex-Ultramar.
Na sequência da força moral que assiste aos espoliados pela “descolonização exemplar”, tem-se procurado pelas vias institucionais solucionar o problema, mas parece que a maioria dos políticos e dos governantes não compreende a nossa linhagem, o elevado carácter, a dignidade por nós usadas, pelo que teremos de ponderar seriamente noutras formas mais duras de luta para sermos ressarcidos dos bens patrimoniais que nos foram violentamente sonegados com a complacência ou a indiferença dos responsáveis do Estado português, que nada fizeram para evitar  o esbulho. Até hoje  _ e já são decorridos trinta e quatro anos _ o Estado não só não assumiu, como lhe compete, a culpabilidade dessa tragédia, como se tem esquivado a pagar as indemnizações a quantos foram esbulhados dos seus bens materiais e das suas economias conseguidas com sacrifícios.
Pela injustiça de que são vítimas os espoliados ultramarinos, no caso concreto da ex-província de Angola, há em cada um deles um sentimento de revolta plenamente justificado pelo censurável comportamento do Estado ou dos seus agentes para com eles.
Um Estado de Direito e uma democracia que não trata de igual modo os seus cidadãos, tem de ser questionado e a corrigir esse comportamento. Esgueirar-se de modo ínvio á liquidação de danos materiais originados por um processo político antidemocrático e causador da maior tragédia da História de Portugal, não é _  convenhamos _ um exemplo a ser considerado abonatório para o Estado nem para os seus agentes.
Ao longo de 34 anos, Portugal já teve tempo para ressarcir as vítimas da chamada erradamente “descolonização exemplar”. Não o tendo feito, incorre numa falta gravosa. E tanto mais gravosa, quanto se sabe  que têm sido perdoadas das dívidas aos novos estados africanos lusófonos, e concedidos créditos de duvidosa cobrança aos mesmos, sem que daí tenha advindo vantagens para o nosso País. Não argumentem os governantes e a classe política de que não há dinheiro. O que de facto não tem existido é vontade em solucionar este problema nacional.
Cansados de ouvirmos promessas e de palavras de conforto estamos nós, espoliados pela “descolonização.  O que queremos, por ser de inteira justiça, é que o Estado português _ único responsável pelo  processo político antidemocrático chamado de “descolonização” _ nos indemnize dos bens patrimoniais que nos foram subtraídos com violência. O Estado tem essa obrigação, porque, em nosso entender, é réu neste processo por não ter acautelado, como era seu estrito dever, os bens materiais dos seus cidadãos, ao tempo da entrega, sem honra nem dignidade, do Ultramar.
Assiste ás vítimas inocentes da pérfida “descolonização” o direito à indignação  e o dever de protestarem enquanto cidadãos injustiçados pelo próprio Estado. Por isso, a AEANG procurará outras formas de luta até que os seus associados sejam ressarcidos pelos bens patrimoniais que lhes foram sonegados de forma violenta. Não tenham dúvidas de que a AEANG continuará determinada nesta batalha para que seja feita justiça às vítimas da “descolonização”.
Inconformada com tão gritante injustiça, a  Direcção da AEANG não tem deixado de pressionar o poder político, através de exposições, reuniões com os partidos políticos, encontros com representantes dos órgãos de soberania, processos em tribunais nacionais e entrevistas do presidente da Direcção  aos meios de comunicação social nacionais  e estrangeiros.
Terminamos este texto dizendo aos governantes e às agremiações partidárias de que, enquanto houver uma vítima da “descolonização exemplar”  viva, a luta prosseguirá.
O Estado tem de ser, de facto, pessoa de bem. E só o será para os espoliados ultramarinos quando os indemnizar dos danos patrimoniais causados por um processo político trágico, antidemocrático,  executado por uns quantos cérebros acinzentados, à  margem dos portugueses do ex-Ultramar e dos portugueses de aquém mar. Vamos continuar a lutar pelo que temos direito, enquanto formos vivos.

from → Angola

Acordo entre Angola e Portugal, Decreto nº. 3/89, Indemnização dos Bens Zairinizados por espoliado

Decreto nº. 3/89 de 7 de Janeiro de 1989



1 01UTC Janeiro 01UTC 2010
Nos Termos da alínea c) do nº.1 do artigo 200º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo único. É aprovado, para ratificação, o Acordo entre a República Portuguesa e a República do Zaire Relativo à Indemnização dos Bens Zairinizados que pertenciam a Nacionais Portugueses, assinado em Kinshasa, em 5 de Fevereiro de 1988, cujos textos originais em francês e português, ambos fazendo igualmente fé, vão anexos ao presente decreto.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 17 de Novembro de 1988. - Anibal António Cavaco Silva – Miguel José Ribeiro Cadilhe – João de Deus Rogado Salvador Pinheiro.

Ratificado em 22 de Dezembro de 1988.

Publique-se.

O Presidente da República, Mário Soares.

Referendado em 27 de Dezembro de 1988

O Primeiro-Ministro, Anibal António cavaco Silva.

Porque não um Acordo entre Angola e Portugal?

from → Angola, O Espoliado


.....

Caro(a) ex-residente ou natural de Angola

1 01UTC Janeiro 01UTC 2010
por espoliado
Serve a presente para lhe dar a conhecer a existência da nossa Associação, dedicada à missão de levar o Governo Português, a indemnizar todos os cidadãos nacionais cujos bens foram nacionalizados consequência da descolonização.
É pois a altura de os espoliados se unirem ao redor da sua Associação representativa,  (AEANG), e assim mostrar ao Governo de Portugal a sua determinação, à semelhança do que aconteceu com todos os outros países que descolonizaram e que já indemnizaram, da justeza das suas pretensões.
Não será a conjuntura financeira muito favorável. Mas a altura é propícia para convencer os políticos que nos governam a reconhecerem finalmente os nossos direitos. E sabemos que estão dispostos a iniciar um processo de resolução que leve, em breve, ao reconhecimento dos nossos direitos e, a médio prazo, ao pagamento, certamente em parcelas, das indemnizações devidas e à resolução das outras situações ainda pendentes.
Titular ou herdeiro, é altura de se fazer sócio!.
Interessado ou não, passe a mensagem a outro, por favor!

A EPOPEIA DO RETORNO 20 ANOS DEPOIS

A vinda para Portugal, em 1975, de muitos milhares de portugueses que viviam nas ex-colónias suscita, 20 anos depois, a recordação dessa epopeia. Neste artigo abordarei esse tema para divulgar alguns dados que constam de relatórios oficiais.

Em 25 de Abril de 1974 já existiam no então Ministério do Ultramar dois núcleos de apoio a desalojados. O primeiro era a Comissão Administrativa e de Assistência aos Desalojados (CAAD), que fora criada para resolver problemas de pessoas que vinham da Índia Portuguesa; outro era o Centro de Apoio aos Trabalhadores Ultramarinos (CATU), que apoiava os trabalhadores cabo-verdianos.

Em Junho de 1974 começaram a chegar pessoas a Lisboa vindas de outras ex-colónias, nomeadamente da Guiné e de Moçambique, em número reduzido, mas já indicativo de alarme. Por isso foi criado um terceiro núcleo, designado por Grupo de Apoio aos Desalojados do Ultramar (GADU), o qual prestou auxílios de emergência. Este Grupo desenvolveu actividades crescentes perante o crescente afluxo de pessoas e famílias. Esse afluxo mostrou-se muito grave logo no início de 1975 e o GADU não encontrou respostas necessárias nas diversas estruturas da Administração Pública, as quais resolveram ignorar o problema. Foi preciso criar um serviço nacional que desse respostas. Pelo Decreto-Lei N.º 169/75 de 31 de Março, foi criado o Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN).
O IARN assumiu responsabilidades em todas as áreas, Funcionava como se existisse nele uma Administração Pública só para retornados. E assim era porque os serviços normais do Estado afastaram os problemas ajudando, ainda por cima, a aumentar a carga negativa da palavra retorno. Os retornados eram seres indesejáveis, talvez porque vinham reduzir ou eliminar a supremacia das influências dos que pretendiam instaurar em Portugal um regime autoritário de esquerda marxista.

O IARN teve que montar estruturas e serviços para responder às solicitações. Recebia os regressados, fornecia alojamentos, subsídios de família, bolsas de estudo, etc.

Em Outubro de 1975 foi criada a Secretaria de Estado dos Retornados, integrada no Ministério dos Assuntos Sociais, a qual passou a tutelar o IARN. Alguns indicadores dessas actividades:

RETORNO – De Junho de 75 a Novembro de 76 foram recebidas pelo IARN 275.599 pessoas de Angola, das quais 173.982 transportadas em 905 voos da ponte aérea com origem em Luanda e Nova Lisboa, e 101.617 chegaram a Portugal pelos seus próprios meios. Em Abril de 76 foram recebidas mais 11.000 pessoas de Angola, transportadas em mini-ponte aérea com origem em Windhoec; de Moçambique foram recebidas no aeroporto de Lisboa 30.194 pessoas e de Timor 1.525.

SUBSÍDIOS DE EMERGÊNCIA – De Janeiro de 75 a Agosto de 76 foram concedidos subsídios no valor de 887.116 contos.

ALOJAMENTO – Em Dezembro de 76 e através de 1.457 estabelecimentos espalhados pelo país, encontravam-se alojadas 71.568 pessoas por conta do IARN, com diárias que variavam entre 270$00 (mínima) e 875$00 (máxima). Destas, 35.269 estavam alojadas na área de Lisboa.

HABITAÇÃO – 4.053 inscrições para procura de habitação, mas com oferta praticamente nula.

EMIGRAÇÃO _ Dado o apoio 5.266 agregados familiares compostos por 12.642 pessoas, que emigraram. Destas, 94,2% emigraram para o Brasil e as restantes para 28 países diferentes.

APOIO À INFÂNCIA, 3.ª IDADE E DEFICIENTES _ Apoio a 502 casos de crianças e idosos sem família. Apoio a 837 crianças colocadas em instituições de assistência ou agregados familiares receptores. Apoio a 609 deficientes.

APOIO A FUNCIONÁRIOS _ Concedidos 265.300 contos como adiantamentos a funcionários que pediam ingresso no Quadro Geral de Adidos, criado com finalidade de integração dos funcionários ultramarinos na Administração Pública.

EMPRÉSTIMOS PARA INTEGRAÇÃO _ Emprestada a importância de 121.787 contos para pequenas iniciativas. Estes empréstimos feitos pelo IARN não se confundem com os feitos pelo Comissariado para os Desalojados, a quem faremos referência mais adiante.

BAGAGENS E VIATURAS _ Recebidos 516.268 m3 de bagagens e 22.774 viaturas.

TRANSPORTES _ Do aeroporto da Portela para diversos destinos: 34.144 pessoas em 546 autocarros alugados; 34.197 volumes com 124.563 m3 manuseados e transportados; 11.952 volumes com 17.971 m3 manuseados e transferidos de armazém para armazém em Lisboa.

PRESTAÇÕES SOCIAIS _ 120.733 processos de desemprego organizados e um dispêndio de 3.209.546 contos; 318.742 contos de abono de família; 348.257 contos de prestações complementares.

BOLSAS DE ESTUDO _ 4.324 bolsas para ensino superior, no valor de 78.939 contos; 64.200 contos de auxílios a estudantes de outros graus de ensino.

GÉNEROS _ (auxílio nacional e estrangeiro) – Recepção, armazenagem e distribuição de 16.214,5 toneladas de géneros recebidos do estrangeiro e 117,8 toneladas de géneros de origem nacional.

ROUPAS E CAMAS _ Distribuídas 224.287 peças de vestuário, 158.713 peças de roupa doméstica, 570 camas e 972 colchões.

Actividades desta envergadura exigiram serviços complexos, extensos e de difícil coordenação e direcção. Os problemas aumentavam diariamente e o IARN, que atingiu dimensões e características ingovernáveis, passou a ser o bode expiatório de todos. As Associações de desalojados eram activas e contestatárias. Recordem-se as mobilizações que fizeram para contestar a Secretaria de Estado dos Retornados. A situação tornou-se insustentável e, perante a pressão das Associações e sob sua proposta, a Secretaria de Estado dos retornados foi Extinta e, em sua substituição, foi criado em 10 de Setembro de 1976 o Comissariado para os Desalojados, dirigido por um Alto-Comissário (o então coronel, hoje general, Gonçalves Ribeiro) assessorado por pessoas indicadas pelas associações e aceites pelo Governo.

O Comissariado tinha uma leve estrutura de serviços em Lisboa. Nos Açores e Madeira teve Comissões Regionais, uma Comissão Distrital em cada distrito e uma Comissão Concelhia em cada Município. Integrei-me então na equipa do Coronel Gonçalves Ribeiro, por proposta das Associações e requisitado ao Quadro Geral de Adidos, a que pertencia. Nessa equipa dirigi as tais Comissões Regionais, Distritais e Concelhias.

A primeira preocupação do Comissariado foi caracterizar o problema. Para isso fez o recenseamento dos desalojados em todo o território nacional, São interessantes alguns dos números registados:

a) Recenseados cerca de 500.000 desalojados correspondentes a 150.000 famílias.

b) Cerca de 110.000 activos estavam desempregados.

c) 71.568 alojados por conta do Estado, com um dispêndio diário de cerca de 20.000 contos.

d) A maior parte não tinha habitação própria.

e) A percentagem média nacional entre a população residente e a população desalojada atingia cerca de 6%, elevando-se a cerca de 11% no distrito de Bragança (máximo) e atingindo o mínimo de 1,38% no distrito de Évora.

Estes indicadores pecam por defeito, porque muitos dos desalojados já tinham emigrado e outros pensa-se que cerca de 2% não se recensearam.

Perante estes dados e outros que aqui não são referidos, o Comissário definiu os seguintes princípios de actuação:

1.º - O problema dos desalojados, pelas suas características e dimensões era um problema nacional muito grave. Sendo um problema nacional tão grave, deveria ser solucionado por todas as estruturas da Administração Pública.

2.º - O Comissário actuaria como órgão de estudo e acompanhamento do problema, como dinamizador das estruturas normais do Estado e como executor, em acção supletiva, nas áreas em que as estruturas normais do Estado ainda não actuassem.

3.º - Consequentemente, o Comissariado transferiria a pouco e pouco as suas atribuições para os serviços vocacionados do Estado tradicionais até à sua própria extinção, que se desejaria o mais rápido possível.

Com base nestes princípios e em programas específicos, assim trabalhou.

No Programa de Crédito para criação de novos postos de trabalho, o mais conhecido, até junho de 79 tinham sido realizadas 7.799 operações no valor global de 13.951.053 contos, dos quais 8.163.451 contos (41,5%) financiados pelas instituições de crédito. Estas operações de financiamento tiveram grande impacto em todo o País, que viu multiplicarem-se iniciativas de desalojados por todo o lado. Só em dois dos 305 Municípios as comissões Concelhias respectivas não conseguiram ultrapassar dificuldades para ali receberem essas iniciativas.

Os outros programas também funcionaram bem, excepto o de Habitação.

Com muitas dificuldades, os problemas foram sendo reduzidos até que puderam ser transferidos para as estruturas normais do Estado e o Comissariado foi extinto em 1979.

Quem desejar mais pormenores sobre estas actividades pode consultar os Relatórios para os Desalojados.

A ajuda internacional não foi de grande porte. Foram recebidos auxílios em espécie e em fundos. Quanto à ajuda em dinheiro, registou-se o seguinte: Holanda, 48.300 contos; Suécia, 63.000 contos; Noruega, 4.803 contos; E.U.A.; 1.078.115 contos; Grécia, 7.000 contos; Suíça, 45.000; Austrália, 1.100 contos.

O Conselho da Europa, através do Fundo de Reinstalação, emprestou 2,5 milhões de contos.
Outras organizações estrangeiras doaram fundos no valor de 11.500 contos. O total cifrou-se à volta de 1.258.818 contos, mais o empréstimo do Conselho da Europa, que o Estado Português amortizou.

A Caritas e outras organizações não governamentais também receberam fundos de instituições similares estrangeiras, nomeadamente da Alemanha e da Suíça, que aplicaram directamente em programas seus.

É justo endereçar aos desalojados o êxito da integração. Perante a adversidade, agiram com determinação, como já tinham demonstrado em África, mostraram competência, melhoraram todos os sectores no País como alavanca de progresso e substituíram o estigma de retornado, que quiseram colar-lhe em titulo de que muito se orgulham.


Pelo Dr. J. M. Marques Leandro
(Ex-Secretário de Estado da Administração Local)

domingo, 18 de abril de 2010

ESPOLIADOS DO ULTRAMAR: O EXEMPLO DA FRANÇA


Por Ângelo Soares

Aquilo que pode afirmar-se constituir um novo princípio geral de direito - o de o Estado indem­nizar os seus cidadãos vítimas da descoloniza­ção - tem sido respeitado pela generalidade dos países cuja soberania se estendia a territó­rios ultramarinos. Assim aconteceu nos casos da Grã-Bretanha, da Bélgica, da Itália, da França, da Holanda ou da Alemanha. Portugal constitui a este respeito uma lamentável excep­ção: vinte e três anos decorridos, o nosso país não só não elaborou qualquer legislação nesse sentido como nem sequer admitiu uma respon­sabilidade que, em casos idênticos, as demais potências colonizadoras assumiram de pronto. Mais ainda: numa atitude que qualificaríamos de menos séria, procura transferir as suas obri­gações para países terceiros, que nem para tal estão vocacionados nem possuem meios mate­riais para proceder a quaisquer indemnizações (Art.Q 40 da Lei das Indemnizações n.g 80/77, de 26 de Outubro). Não desejando sobrecarre­gar o leitor com múltiplos dados, por vezes repetitivos, cingir-nos-emos à legislação france­sa, numerosa, extremamente detalhada e em que é notória a preocupação de proceder ao seu constante aperfeiçoamento. Salientamos, assim, alguns aspectos das medidas legais mais relevantes adoptadas pela França. A partir de 1961, a legislação francesa ocupou-se da reintegração dos seus cidadãos, até então residentes em territórios sob a soberania da França, com diversos subsídios e medidas de carácter social; em 1969 instituem-se dispo­sições de protecção jurídica em favor dos repatriados e espoliados dos seus bens no ultramar nomeadamente suspendendo, "até entrarem em vigor medidas legislativas conducentes às indemnizações", a execução de obrigações financeiras por eles contraídas junto de orga­nismos de crédito que tivessem assinado com i Estado (Lei 69-992 de 6/11/1969, Art.2 2.Q). Nos anos 70 será particularmente numerosa a legis­lação relativa aos espoliados do ex-ultramar francês. Notaremos em primeiro lugar a Lei n.Q 70-632, de 15/07/1970, que tem por título "Contribuição nacional para a indemnização dos franceses espoliados de bens situados em território anteriormente sob a soberania, protec­torado ou a tutela da França". Logo no seu Art.Q 1 ,g se refere esta lei à indemnização que a lei de 1961, n.Q 61-1439 de 26/12, já previa no seu Art. 4.s. Propõe-se a referida lei de 1970 proce­der ao que designa por uma "contribuição nacional" a indemnização, com o carácter de adiantamento sobre os créditos detidos pelos espoliados (Art. 1.s); define o que entende por pessoas físicas e pessoas morais com direito a indemnização, as circunstâncias que levam o acto a ser classificado de "espoliação", enume­ra os bens indemnizáveis segundo categorias que estabelece, bem como critérios para a sua indemnização, etc. A defesa de bens e interes­ses dos repatriados ficava entregue à Agência Nacional para a Indemnização dos Franceses do Ultramar, colocada sob a dependência do primeiro-ministro"; além de outras atribuições que lhe eram conferidas, ficava a agência encarregada da "execução das operações administrativas e financeiras previstas na pre­sente lei". Os pedidos de indemnização deviam ser apresentados dentro de um ano; a introdu­ção dos processos seria efectuada segundo uma ordem de prioridades que dependia dos meios de subsistência, da idade, dos encargos familiares e do estado físico dos interessados. Quanto à liquidação das indemnizações, a lei estabelecia no seu Art. 41.- que o montante da indemnização era igual ao valor global da indemnização por esses bens, afectado pela aplicação dos coeficientes que indicam e varia­vam segundo o montante dos bens. As indemnizaçõeso seriam liquidadas pelo director da Agência Nacional para as Indemnizações, segundo modalidades a fixar por decreto, den­tro do limite de verbas orçamentais estabeleci­das em cada ano. Das decisões sobre o reco­nhecimento do direito à indemnização ou sua liquidação, cabia recurso para as comissões do contencioso da indemnização, fixadas por decreto do Conselho de Estado; da decisão das comissões podia recorrer-se para o próprio Conselho de Estado.
Um decreto de 1970 (n.Q 70-720 de 05/08/1970) referia-se exclusivamente à determinação e avaliação dos bens indemnizáveis situados na Argélia, variáveis consoante as regiões. Um decreto posterior (n.9 70-982 de 27/10/1970) coloca a Agência Nacional para a Indemnização dos Franceses Ultramarinos, por delegação do primeiro-ministro, sob a tutela do ministro da Economia e Finanças; do seu Conselho de Administração fazem parte, entre outros membros "três pessoas que conheçam os problemas da competência da Agência" e são escolhidas pelo primeiro-ministro "por pro­posta das associações mais representativas dos repatriados".
Segundo a Lei n.Q 78-1 de 02/01/1978, relativo à indemnização dos franceses espoliados, é cria­do um complemento de indemnização, a adi­cionar à anteriormente estabelecida "contribui­ção nacional", ainda com o carácter de adian­tamento sobre os créditos dos espolia­dos. São actualizados a Dezembro de 1978 os valores das indemnizações; o título de comple­mento de indemnização que as pessoas com mais de 70 anos recebem tem carácter prioritá­rio que lhes permite pedir em cada ano o paga­mento de um quinto do montante do título, enquanto pessoas de mais de 80 anos podem pedir o seu reembolso em dois anos; as de idade inferior a 70 anos serão reembolsadas em quinze anos; em todos os títulos serão pagos juros, livres de impostos; os títulos podem constituir-se em garantias de emprésti­mos.
O decreto n.º 78-231 de 02/03/1978 esclarece alguns pontos da lei acima referida e actualiza o valor do complemento de indemnização. Empréstimos de consolidação de dívidas, con­cedidos aos repatriados com dificuldades eco­nómicas e financeiras, são objecto de legisla­ção em 1987 e1988.
Em conclusão, o gradualismo desde cedo adoptado pelo Estado francês tem viabilizado o cumprimento de responsabilidades que jamais enjeitou e contribuído para a pacificação da sociedade francesa.
Em Portugal, onde foi construído o Centro Cultural de Belém, ocorreu com brilho e cir­cunstância a Expo'98 (o Totoloto de muitos), o exemplo humanitário dado pela França podia ser seguido pelos governantes. Cidadãos portugueses que viveram durante dezenas de anos em Angola e Moçambique, exercendo actividade no sector privado (comer­ciantes, industriais, agricultores, operários, téc­nicos, profissões liberais, etc.), porque lá não existia qualquer tipo de segurança social, foram forçados pela universal lei de sobrevivência a criar economias próprias garantes de uma velhice com um mínimo de dignidade. Com a descolonização, viram-se, de um dia para o outro, espoliados dos seus seguros, resi­dências, depósitos bancários, terrenos, enfim, de tudo quanto tinham amealhado, sabe-se lá à custa de quantos sacrifícios e privações. Regressados a Portugal e muitos já perto dos 60 anos, a inscrição no desemprego, na grande maioria dos casos, nada resultou. Atingidos que foram os 60 anos e sem terem tido oportunida­de de descontos para a Segurança Social, foram forçados a aceitar a pensão social actual­mente fixada nos 32.000$00. Mantêm processos de reclamação de bens, de valores por vezes razoáveis, se for tida em linha de conta a devida correcção monetária que, segundo o INE, será de 19,6 vezes os valores de 1975. E vêem-se forçados a recorrer à cari­dade dos familiares (ou sabe-se lá de quem...). Atendendo o "aviso" que o Estado fez publicar na imprensa há mais de vinte anos, reclamaram os seus bens junto do Instituto para a Cooperação Económica ou do MNE e nem sabem o que é feito dos processos. O Estado português, demonstrando a mais cruel indife­rença, deixa que seja o cemitério a resolver o problema.
Há dias, no Estoril, para fazer o enterro de urna velha e respeitável senhora com largos anos de Ultramar, foi necessário fazer-se uma colecta entre os amigos que a acompanharam à última morada. E quantos casos destes estarão ocor­rendo por este país fora. O que se está passando em Portugal com os espoliados do Ultramar não pode deixar de desacreditar os governantes portugueses até a nível internacional.
CORREIO DA MANHÃ - 1997