quarta-feira, 31 de março de 2010

Retornados, refugiados, espoliados do ultramar, Por favor, não me contes a tua história

http://pissarro.home.sapo.pt/debandada.jpg
Este título assaltou-me quando, chegada dumas curtas férias, comecei a ler por ordem cronológica as edições do PÚBLICO que se tinham acumulado na minha ausência. Dia 12, sábado, o PÚBLICO dedicou pela primeira vez uma notícia sobre o acontecido a 10 na Quinta da Fonte. Na secção Local, uma pequena notícia intitulada “Desordem em Loures provocou nove feridos” transcrevia umas breves declarações do Comando Metropolitano da PSP para em seguida passar a descrever, sem mais explicações, o assalto a um supermercado em Setúbal. Não sendo Lisboa em matéria de crime a cidade do Rio de Janeiro, nove feridos “numa desordem entre moradores” mereceria outro tratamento. A isto junta-se que, nesse mesmo dia 12, os acontecimentos da Quinta da Fonte já tinham ampla cobertura noutros orgãos de comunicação, e que logo na véspera, dia 11, já estes acontecimentos tinham sido notícia. Logo aí tinha começado a explicação sociológica dos mesmos: «na Quinta da Fonte os habitantes têm “carências sociais e económicas”, estando muitos dos moradores no desemprego ou a receber o Rendimento Social Garantido.» – declarou o presidente da junta de freguesia da Apelação ao “Correio da Manhã”. (Os pobres são de facto umas almas pacientes pois não só raramente se revoltam como ainda têm todos os dias de ouvir a propósito dos mais inqualificáveis comportamentos ou crimes que isso se deve às “carências sociais e económicas” dos seus autores.) Como os acontecimentos seguiram o rumo conhecido, a 13, no PÚBLICO, e a 12 em jornais como o “Diário de Notícias” e o “Correio da Manhã”, caiu por terra a estapafúrdia versão dos moradores que se desforram das suas carências desatando aos tiros entre si.

Mas o que sucedia na Quinta da Fonte não era a história que os jornalistas, particularmente os do PÚBLICO, estavam preparados para contar. Na Quinta da Fonte estava suposto que negros e ciganos se davam muito bem e cruzavam flamenco com kizomba. A existir alguma intolerância ela teria de nascer no meio dos brancos, de preferência entre os taxistas que cabem às mil maravilhas no papel de vilão racista nestas histórias. Na falta dum taxista sempre se arranjaria algum branco que, tendo comprado um andar à antiga cooperativa, temia agora que tão colorida vizinhança lhes desvalorizasse o investimento.

A realidade trocou as voltas aos jornalistas. E estes ficaram sem palavras para contar a história, tanto mais que havia que escrever ciganos e pretos, termos que, por escrito, só podem existir para falar de festas, casamentos, tradições, ONG’s e denúncias do racismo praticado pelos brancos. E contudo estas páginas em que os jornalistas quase pedem “Por favor, não me contes a tua história” são tão eloquentes quanto aquelas onde se alinham as mais fantásticas reportagens. Não faço ideia se a cobertura dos acontecimentos da Quinta da Fonte, particularmente o atraso do PÚBLICO na cobertura dos acontecimentos, serão mais tarde objecto de estudo. Mas deveriam sê-lo. Tal como o deveria ser tudo o que não escrevemos sobre a partida dos portugueses de África.

Entre Agosto de 1974 e o início de 1975 os portugueses em fuga de África mal se vêem nas páginas dos jornais. É claro que se fala deles mas com o incómodo e os rodeios de quem tem de dar uma má notícia no meio duma festa. Esta é a fase em que os fugitivos são necessariamente brancos pois assim facilmente se integram no estereótipo que deles traçam homens como Rosa Coutinho que os classifica como “elementos menos evoluídos que têm medo de perder as suas regalias” ou Vítor Crespo que os define como “pessoas racistas que não abdicam dos seus privilégios”.

Os jornalistas portugueses usam então tranquilamente expressões como “brancos ressentidos”, “brancos em pânico” ou pessoas que “reivindicam um desejo de viver num mundo que já acabou” para referir a maior fuga de portugueses nos seus muitos séculos de História. Os primeiros a chegar, logo em Agosto de 1974, ainda tiveram jornalistas à espera. Mas semanas depois, quando a catástrofe se torna não só óbvia como incontornável, as notícias sobre o “regresso dos colonos” quase desaparecem e o que temos cada vez mais são longos artigos sobre a descolonização cheios de declarações de líderes ou candidatos a tal. Jornais como o “Diário de Notícias”, o “Expresso” ou “O Século” enviam repórteres para a Guiné, Angola e Moçambique. Estes relatam com detalhe e parcialidade as lutas pelo poder nos diversos movimentos – sobretudo em Angola . O drama das pessoas parece-lhes uma fatalidade histórica. Fatalidade aliás inscrita no termo por que haveriam de ficar conhecidos: passada a fase caricatural dos “colonos brancos”, ainda se experimentou “deslocados do Ultramar” ou desalojados. Por fim surgiu o salvífico termo “retornado”, pese muitos deles não estarem a retornar a parte alguma porque simplesmente tinham nascido e vivido toda a vida em África. Refugiados, termo usado então e agora com bastante ligeireza, é que eles nunca puderam ser.

No início de 1975 era evidente que a descolonização não ia ser a página gloriosa que os jornalistas tinham sonhado mas daí a dar voz às suas vítimas ia um passo que não conseguiram dar. E por isso os mesmos jornalistas que poucos anos antes tinham denunciado vivamente a expulsão de Portugal do dançarino Béjart eram agora incapazes de criticar a expulsão de Angola e Moçambique de jornalistas estrangeiros. E de que eram acusados esses jornalistas? Fazer notícias fundamentadas em “opiniões particulares”. Ou seja ouvirem as histórias das pessoas e não apenas as versões da História que os dirigentes repetiam.

Não existe uma data precisa para definir o momento em que se tornou patente que os retornados estavam longe de ser todos brancos mas quando a ponte aérea os fez desembarcar às centenas de milhar em Lisboa tornou-se evidente que muitos deles eram negros, mulatos, indianos… com cores e hábitos de vida muito distantes do tal boneco do fazendeiro branco de chicote na mão, a que inicialmente foram reduzidos. Perante o mal-estar que a sua simples existência causava, os fugitivos passaram rapidamente da caricatura ao esquecimento. Foram precisas décadas para que grandes reportagens fossem dedicadas ao turbilhão de factos que fez deles retornados . O problema deles não era não terem uma história para contar. Simplesmente a história, a grande história que eles tinham para contar não era aquela que os jornalistas achavam que deviam levar para as suas redacções. Por favor, não me contes a tua história – é um pedido que nenhum jornalista verbalizará. Mas no silêncio e na falta de nexo de muitos textos é esse pedido que se encontra.

*PÚBLICO 29 de Julho
* Publicado por helenafmatos em 30 Julho, 2008
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terça-feira, 30 de março de 2010

Posfácio ao Portugal, o Ultramar e o futuro por Manuel José Homem de Mello

Estávamos em 1960.
(…) O ciclo colonial percorria os derradeiros passos. Portugal encontrava-se numa encruzilhada decisiva: ou procurava resistir a tudo e a todos no intuito de preservar e manter o Império, inclusivé pela força das armas, ou optava pela via das negociações diplomáticas, sigilosas e transparentes. (…). Poucos seriam os que, naquela altura, ousavam defender uma solução negociada designadamente no seio dos comandos militares que, surpreendentemente, encontraram no ministro da Defesa, Júlio Botelho Moniz, o intérprete das mutações políticas que se impunha levar a cabo.(…)
Sondado pelo ministro e pelo genro Manuel Cotta Dias para assumir os Negócios Estrangeiros, devo confessar que senti, aos 30 e poucos anos, um misto de orgulho e receio. (…)
Reconheça-se, ainda, que a opinião pública portuguesa não estava preparada para a «entrega» das colónias por nossa própria iniciativa. Era quase certa a formação de uma organização de extrema-direita, como aconteceu em França com a OAS.
(…) Inviabilizada a tentativa de golpe de Estado, o chefe do executivo português recusou seguir o exemplo do General De Gaulle não aceitando renunciar ao princípio da Argélia Francesa. Também deste lado da fronteira, se gritava “Angola é nossa”. E era. Mas por pouco tempo mais (…).
Em 1954, Portugal perdia os primeiros territórios ultramarinos, Dadrá e Nagar-Aveli. Embora só em 61, antes da invasão de Goa, é que a Índia considerou como concluída a anexação (…).
O malogro do golpe de Botelho Moniz precipitou os acontecimentos embora a agonia do colonialismo português fosse prolongar-se por mais 13 anos. Acabaríamos por regressar ao rectângulo Europeu da pior maneira, sem rei nem roque, como autênticos cavaleiros de triste figura, quando possuíamos todas as condições para continuar - sem sair. (…). Daí à independência seria um ápice. (…) Salazar optou pela guerra para preservar o Império. Perdeu a guerra e Portugal ficou sem as colónias. (…)
Como foi possível que alguém tão inexperiente como eu tivesse visto o que um homem com inteligência, a perspicácia, a ponderação e os acontecimentos do então Presidente do Conselho, se revelou incapaz de prever? Só encontro duas respostas alternativas possíveis:
- Ou o Dr. Salazar, a partir, sobretudo, da perda de Goa, tinha deixado de estar precocemente na plena posse das suas excepcionais qualidades intelectuais e anímicas (…)
- Ou então optou por jogar Portugal na “roleta da sorte”, preferindo continuar no poder, apesar de não ter ilusões quanto ao epílogo da tempestade que se acumulava no horizonte, nem sobre as trágicas consequências dela resultantes (…)
A irreprimível vocação para a independência, pelos territórios por nós descobertos (…), manifestou-se muito antes da febre colonialista que viria apossar-se do Estado Novo três séculos mais tarde para acabar por aderir ao integracionismo que viria a ser oficialmente adoptado pelo regime então vigente, através do célebre grito lançado pelo Presidente Carmona ao chegar a Moçambique: AQUI É PORTUGAL!. E sê-lo-ia, se dependesse apenas da vontade de alguns.
Na verdade, andámos em sentido contrário ao da História: Colonialistas quando não o deveríamos ser; imperialistas quando o colonialismo se definhava rápida e inexoravelmente.
Não se trata de uma simples teimosia ou casmurrice. Continuo a pensar que o nosso caminho não deveria ser o da persistência na colonização mas liderar precisamente o oposto ou seja proporcionar e até mesmo incentivar a descolonização. Se já em 1500 fôramos capazes de proporcionar novos mundos ao mundo no século XX bem poderíamos, e deveríamos, ter seguido idêntico caminho procurando forjar (…) novos “brasis”.
Pois não é verdade que o sucesso de qualquer política se mede pelos resultados alcançados?
O que se afigura extraordinário é encontrar ainda bastante gente - não muita mas mesmo assim gente de qualidade e em número suficiente para nos perturbar – gente que continua convencida ou dizer-se convencida que a nossa missão era a da defesa da integridade territorial portuguesa do Minho a Timor (…)
Todos sabemos que errar é humano. E humano também é reconhecer que se errou, como aconteceu por exemplo, com Robert Macnamara considerado um dos homens mais inteligentes da sua geração, Ministro da Defesa da administração Kennedy que veio a terreiro confessar que se enganara ao articular e dirigir a invasão norte-americana no Vietname, intervenção essa que acabou por confessar ter sido um erro descomunal.
Quem entre nós teve a coragem de semelhante atitude? Ao que saiba até agora – ninguém (…)
Um erro pode ser pior do que um crime. Ao mandar assassinar o Duque de Enghein, Bonaparte teria cometido um erro que Talleyrand não teve dúvida em considerar mais grave que um crime.
Pois em termos políticos apetece entrar no portal da História à ilharga do príncipe de Perigord, reconhecendo e catalogando o ocaso do Império, de mãos dadas com a catástrofe de Álcacer-Quibir, como um dos mais trágicos, dolorosos, erráticos e irresponsáveis episódios do historial português.
Dá ideia de que nos consideramos tocados pela varinha mágica da infabilidade (…) mas enquanto os demais reconhecem os erros que cometem, nós nunca erramos, temos sempre razão.
Primeiros a chegar bem poderíamos não ter sido os últimos a partir. E sobretudo a partir como partimos, salpicando de opróbrio a memória daqueles que honraram a nossa Pátria morrendo por ela, glorificando Portugal (…)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Petições nº 301/VI e nº 20/IX sobre o processo de indemnização aos espoliados do Ultramar

Petições nº 301/VI e nº 20/IX sobre o processo de indemnização aos espoliados do Ultramar
Intervenção de Luísa Mesquita
Sexta, 25 Junho 2004

Senhor Presidente Senhoras Deputadas e Senhores Deputados

O objecto das petições que hoje apreciamos é similar.

Pretendem os peticionantes que seja revogado o artigo 40º da Lei nº 80/77 de 26 de Outubro, substituindo o seu conteúdo por outro que reconheça o direito dos ex-residentes nas ex-colónias portuguesas a indemnizações pela perda de bens.

Afinal, matéria substantiva idêntica à presente nos dois projectos de lei apresentados pelo CDS-PP em Janeiro de 2000 e em Outubro de 2001, quando eram oposição e agora esquecida porque são Governo.

Afirmá-mo-lo em ambos os debates, em intervenções do meu camarada João Amaral que,

“uma das piores coisas que se pode fazer em política e às pessoas que se sintam injustiçadas é prometer-lhes o que, à partida, quem prometesabe perfeitamente que não pode cumprir! Isto é manipulação de sentimentos para efeitos meramente partidários! Esta é uma atitude intolerável na vida democrática!”

Não foi preciso muito tempo para confirmar esta tese.

Hoje, o outrora Sr. Deputado Paulo Portas, é Ministro do Governo da coligação, e, em dois anos não quis, porque sabe que não pode, resolver as indemnizações relativas aos bens expropriados e ou nacionalizados por Estados soberanos.

Afinal não quis porque sabe que não pode rectificar o que em 2000 considerava ser, e passo a citar, “o cinismo político e jurídico do Estado português face a centenas de milhar de cidadãos”.

E acrescentava ainda que o projecto do CDS/PP era “uma convocação à decência”.

O silogismo é simples. Se o Governo que conta com o CDS/PP não foi capaz de concretizar essa convocatória, naturalmente que lhe falta a tal decência ou então limitou-se em 2000 e em 2001 a exercitar o populismo e a prometer o que sabia, a priori, não poder cumprir.

Todos sabemos que o drama colonial teve causas e consequências.

Não é sério, consideramos, hiperbolizar ou mesmo diabolizar as consequências e branquear as causas.

Foi dramático o regresso de cerca de meio milhão de portugueses mas o país soube ser solidário e inserir, com dificuldades é certo, todos aqueles que voltaram.

Um país que se construía e reconhecia nesse processo histórico, acolhia com sucesso, no seu quotidiano, todos esses milhares de portugueses.

Senhor Presidente Senhoras Deputadas e Senhores Deputados

Os direitos de indemnização que se enunciam nas petições relativos a bens que os portugueses possuíam nas diferentes ex-colónias portuguesas e que foram posteriormente expropriados ou nacionalizados teriam que ser formulados contra os novos Estados africanos e não contra o Estado português.

De facto o artigo 40º é claro e, na nossa opinião, não pode deixar de ser assim.

A haver direitos de indemnização a reclamar, relativamente aos bens sitos em território de ex-colónias terão que ser “segundo a lei do Estado da localização dos bens (e a pagar) pelo Estado que procedeu à respectiva nacionalização, expropriação ou privação da posse ou fruição”.

Afirmá-mo-lo em 2000 e 2001 e repetimo-lo hoje, que se há outras questões, como a contagem do tempo de serviço ou a devolução de bens ainda em instituições portuguesas, estas sim da responsabilidade do Estado Português, podem e devem ser resolvidas.

Agora criar expectativas, ilusões e instrumentalizar sentimentos é perigoso e intolerável em democracia.

A carta endereçada ao Sr. Presidente da Assembleia da República pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares relativa à discussão de hoje evidencia que se pretende continuar o faz-de-conta de 2000 e 2001.

Uma das duas petições entrou nesta casa em 1994, em plena governação da AD, sem obter nenhuma solução; o partido autor dos dois projectos de lei está no Governo há dois anos e nada fez para responder, como havia prometido, em programa eleitoral e em programa do governo, a estas questões. Ontem, na véspera desta discussão, o governo corre a informar a Assembleia da República que e passo a citar “tomou recentemente a decisão (…) de criar um Grupo de Trabalho Interministerial incumbido de estudar (…) as questões (…) incluindo o prévio levantamento e triagem das situações potencialmente susceptíveis de resolução”.

Justifica-se perguntar se as iniciativas apresentadas, duas vezes, pelo CDS-PP são tão pouco válidas, tão inconsistentes, tão demagógicas que só podem ser ignoradas.

Senhor Presidente Senhoras Deputadas e Senhores Deputados

Continuaremos disponíveis para resolver os problemas e as preocupações que nesta área competem ao Estado Português.

Continuaremos disponíveis para reforçar as relações entre Portugal e os Estados soberanos que resultaram da Revolução de Abril.

Mas estaremos firmemente indisponíveis para avaliar as relações entre Portugal e os Países de Língua Oficial Portuguesa como colonizadores ofendidos.

http://www.pcp.pt/index.php?Itemid=196&id=3868&option=com_content&task=view

Política das indemnizações de outros países em relação aos seus espoliados do Ultramar

DR. A. M. COSTA BORGES

Coube-me na última das intervenções programadas deste Congresso falar de política de indemnização de espoliados do Ultramar assumida pelos restantes países europeus.

Com efeito ficaria incompleto todo o trabalho dos demais ilustres intervenientes que me antecederam se não houvesse a preocupação de enquadrar o drama dos nossos espoliados do Ultramar no âmbito mais geral e que tem sido o do refluxo dos europeus aos seus países de origem em virtude das novas condições de vida internacional.

O último fenómeno da descolonização foi europeu e em todos os casos se verificaram situações de espoliados e de confisco de bens de europeus que à sombra da soberania do Estado descolonizador se tinham decidido a radicarem-se em territórios coloniais.

Podem citar-se como exemplos de descolonização particularmente dolorosos o da hoje Indonésia pêlos holandeses, do Kenya pelos ingleses, da Somália ou da Eritreia pêlos italianos.

As potências colonizadoras, em todos estes casos, e particularmente nas situações de mais acentuada emergência, sempre manifestaram o intento de indemnizar, na medida do possível, os respectivos cidadãos pêlos prejuízos sofridos num processo em que, de qualquer forma, os respectivos Estados tinham detido a autoria e daí a respectiva responsabilização.

E tudo isto decorreu à luz de um principio que é hoje dominante no Direito Internacional e ao abrigo do qual cabe ao Estado Descolonizador a responsabilidade de indemnizar os seus cidadãos pêlos prejuízos sofridos com a descolonização.

Há muito tempo já que se encontrava postergado o velho princípio romanístico da irresponsabilização do Estado.

Compreende-se bem que assim seja não só porque o Estado tem vindo a desempenhar um papel sempre mais vasto no campo económico, no social e no humanitário, mas principalmente porque o Estado Moderno também obedece ao princípio da legalidade.

A esta luz compreende-se e aplaude-se a política seguida pela Grã-Bretanha que no momento do regresso dos seus nacionais procedeu a uma indemnização completa pela totalidade dos prejuízos sofridos, isto é 100% dos respectivos valores e mais 25% como compensação complementar.

Também a Alemanha Federal enveredou pela indemnização dos seus cidadãos espoliados em países do terceiro mundo, tendo tido o cuidado de lhes dispensar o mesmo tratamento que o tido para com milhões de alemães refugiados dos territórios de Leste. E foi assim que doze milhões de alemães se integraram de imediato e vantajosamente no que é hoje um dos países mais ricos da Europa.

Claro que não encontramos associações de defesa dos interesses dos espoliados ingleses ou alemães, e não encontramos pela simples razão de que foram justa e devidamente indemnizados.

A generalidade das outras nações europeias não seguiu esta política e em todas elas surgiram associações de espoliados que tiveram que travar uma longa e árdua batalha para que os respectivos Estados viessem a adoptar uma política de indemnizações.

A Holanda foi, deste grupo de nações europeias, a que procurou, com maior rapidez, adoptar uma política similar à inglesa e hoje também, salvo um caso ou outro muito especial, já indemnizou os seus espoliados.

A Bélgica tem procurado indemnizar os seus espoliados e com esse objectivo teve o cuidado de firmar um acordo com o Zaire que se traduziu na criação do “Fonds Belgo-Congolais d'Amortissement e Gestion”.

Para além desta realidade refira-se que logo pela LEI de 14 de Abril de 1965, se procurava organizar a intervenção financeira do Estado a fim de ressarcir os prejuízos causados aos bens dos cidadãos belgas no Zaire, preocupação que mereceu a nível jurisprudêncial o ARESTO de 13 de Julho de 1965, interpretativo, mas amplamente interpretativo, do normativo citado e a LEI de 5 de Janeiro de 1977, actualizou não só aquela lei como a demais legislação anterior que por muito fragmentária não se invoca aqui.

A Itália tem feito justiça à imagem de grande e civilizada nação que todos dela temos e por consequência já iniciou, e há muito tempo, a política de indemnização dos seus cidadãos espoliados no Ultramar.

O DECRETO-LEI N.º 622 de 28 de Agosto de 1970, bem como a LEI N.º 744 de 19 de Outubro do mesmo ano e ainda a LEI N.º 16 de 26 de Janeiro de 1980 constituíram a moldura legal onde se inseriu a já famosa LEI N.º 135 de 5 de Abril de 1985, ou lei de Bettino Craxi e pela qual se tornaram a avaliar 60 rnil processos de italianos espoliados em 27 países estrangeiros, aí compreendidos Angola e Moçambique, concedendo a cada espoliado o pagamento imediato de indemnizações até 20 milhões de liras (1.900 contos) e para outras indemnizações (sem qualquer limite) o pagamento de 50% em dinheiro e 50% em títulos do tesouro com o juro de 12% livres de impostos ou outros ónus e encargos e pagáveis semestralmente.

Os italianos que connosco viveram em Angola e Moçambique já receberam ou estão a receber indemnizações pelo valor dos bens aí perdidos mas com um coeficiente de revalorização e que é correspondente à época da perca dos mesmos e isto diz tudo quanto à iniquidade e flagrante injustiça de que nós somos vítimas.

A França, chamada por alguém a própria pátria da cultura e coração da Europa, não podia ficar alheia ao sofrimento dos seus filhos.

A LEI N.º 61-1439 de 26 de Dezembro de 1961.

A LEI N.º 69-992 de 6 de Novembro de 1969.

A LEI N.º 70-623 de 15 de Julho de 1970.

O DECRETO-LEI N.º 77-1010 de 7 de Setembro de 1977.

A LEI N.º 78-1 de 2 de Janeiro de 1978, e

O DECRETO N.º 78-231 de 2 de Março do mesmo ano são prova do cuidado e da preocupação do Estado e dos seus governos em resolver os problemas de que os seus espoliados foram vitimas inocentes.

Apesar das indemnizações entretanto atribuídas e que para maioria dos espoliados representava 30% dos bens perdidos, a França não se podia encontrar satisfeita consigo própria e pela LEI N.º 87-549 de 16 de Julho de 1987 seguida pela LEI N.º 87-900 de 9 de Novembro do mesmo ano e da CIRCULAR de 26 de Janeiro de 1988, vem proporcionar aos espoliados franceses um complemento da indemnização.

A Grécia e a Suíça também se encontram empenhadas em indemnizar os seus nacionais.

Não se pode aceitar que neste caso a singularidade do comportamento que o Estado Português tem vindo a assumir através dos seus sucessivos governos porque é injusto e até prejudicial.

Já o referimos mas não é demais repetir de que a assumpção pelo Estado Português da política de indemnização dos seus espoliados no Ultramar é, antes de qualquer outra consideração, uma política da mais elementar justiça visto que é ao Estado Descolonizador, e só a ele, que cabe a responsabilidade indemnizatória porque se quis a descolonização terá também que arcar com as suas consequências “UBI COMMODA, IBI INCOMMODA”.

E não é fatal nem é desejável que essa política implique num maior sacrificio da economia portuguesa.

É desejável à semelhança do que fez a Itália, o recurso judicioso à entidade creditícia europeia, o BEI ou a possíveis organismos comunitários ou ainda e com o recurso das mesmas entidades constituir-se um Fundo Europeu ou Nacional para a indemnização dos espoliados como já propôs o Presidente Lanaspre.

Assim se permitiria a consolidação da débil estrutura financeira portuguesa e se reforçaria acentuadamente a malha empresarial porque se propiciaria o recurso pleno de um incontável número de portugueses agora sub-aproveitados mas com provas já dadas na construção económica de outros países que por sua causa falam português. E é preciso andar depressa porque 1992 é já amanhã.

Indemnize-se, destarte, já, os espoliados porque todos nós, o país e a comunidade têm que vencer mais este desafio.


FONTE

Espoliados do Ultramar acusam: «Os políticos andam a trair-nos desde 1975»




Cerca de um milhão de espoliados das ex-colónias continua a aguardar pelas indemnizações dos bens perdidos no regresso a Portugal. Estima-se que a quantia ascenda a mais de um bilião de contos.

Passadas três décadas nada foi resolvido. Cansados de promessas, os dirigentes da AEANG e AEMO dizem que a «Justiça não pode morrer solteira» e ameaçam fazer-se ouvir durante a presidência portuguesa da União Europeia 
 
Sem valores concretos, a quantia avançada em 1976 estima que os espoliados foram prejudicados em mais de um bilião de contos 

Isabel Guerreiro
     CORRIA o dia 13 de Maio de 75, quando o primeiro avião especialmente fretado pelo Governo português chegava a Lisboa. Milhares de portugueses saíam dos territórios africanos em véspera de independência, varridos pela insegurança e incerteza quanto ao futuro. Foi há 32 anos...
  Hoje, fartos de promessas relativamente às garantias dos sucessivos Governos para ressarcir os milhares de lesados, que se viram desapossados dos seus bens, os espoliados dizem basta! E não excluem a hipótese de virem para a rua, durante a presidência portuguesa da União Europeia, para se fazerem ouvir.
  Lucas Martins, presidente da Associação dos Espoliados de Angola (AEANG) assegura que além das várias dezenas de processos em tribunal, tudo continua na mesma como há 32 anos.
  «Continuamos a reivindicaras indemnizações a que temos direito porque acabámos por perder de forma inqualificável tudo aquilo que deixámos em Angola», lamenta. 
  Promessas e promessas... 
  Lucas Martins diz que está a esgotar-se a paciência. «Desde que viemos do Ultramar foram feitas tantas promessas mas a verdade é que os anos foram passando e nada foi resolvido».
  A história teve vários episódios. E o presidente da AEANG recorda alguns: O CDS ainda levou dois projectos de lei à Assembleia da República, que foram aprovados pelo PSD, mas posteriormente foram chumbados. Durante o tempo de Cavaco Silva foi criado o Gabinete de Apoio aos Espoliados que esteve em
funcionamento cinco anos. «Assistimos a mais promessas e reuniões, sempre na expectativa», conta. O gabinete acabaria por ser extinto.
Em 2005, o Governo de Santana Lopes, através do despacho 107/2005 de Fevereiro, publicado em Diário da República, assegurou que iria ser criada uma comissão constituída por membros do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), Segurança Social (SS),e Finanças, destinada a avaliar a situação dos
espoliados. Entretanto, o Governo caiu e o PS ganhou as eleições.
  Neste momento, Lucas Martins garante que tem havido troca de correspondência e vários contactos. «O Executivo de Sócrates assumiu que iria dar continuidade ao despacho de 2005 mas a verdade é que passaram dois anos e nada foi constituído», avança.
  Para grande angústia dos espoliados, o grande problema é que muitos dos cidadãos que estiveram nas ex-colónias vão morrendo, e a maioria tem mais de 70 anos. «Continuamos com diversos processos em tribunal, acontece que são todos de difícil resolução por que muitos dos espoliados têm morrido e são os filhos que têm de apresentar a habilitação de herdeiros. Isto tem atrasado muito o processo», acrescenta.
    «Não aceitamos ser gozados» 
Além dos cerca de dois mil processos judiciais, o presidente da AEANG diz que se «trata mais de uma questão política que judicial, e nunca ninguém recebeu um tostão».
  Ao todo é reclamado pelos espoliados mais de um bilião de contos. Mas estes valores reportam-se a 1976. A avaliação dos bens foi elaborada pelo próprio Governo português através do gabinete do Secretário de Estado dos Retornados, da altura, que pediu às pessoas que vieram do Ultramar para entregarem uma relação dos bens que deixaram para trás.
  O inventário divide-se por várias áreas: agricultura, pecuária, pescas, silvicultura, construção civil, indústria transformadora, actividade comercial, ou indústria extractiva. Tudo somado atinge cerca de 1 bilião e 168 milhões de contos.
Ao descontar-se a rubrica das indústrias extractivas, a quantia fica entre os 600 a 700 milhões de contos.
  «O nosso mal é não andarmos em manifestações de rua e termos tido um comportamento exemplar, usando da máxima transparência, honestidade, correcção e civismo, o que por vezes quase se confunde com subserviência», reconhece Lucas Martins.
  Acrescenta ainda: «Temos direito à indemnização por aquilo que nos roubaram e disso não abdicamos nem aceitamos continuar a ser autenticamente "gozados"nem estamos dispostos a suportar por mais tempo essa situação. A idade já não nos permite esperar mais e aceitarmos morrer como incapazes e covardes é aquilo que não devemos deixar que aconteça».
  Lucas Martins termina ao afirmar que a «descolonização tal como foi desenvolvida tratou-se de uma traição com o objectivo de entregar os ex-territórios à Rússia, e desde 1975que continuamos a sentir-nos traídos». 
    «Ausência de vontade política» 
  Vasco Rodrigues, presidente da Associação dos Espoliados de Moçambique (AEMO), também critica Portugal e o Estado português, por não «terem assumido as suas responsabilidades em matéria de indemnizações devidas aos seus espoliados, como resultado de uma descolonização muito aquém daquilo que poderia ter sido»
  «Tem reinado a ausência de vontade política para resolver o problema», reconhece ao sublinhar que perante a «magnitude da situação» não é significativo saber qual é o valor total das indemnizações. «Antes de mais deverá tentar fazer-se um trabalho de aproximação honesto e exaustivo, no sentido de apurar a os dados, baseados nos testemunhos oficiais que estão depositados no IPAD». Explica que dezenas de milhares dos registos já estão micro-filmados e «o trabalho poderia ser feito no espaço de dias».
     Vasco Rodrigues afirma ainda não ter garantias de que o «Governo em funções irá resolver o problema, que tem tido a maior aceitação por parte de alguns deputados mais jovens do Parlamento».
  «A Justiça não deve nunca morrer solteira e ao fim de mais de 30 anos algumas acções têm sido meramente paliativas, por isso afirmo que temo-nos sentido traídos sem dúvida nenhuma» termina Vasco Rodrigues ao acrescentar: « O Estado português tem uma dívida para connosco e nós teremos de a ver resolvida».
  Recorde-se que a AEMO tem como objecto não só resolver o problema dos espoliados mas também estimular as relações entre Portugal e Moçambique.
  O DIABO contactou os vários ministérios envolvidos e foi dada a garantia de que a «questão está a ser analisada no seio do Governo e, muito em breve, haverá desenvolvimentos». 
 
    Lucas Martins e Vasco Rodrigues “não aceitam morrer como incapazes e covardes”  
    O que foi prometido e não cumprido... 
  No despacho conjunto n°107/2005, publicado em Diário da República, a 3 de Fevereiro de 2005, assinado pelos ministros das Finanças (Bagão Félix), MNE (António Monteiro) e Segurança Social (Fernando Negrão) propunha-se a criação de um grupo de trabalho de âmbito governamental para tratar da questão
das indemnizações devidas aos espoliados das ex-colónias destinado a «tentar reparar, tanto quanto possível, injustiças que foram consumadas».
  «Não obstante terem decorrido trinta anos sobre a independência dos ex-territórios ultramarinos os sucessivos Governos não conseguiram ainda dar uma resposta suficiente aos problemas e injustiças que afectam um significativo número de portugueses que se viram forçados a regressar a Portugal durante e por causa do processo da descolonização. É certo que o Estado português tem feito algumas tentativas conducentes à avaliação e resolução desta situação de que se destaca a criação em 92 do gabinete de Apoio aos Espoliados aprovado pela resolução de Conselho de Ministro de 13/92 de 16 de Maio.
Porém esse gabinete constituído para exercer funções durante cinco anos foi extinto em 97, o que causou um grave prejuízo aos espoliados principalmente devido ao facto de não se ter esgotado nesse período o cumprimento da missão que lhe havido sido confiada na identificação e triagem das situações que lhe eram apresentadas. (.. ) Assim os ministros (...) determinam: 1) criar um grupo de trabalho que tem por objectivo estudar e propor soluções para as questões pendentes relativas aos cidadãos portugueses residentes nos antigos territórios ultramarinos, no período compreendido entre 25 Abril de 74 e a data da transferência plena de soberania para os novos governos dos Estados sucessores, cujo direitos ou interesses legítimos tenham sido directamente afectados pelos processos de descolonização (...)»
 
In O DIABO – 08.05.2007

Os retornados mudaram Portugal por Fernando Dacosta


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Os retornados mudaram Portugal
Fernando Dacosta

 

Ninguém sabe ao certo quantos são. Alguns referem oitocentos mil, outros um milhão e meio. Vieram por barcos e por aviões, golfados em caudais intermináveis de desespero e desamparo. Imobilizaram-se ao frio, ao pudor, ao cansaço. O eco do seu êxodo, sem bíblia nem Israel, condoeu então o mundo. O velho império português retomava cabisbaixo, naufragado, às praias de onde, cinco séculos atrás, partira para  uma epopeia de façanhas imorredoiras.

Refeitos os bocados de cada um, ergueram-se e atiraram-se em frente. Chegaram, em pequenos
grupos, a todo o país; e em pequenas ocupações, a todos os sectores. Como novos bandeirantes, colonos uma vez mais, foram para o interior carregando cóleras e pânicos, vinganças e ousadias.
A sua raiva foi a sua força; a anti-fé fê-los mover montanhas, dominar medos, vencer a loucura e o
desamor. E dar provas espantosas de coragem, de persistência, de engenho de invenção. Com ajudas de instituições, de subsídios, de empréstimos, de amigos, começaram a fixar-se e a transformar os locais onde se detiveram.

CONTINUA...

RETORNADOS ESPOLIADOS DO ULTRAMAR PORTUGUES

http://www.oliveirasalazar.org/download/galeria/pdfWEB-Um%20Milh%C3%A3o%20de%20Refugiados%20do%20Ultramar___E761A24D-0890-4CB8-8B9D-9C76255F2AD7.JPG

ALGUMAS NOTAS DO AUTOR EM APRECIAÇÃO AOS FACTOS JÁ DESCRITOS :

-- Os primeiros ex-residentes ultramarinos chegaram a PORTUGAL em JUNHO de 1974, na maioria provenientes da GUINÉ e de MOÇAMBIQUE.
Para os acolher e na expectativa de que chegassem muitos outros foi então criado o "GRUPO DE APOIO AOS DESALOJADOS DO ULTRAMAR" (GADU).

-- 1975 - MARÇO - 31 - O Decreto-Lei nº 169/75 cria o "INSTITUTO DE APOIO AO RETORNO DE NACIONAIS" (IARN).
-- 1975 - JUNHO - ?- O IARN inicia a evacuação de desalojados ultramarinos com destino a PORTUGAL, tendo sido instalada uma "PONTE AÉREA", com base nas cidades de LOURENÇO MARQUES,LUANDA E NOVA LISBOA (esta de início apenas servindo de ligação para LUANDA, com acentuada colaboração de MOÇAMBIQUE.

-- 1975 - OUTUBRO - - Foi criada a SECRETARIA DE ESTADO DOS RETORNADOS, funcionando anexa ao "MINISTÉRIO DOS ASSUNTOS SOCIAIS", servindo de tutela do IARN.

-- 1976 - ABRIL - Numa Ponte Aérea ("reduzida")chegaram a LISBOA mais 11.000 pessoas de ANGOLA e 30.194 de MOÇAMBIQUE.
-- 1976 - AGOSTO - Desde JANEIRO de 1975 foram pagos 887.116 contos de Subsídios de Emergência.
-- 1976 - SETEMBRO - 10 - Extinsão da "SECRETARIA DE ESTADO DOS RETORNADOS", substituída pelo "COMISSARIADO PARA DESALOJADOS", sob responsabilidade do Tenente-coronel GONÇALVES RIBEIRO, com comissões regionais, distritais e municipais.
-- 1976 - NOVEMBRO - Desde JUNHO de 1975 o "IARN movimentou" um total de 275.599 pessoas, sendo : - 173.982 pela "PONTE AÉREA" , utilizando 905 voos entre NOVA LISBOA / LUANDA e PORTUGAL (LISBOA e outros aeroportos nacionais).
Também chegaram a PORTUGAL mais 101.617 indivíduos sem utilização desses voos do IARN, talvez por antecipação ou receio das demoras então verificadas.

-- 1976 - DEZEMBRO - Existiam em PORTUGAL 1.457 locais (e postos) com ex-residentes ultramarinos onde estavam instaladas 71.568 pessoas subsidiadas pelo IARN, sendo cerca de 50% na área de LISBOA. Existiam 4.000 pedidos para Habitação cujas respostas foram quase nulas !
Entretanto, face as imensas carências (e resistências) nacionais ou locais, emigraram 12.642 pessoas, sendo 94,2 % para o BRASIL !...
-- É de salientar ainda que, dos muitos milhares de automóveis existentes em ANGOLA, apenas chegaram a PORTUGAL 22.774 viaturas ! Muitas delas "passaram para as mãos de novos proprietários" ou foram simplesmente abandonadas, até porque eram imensas as dificuldades do seu embarque,não obstante as promessas e compromissos que os políticos e governantes portugueses tinham assumido !...

-- Um Recenseamento à responsabilidade do COMISSARIADO, abrangendo cerca de 500.000 ex-residentes ultramarinos, constatou a existência de 71.568 funcionários públicos e de mais de 110 mil desempregados (estavam registados 120.733 processo de desemprego). Foi atribuído um total de 3.209.540 contos de subsídios de desemprego e 348.257 contos de abonos de família.

-- 1979 - Extinsão do COMISSARIADO PARA DOS DESALOJADOS.
..............................................

--- OBS. : -- Estas informações basearam-se ainda em elementos extraídos do "Sítio" (com acesso directo ao seu conteúdo em) :
espoliadosultramar.com/ip9 ---
donde se podem obter diversas e valiosas informações muito mais completas, como por exemplo estas oportunas e interessantes transcrições que, de momento, tomamos a liberdade de efectuar :

--- ..."BOAS VINDAS : - Se nos visita como espoliado do ex-Ultramar,seu familiar,herdeiro, amigo de alguém espoliado com o simples e louvável desejo de conhecer como decorreu o abandono do Ultramar, chamado de "descolonização", com o sacrifício de centenas de milhar de seus compatriotas, aqui lhe expressamos as mais cordiais saudações, solicitando a sua valiosa e activa ajuda para uma maior divulgação deste site . Bem haja!"...
-- (em :"A IMPRENSA E OS ESPOLIADOS DO ULTRAMAR", de ANGELO SOARES!) --


--- ... "É justo endereçar aos desalojados o êxito da integração. Perante a adversidade, agiram com determinação, como já tinham demonstrado em África; mostraram competência, melhoraram todos os sectores no País como alavanca de progresso e substituíram o estigma de retornado, que quizeram colar-lhe em título de que muito se orgulham"...
--- (proferida pelo Sr.Dr. J.M.MARQUES LEANDRO, ex-Secretário de Estado de Administração Local) --


--- ..."Neste contexto, o Estado descolonizador, ou seja, o Português, tem a obrigação de indemnizar os espoliados de África, uma vez que a mudança do Poder político, de que foi um dos interventores, foi a causa dos danos materiais verificados"...
-- ( de : MÁRIO SILVEIRA DA COSTA, em Jornal "Correio da Manhã", de 08/05/96) --
 



DO BLOG DE ROBERTO CORREA

AMIGOS RETORNADOS

AMIGOS RETORNADOS ----- Fomos todos,sem distinção de raças, "apelidados" por esta designação (muito embora uma grande parte tenha chegado a PORTUGAL pela primeira vez, sem ter antes qualquer ligação ou dependência com o "Continente", por termos sido vítimas da "desgraçada descolonização". Esse "estigma" teve,em muitos casos e durante algum tempo, a intenção de uma acusação pouco agradável ou mesmo de uma ofensa quanto à nossa presença ou acção e à dos nossos antepassados no extinto Ultramar Português! Mas, como sempre, soubemos na maioria dos casos superar as intenções de quem nos pretendia "culpar" ou "ridicularizar" sem ter competência para isso! É bem conhecido e provado o valor e a dimensão da obra que ali foi então realizada e deixada, e em muitos casos, quase totalmente desbaratada ou mesmo aniquilada. Várias tem sido as tentativas de exigir responsabilidades a quem , real e provavelmente as teve, mas quase tudo tem sido abafado ou "metido na gaveta do tempo", considerando-as de menor importância! Ao longo de duas dezenas de anos foram criadas várias Organizações na vã esperança de ultrapassar as dificuldades que foram surgindo; diversos governos e partidos fizeram "promessas eleitoralistas" mas tudo continua por resolver, ao contrário do que aconteceu com alguns outros países europeus ("ex-colonialistas"). O jornal "O LOBITO" (que continua a publicar-se em PORTUGAL) tem sido um dos mais acérrimos defensores de diversas situações a favor dos ex-ultramarinos.Nunca é tarde demais para divulgar esses Factos e de reclamar direitos adquiridos por sucessivas gerações durante os inesquecíveis cinco séculos de muitos sacrifícios, de intoleráveis limitações sofridas,(ou de abusos de ambos os lados) e dos escondidos interesses das grandes Companhias sedeadas no Continente, verdadeiras exploradoras de milhares e milhares de situações! Coligi durante alguns anos e iniciei a publicação em 1998 de uma Cronologia sobre a História de Angola através dos tempos, a partir dos Descobrimentos até à sua Independência (de 1482 a 11-11-1975 - em cinco volumes), a que foi dado o título de "ANGOLA - DATAS E FACTOS". Tive a intenção de mencionar e salientar o que a maioria dos ditos "retornados" e os seus antepassados ali conseguiram criar e desenvolver durante várias gerações, sendo no fim obrigados a tudo abandonarem à sorte e aos caprichos ou às incompetências de novos interessados (nacionais e internacionais) à sombra da bandeira de fins humanitários, não só dos bens materiais como ainda de uma verdadeira obra civilizadora e com a aquisição dos mais altos valores humanos(sociais e religiosos). Não obstante muitas "falhas" (nenhuma sociedade é perfeita), foi ali deixada uma valiosa e indesmentível obra que honra quem nela comparticipou de alma e coração! Pretendemos reforçar a "prova" do quanto os "retornados" foram capazes de alicerçar, o quanto ali perderam, mas agora,porém, o quanto foram capazes d erguer, manter e desenvolver aqui, na sua "antiga ou nova Pátria", merecedores dos maiores apreços e sobretudo da Justiça que tarda mas não pode deixar de ser feita aos seus interventores directos, aos seus legítimos descendentes ou representantes. ........ (continua no próximo número ) ........... .......................................... -- De : Roberto Correia no Jornal "O LOBITO" Nº 174 - 2ª Fase - de FEVEREIRO DE 2004- ========================================================== -------- AMIGOS "RETORNADOS" -- (cont.)------- O tempo não pode apagar ou anular toda essa grandiosa obra nem os seus inquestionáveis direitos. Sei que várias tentativas efectuadas nunca foram devidamente atendidas. O tempo transcorrido não pode legitimar a perda desses Direitos, antes pelo contrário,reforça-os. Assim, amigos "Retornados", não tenhais "vergonha" dessa designação, nem o "receio" de exigir o cumprimento dos nossos direitos e colaborai mais uma vez na sua defesa,facultando-nos os necessários dados (Factos) para uma apreciação conjunta e a competente divulgação pública, tomando por base os seguintes pontos de vista : 1) - Manutenção do seu anonimato se assim o entender ou usando um qualquer nome; 2) - Indicação da data(ou época) e local da sua chegada(ou dos seus ascendentes) ao Ultramar e da sua proveniência; 3) - Actividade profissional exercida e a posição desfrutada; 4) - No caso de Empresas ali constituídas : a sua actividade e dimensão, número de trabalhadores ou colaboradores,suas filiais e localizações; 5) - Resumo dos bens obtidos, edificados ou adquiridos e os seus valores aproximados; 6) - Se já esteve inscrito nalguma Organização para reclamar dos seus direitos ou indemnizações pelos bens deixados no Ultramar ou, se apresentou directamente alguma contestação, deveis reforçar a vossa inscrição ou insistir na pretensão já apresentada; 7) - Nível de habilitações literárias, profissionais ou técnicas ali adquiridas; 8) - Colaboração ou comparticipação exercida em actividades com inte- resse público : sociais, culturais, recreativas ou desportivas; 9) - Data da sua saída do Ultramar e seu destino; constituição do seu agregado familiar nessa altura e o meio de transporte utilizado; 10) - Situação em PORTUGAL ou no estrangeiro quando da sua chegada; tempo durante o qual aguardou ou necessitou para a normalização ou melhoria dessa situação e em que condições, atendendo ao ambiente que o rodeava; 11) - A sua actual situação em relação à que mantinha no Ultramar é, pois, melhor ou aceitável ? Em termos reais, beneficiou ou perdeu com essa mudança ?; 12) - Indicação da sua actual actividade, sua dimensão e localização; no caso de Empresas : qual o seu número de trabalhadores ou colaboradores; 13 ) - Outros Factos que deseje mencionar,mesmo referentes a outras pessoas suas conhecidas. O seu testemunho será atentamente considerado e perservado, constituindo mais uma valiosa colaboração na luta pelos nossos direitos(que muitos pretendem esquecer) e uma inegável prova de quanto fomos capazes de levar a cabo contra todas as resistências dos homens, das suas ambições,políticas ou financeiras! Agradeço desde já a amável e necessária colaboração que possam prestar a bem de todos "Retornados"; se possível divulgue esta mensagem entre os seus familiares e amigos. ........................... - De : ROBERTO CORREIA no Jornal "O LOBITO" - Nº 175 - MARÇO de 2004 -- ========================================================= ..........................................................
--- TRAIDORES, TAMBÉM JÁ TIVEMOS OUTRAS VEZES (II)...--- São passados 30 anos da "Revolução dos Cravos Vermelhos" e, na curta memória de alguns, foram esquecidas muitas das vantagens ou as regalias de que, antes ou depois, também usufruíram. Foram esquecidos por conveniência, pessoal, política ou financeira, os Factos positivos que contribuíram para que os anteriores Feitos Portugueses tivessem brilhado no firmamento europeu e internacional, não obstante tantos outros países, sorrateira e desonestamente, terem manobrado para os derrubar e usurpar, o que aconteceu por diversas vezes. Mas os "Cravos Vermelhos", aparentemente sem espinhos, também murcharam como as "Santas Rosas", não sem terem deixado milhares de incuráveis feridas. Feridas que ainda sangram, feridas que jamais serão curadas! Está assim na hora de recordar esses mártires e deixar de "endeusar" os heróis de pés de barro, alguns (ou mesmo muitos), apenas de oportuna ocasião! Um país que se preze tem de respeitar as verdadeiras vítimas, tem de cumprir as suas obrigações sociais; tem o dever de remediar e compensar financeiramente tantas desgraças e prejuízos que provocou(alguns seculares, como no caso da escravatura)e os que foram também causados a muitos milhares de ingénuas e inocentes vítimas. Vítimas de uma boa Fé, dum Patriotismo que afinal as enganou a troco de "trinta dinheiros"! Revolução que precipitou uma desgraçada, mal estruturada(quase ignorante da verdadeira situação) e tão badalada DESCOLONIZAÇÃO que ocasionou, afinal, muito mais baixas do que as até então verificadas. Mas a História é imperdoável, mesmo para os considerados heróis de momento,e, ironicamente, como se diz na gíria popular, também se repete. Os Tribunais Internacionais, os Tribunais de Consciência não podem ficar eternamente amordaçados pelos poderes oportunistas! Percorrendo alguns momentos da "Velha História", em especial quanto à situação dos Territórios Ultramarinos Portugueses doutros tempos, vamos apreciar apenas alguns (entre muitos) dos seus diversos Factos: ......................................................... 1607 - AGOSTO - O "Conselho das Índias" considera portugueses todos os naturais de GOA, BRASIL e ANGOLA. 1643 - OUTUBRO - 17 - ...O Conselho de Guerra(em ÉVORA) decide..."que se deve acudir a Angola, sem a qual praça se não pode sustendar o Brasil, nem este Reino sem aquele Estado"... 1647 - OUTUBRO - 15 - D.JOÃO IV aceita a proposta holandesa para a entrega do Reino de Angola com o apoio do padre ANTÓNIO VIEIRA, mais interessado em salvar o BRASIL e os interesses da sua Companhia, mas sem o acordo do ministro SOUSA COUTINHO! 1755 - JUNHO - 5 - Alvará Régio autoriza a "Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão" a importação anual de Angola, em exclusivo, dee cem mil escravos, durante 20 anos! 1900 - FEVEREIRO - O deputado FERREIRA DE ALMEIDA, ex-ministro da Marinha e Ultramar, defende a venda das colónias portuguesas(sem ANGOLA e S. TOMÉ) para opagamento da dívida externa! Mas, entretanto, foi nomeado Administrador da Companhia Agrícola do CAZENGO(pertencente ao Banco Nacional Ultramarino! 1963 - ABRIL - 17 - O conceituado Jornal"O NAMIBE" (de MOÇAMEDES) publicava um artigo intitulado "OS ESCRAVOS DO SÉCULO XX" (tal como ainda se verifica hoje!):..." Um aspecto mal conhecido das consequências da descolonização é a emigração dos trabalhadores negros para a Europa"... - ..."Destarte a África "libertada" tornou-se o vasto reservatório de mão-de-obra barata, de que a indústria se aproveita"..."Tem algo de mais pungente do que o "tráfico" esta escravatura do século XX. O escravo,hoje, é voluntário"... - " Este afluxo de mão-de-obra barata serve, igualmente, para travar as reivindicações das massas operárias nacionais"... - "Tais são as condições objectivamente revolucionárias alimentadas pelo neocolonialismo dos "trusts"...Paralelamente como se verá, elas levam as antigas metrópoles a retroceder, a reconsiderar, pois que a este sub-proletariado negro explorado, corresponde a classe privilegiada dos dirigentes das repúblicas folclóricas africanas, criadas pelos "trusts"... Ainda no mesmo Jornal e do jornalista MICHEL LEGRIS, do "LE MONDE", de 21 de Fevereiro de 1963, transcrevemos : ..." Há cerca de dois anos que nova categoria de imigrantes apareceu em França: - os negros de África, vindos à procura de trabalho"... Do "Revolution Africaine", de 9 de Abril de 1963, destacamos :- ..."os outros membros do C.E.E., aguardam o momento de poder também beneficiar desta massa de trabalho, porque o trabalhador africano é dócil e pouco exigente, por via da sua situação miserável"... ......................................................... Eis o "retrato", ao longo de mais de 40 anos(e ainda existente) resultante das precipitadas e mal ponderadas decisões que provocaram trágicas "DESCOLONIZAÇÕES" e em consequência das quais se registaram(e se registam) verdadeiros genocídios, com muitos milhares de vítimas inocentes! Seria bom que alguns "iluminados" pusessem a mão na consciência antes de apregoarem verdadeiros disparates! ...-(Transcrição parcial do artigo enviado,em Abril de 2004, ao Jornal "O LOBITO")- ........................................... 

RETORNADO, VERGONHA DE QUÊ ?

NO JORNAL "O DIA" (1982) : -"RETORNADO,VERGONHA DE QUÊ ?..." -- "A CAIXA RECREATIVA E FAMILIAR DE "OS INSEPARÁVEIS DO LUBANGO" -- "CÔMPUTO FINAL..." -- "DOIS PROBLEMAS GRAVES QUE AFECTAM OS DESALOJADOS" -- "NA MATA DO BUÇACO - V PIQUENIQUE ANUAL DE OS INSEPARÁVEIS DO LUBANGO" -- "CONVÍVIO DE POORTUGUESES MARCADOS PELA TRAGÉDIA EM CONDIÇÕES INFRA HUMANAS" -- OITOCENTOS DESALOJADOS DO ULTRAMAR NO CASTELO DE LEIRIA" -- .............................................................. -- NO JORNAL "O LOBITO" : - "AMIGOS RETORNADOS (I - II)" -- "TRAIDORES, TAMBÉM JÁ TIVEMOS NOUTRAS VEZES" (I - II)-- "ESCLARECIMENTO" (I - II) -- "OS ENCONTROS E DESENCONTROS DAS CALDAS DA RAINHA E OUTROS" (I -II)-- (Reportagens e diversas entrevistas) -- ................................................................... ----- "RETORNADO, VERGONHA DE QUÊ ? " ------ Ao percorrer diversas zonas da região centro e tendo entrado em contacto com bastantes retornados (ou desalojados) das ex-colónias, tive ocasião de apreciar as mais diversas posições e situações. Por vezes constatei, com certa tristeza, que alguns deles parecem sentir-se constrangidos, envergonhados ou até de certo modo ofendidos por serem designados "retornados". Titubeando ou arranjando quaisquer desculpas, procuram furtar-se àquele nome. Alguns alegam desejarem esquecer totalmente o passado, outros pretendem que se extinga a designação de "retornado"; mas, num caso ou noutro nunca deixarão de terem sido retornados, e esse facto não deve servir de fuga ou esconderijo. Outros, por certo indivíduos de inferior preparação ou cultura e por se encontrarem presentemente em situações privilegiadas ou de desafogo financeiro, por vezes muito melhor do que as tidas no ultramar, fingem que nunca foram retornados, talvez por os motivos que lá os levaram e o que por lá praticaram seja realmente preferível esquecer ! Neste caso, com esses nem interessa contar, o melhor será esquecê-los também! Fazem lembrar certos indivíduos que por cá se pavoneiam durante as "vacances" em bons carros de matrículas estrangeiras e pretendem fazerem-se passar por tal,chegando mesmo ao ponto de nem utilizarem a língua pátria a troco de terríveis calinadas e constantes pontapés gramaticais na língua estrangeira. Quando muito, devemos apenas considerar o facto de uns serem efectivamente "retornados" e outros "desalojados", mas no fim quase todos "refugiados", designação esta que os ilustres políticos de então preferiram ocultar e sonegar às vítimas de uma vergonhosa, escandalosa e quase até estúpida descolonização, executada`às pressas e às cegas, sem pés nem cabeça! Vergonha por termos construído países que podiam ser um exemplo para muitos outros ? Vergonha por termos levado uma vida de trabalho, de termos enterrado todas as economias em prédios, fazendas, empreendimentos económicos exemplares ? Vergonha por termos sido corridos de qualquer forma, a maioria com uma mão atrás e outra à frente ? Nada temos de nos envergonhar. Somos sim retornados ou desalojados(refugiados), de cabeça erguida, que nos sujeitámos às piores humilhações e privações e às quais soubemos enfrentar e derrubar, dando um exemplo de como se passa dessas situações para outras bem relevantes. Vergonha na cara deviam ter tido certos governantes e militares que nos traíram e venderam por trinta dinheiros (ou milhões, sabe-se lá!...) e que ainda hoje se pavoneiam em certos cargos, à paisana ou fardados, sem nunca terem sido julgados nem prestado contas do negócio que fizeram entre "whiskies" ao radioso sol do Alvor, ou em escuras negociações clandestinas fora do próprio país! Vergonha haviam de ter quantos nos receberam de nariz torcido, com receio dos lugares ou de compartilhar o naco de broa e a sardinha assada que os alimentou durante dezenas de anos. Muitos deles depressa esqueceram esses pecados e passaram a estender a mão aos empregos e tarefas que os retornados lhes proporcionavam e facultavam nos seus arrojados ou modestos empreendimentos. Vergonha haviam de ter os que depressa iniciaram uma verdadeira exploração, aproveitando a necessidade e a urgência de sobreviver de cada retornado e a que se atiraram como que a um osso, quais abutres vigilantes,beneficiando de regalias e exclusivos à custa das dificuldades que todos tivemos à chegada e nalguns lamentáveis casos com a conivência dos próprios retornados! Servimos de instrumento para salvar muitas empresas da falência a que estavam votadas; fomos bem expremidos nas nossas exíguas economias por muitos oportunistas em garagens, quartos, corredores ou varandas transformadas em habitações e hospedarias muito mal servidas, mas pagas a peso de ouro por nós ou pelo benévolo IARN. Servimos para encher o olho a muito sujeito e sem qualquer consideração ou respeito. Fomos negociados como matéria-prima para outros países(algumas tristes tentativas. como a do Brasil, feita por um ilustre e anafado político,ficaram a nadar em águas turvas); fomos apelidados de exploradores, quando afinal a principal exploração sempre se deu e continou a dar no continente e os verdadeiros e grandes exploradores das potencialidades ultramarinas cá residiam, muitos de braços dados com governantes. Fomos classificados de 2ª categoria e obrigados a consumir durante muitas dezenas de anos as sobras e os refugos das antiquadas e desajustadas explorações agrícolas e industriais do continente, em troca da valiosa matéria-prima que depois de transformada a pagávamos com "gordas" e "brilhantes" divisas! Toleramos e sofremos as sequências das consecutivas e voluntárias comissões de serviço de certos patriotas (às vezes em deleitosas companhias) e que serviam para construir ou comprar "mais um andar" em bairros de certa burguesia. Eis uma parte da factura que sempre fomos obrigados a pagar ! Então porque haverá vergonha de ser apontado como um retornado ?! Por todo o lado temos demonstrado o nosso poder de iniciativa e execução nas mais variadas actividades, muitas das quais bastante diferentes das que eram exercidas no ultramar, com uma espantosa capacidade de adaptação. Vejamos a eficiência , apresentação, o êxito flagrante dos mini ou supermercados, bares, restaurantes, hotéis, comércio, armazéns, bem como das novas e variadíssimas fábricas, das explorações agro-pecuárias e de outros ramos, que hoje se espalham por todo o País e a que os retornados lançaram mão, nalguns casos como último recurso, contribuindo ainda para resolver muitos problemas de desemprego, em flagrante desafio à falta de capacidade das entidades responsáveis. É caso para ter vergonha ?! Não, amigos retornados; pelo contrário, orgulhai-vos e uni-vos para cada vez mais mostrarmos o que merecemos e o que valemos. Somos uma força! Os convívios do Buçaco, de Fátima e alguns outros, já o demonstraram e cada vez mais o demonstrarão. Não se trata de uma questão de marginalização ou de separatismos, como alguns acusam. É um reviver entre amigos, é uma comunhão espiritual que só quem lá andou pode apreciar devidamente. De certo que se deve procurar uma salutar integração geral dos retornados nesta nova sociedade e para a qual eles já muito têm contribuído; mas, integração não quer dizer sujeição, servilismo, nem despersonalização! Não é por esse facto que deixamos de ser quem éramos e, excluíndo alguns tristes casos, de ser a razão para nos envergolharmos de um passado ainda presente; quase todos nós não fizemos mais do que cumprir e fazer cumprir normas ou regulamentos estabelecidos, actualizando-os ou humanizando-os sempre que possível, numa comunidade exemplar e dentro das limitadas possibilidades de que dispunhamos, e por vezes com fraco apoio dos governantes, continentais em especial. Cumpríamos um programa governamental, defeituoso ou não, sem afogar o nosso humanismo e a tradição cristã. Certamente que houve muitos excessos, muitos atropelos,muitos erros, até mesmo certa falta de humanidade nessa geração de que somos responsáveis nas últimas décadas, porque para trás a História é outra e não está dentro da nossa responsabilidade e nem cabe agora no âmbito deste modesto trabalho. Por certo que muitos ter-se-ão desviado do melhor caminho e prejudicado o sacrifício e saber de tantos outros. Mas que sociedade se pode dar ao luxo de afirmar não possuir pervertidos e pecadores ? Em que sociedade não existem diferenças económicas sociais ? Não se erra pelo belo prazer,mas sim em consequência de deficiências estruturais, por defeitos enraízados no espírito humano ao longo dos séculos. Pois amigos retornados, ainda temos uma palavra a dizer neste País e teremos de ser ouvidos. Ainda sangra a ferida aberta pela irresponsável descolonização; os nossos bens lá ficaram na maioria dos casos, sem termos tido direito a qualquer recompensa ou indemnização; os bancos e os organismos estatais ficaram com os nossos depósitos, o escudo, que era português, foi jogado no caixote do lixo da política e negociado por oportunistas em escandalosas trocas e desvalorizações. Tudo isso foi um logro! Ainda há muitos retornados em situações bem precárias; uns pela avançada idade ou falta de saúde, outros por não terem tido capacidade suficiente para reagirem contra o rude golpe; e é, principalmente por esses que erguemos bem alto o nosso brado de união. Há famílias inteiras vivendo ainda em barracas e sem os mínimos recursos, bem ao contrário das situações que antes tinham, como em barracas miseráveis vivem ainda muitos portugueses não retornados. O Tribunal de Haia ainda não deu a última palavra. Muitos são os que ainda desejam regressar à sua terra natal ou à terra onde deram o melhor dos seus anos, onde lhes nasceram filhos e netos e onde ficaram sepultadas algumas gerações. Tudo isso está à espera de resolução. Temos o direito de a exigir! Para isso dizemos "presente". Finalizando, se há quem deva ter vergonha, serão sim os que arquitectaram e precipitaram todas essas desgraças, incluindo as que por lá ocasionaram(e que não foram nada poucas), e não nós, retornados de boa fé, simples marionetes manobradas por mãos ocultas, mas que sempre estivemos e estamos prontos a concretizar neste ora desgraçado País, o sonho grandioso que estava sendo materializado no ultramar português ! Sonho sonhado por grandes homens no passado ! ........................................................ ---- de : Roberto Correia -- em "O DIA" , de 23 de Junho de 1982 - Pgs. I e VIII do Suplemento "ANGOLA"

DO BLOG DE ROBERTO CORREA

domingo, 14 de março de 2010

Os Colonos. Autor António Trabulo

[Antonio-Trabulo_Os-Colonos.JPG]

Para saber mais, clicar aqui: Os Colonos  

Autor António Trabulo

terça-feira, 9 de março de 2010

Retornados


Quando em 1974/75 Portugal começou a "descolonização exemplar" das antigas colónias ultramarinas, os portugueses aí residentes foram obrigados a optar entre a "morte ou a fuga"! Foi assim que muitos vieram parar à "sede da Pátria Lusa", e foram apelidados de "retornados"!
Este termo tinha na altura uma forte carga "discriminatória e humilhante"!
Mas, note-se que este termo foi "arranjado" pelo próprio governo, com a criação do IARN! E se é verdade que muitos desses portugueses retornaram a Portugal, muitos outros não retornaram! Retornar é voltar a..., regressar a,...e esses portugueses que tinham nascido e crescido nas colónias, acabaram por vir parar a Portugal e não retornar!
Vem isto a propósito de ontem ter ido almoçar às Caldas da Rainha, almoço de antigos alunos e professores do Xai-Xai, cidade moçambicana que conheci no ano passado quando visitei aquele país! A minha presença ficou a dever-se ao facto da minha mulher ter estudado naquela terra!
E uma vez mais constatei que aquela gente é muito especial pela positiva!
Como sabem, fiz o serviço militar em Moçambique! Foram 2 anos de contacto com as gentes locais, num convivío quase diário e integrei-me perfeitamente na sociedade local! Conheci muita gente, sabia como viviam, o que tinham, pelo que lutavam, e admiráva-os! Vi-os começar a chegar a Porugal, a grande maioria absolutamente sem nada!!!
Pensem um pouco! Se agora uma qualquer convulsão nos obrigasse a fugir das nossas casas e a deixar tudo para trás, como seria a nossa reacção? E teríamos "força" para recomeçar tudo de novo?
Os "retornados" sofreram privações de toda a espécie!Foram apelidados de quase tudo, "morreram e foram obrigados a ressucitar" e agora "olham para trás com uma paixão pelas suas terras, usos e costumes, que as palavras não conseguem descrever"!
A grande maioria dos retornados "deu a volta por cima" e são hoje fonte produtiva de Portugal! Nos últimos tempos, cerca de 200 mil portugueses foram para Angola! Há já quem defenda a teoria que o futuro de Portugal passa pela emigração para aquele país! Provávelmente, muitos desses portugueses são agora "retornados" naquela terra que ajudam a renascer, ao mesmo tempo que ajudam Portugal, por razões óbvias!
E assim, muitos "retornados", depois de espoliados, ainda vão ajudar Portugal....
Obrigado aos "retornados" pelo que têm feito por este país! Aos meus Amigos Moçambicanos um grande abraço e que continuem a alimentar de forma tão admirável, as saudades pelas suas terras" Hambanine!
posted by Pedro Cabeçadas

O que dizem os retornados

[Retornados4.jpg] 
A descolonização do ex-Ultramar Português aconteceu há mais de 30 anos.
Nunca o Estado Português ressarciu todos os que tiveram que “forçadamente” sair dos territórios ultramarinos do que, com muito suor e sacrifício, deixaram ali construído.
Para não falar daquilo de que Portugal ainda mais se pode orgulhar: a língua portuguesa!
Mas tudo isso foi obra minha, de meus Pais ou Avós, de todos os que desbravaram o mato e fixaram fronteiras.
E qual foi a paga?
- NENHUMA!
Há bens ali situados que já foram indemnizados a cidadãos estrangeiros, pelos respectivos países, que se substituíram a Portugal nessa obrigação.
Por no ex-Ultramar ainda não haver qualquer regime de Segurança Social, serviam esses bens de garantia a uma velhice tranquila. Foi o que se viu e ainda se vê.
Portugal reconhece através do artº 40 da Lei 80/77 “ a existência de direito à indemnização, em conformidade com os princípios gerais de direito, podendo a sua existência ser declarada pelos tribunais portugueses, desde que os respectivos titulares residam em território nacional”.
Mas antes diz que essas indemnizações serão “a pagar pelo estado que procedeu à respectiva nacionalização, expropriação ou privação da posse ou fruição”.
Quer dizer que o Estado Português reconhece o direito à indemnização, mas endossa o seu pagamento para os novos estados. Não descortinamos que isso tenha sido escrito em qualquer dos acordos firmados para as respectivas independências.
Assunto este que afecta milhares de portugueses e seus descendentes e que será apenas de Portugal, nada tendo a haver com os novos estados.
Éramos portugueses e continuamos a ser portugueses. Estávamos em Portugal e continuámos em Portugal.
Pedimos pois que o seu PRÓS E CONTRAS dedique uma emissão a este tema, aliás com responsabilidades para todos os governos pós 25 de Abril e uma mancha a apagar no bom nome de Portugal.
Parabéns pelo seu contributo para um Portugal mais justo e digno.
Um abraço

Avançado Repatriados em Portugal 1975 :o maior movimento migratório do séc

Da angústia da chegada ao sucesso da integração
 
Há 30 anos, meio milhão de repatriados desaguou, de súbito, em Portugal os retornados são o maior movimento migratório do século e, de início teve contornos dramáticos, tanto na saída dos países africanos como na chegada a Portugal. A sua integração na sociedade portuguesa foi, todavia, um notável caso de sucesso que está ser estudado para aplicação a outras migrações. AMANHÃ A música no Prec "O que dominou a chegada dos retornados foi uma grande confusão na cabeça das pessoas", recorda Rui Pena Pires, sociólogo das migrações. "A fase da revolta veio depois" Gente feliz, próspera, com uma absurda confiança no futuro, viu-se de repente sem vida social, sem emprego, sem casa, com o dinheiro congelado no banco

LUÍS MIGUEL VIANA 


 Vivem-se vidas inteiras sem conhecer o desespero. Mas esse sentimento rude, amargo, foi partilhado em 1975 por centenas de milhares de portugueses em Angola sobretudo, em Moçambique, na Guiné (até em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor), cidades inteiras de pessoas felizes, prósperas, esperançosas, com uma absurda confiança no futuro, viram-se de repente sem vida social, sem emprego, sem casa, com o dinheiro congelado nos bancos e um terrível sentimento de perigo em relação às suas vidas e às da sua família.

O desespero tem espinhos, alguns aguçados, e os seus bicos empurram as pessoas para o abismo. Em 30 de Junho, em Luanda, um grupo de 2500 residentes em Angola anunciou que, não conseguindo obter passagens aéreas ou marítimas para Lisboa, tencionava fazer a viagem até Portugal por via rodoviária, atravessando oito mil quilómetros de países africanos no sentido sul-norte ao longo de 90 dias. A caravana motorizada esteve organizada para ser constituída por 200 camiões e 500 automóveis particulares, sendo os suprimentos destinados a 15 camiões-frigoríficos com capacidade para transportar 30 toneladas de alimentos cada um. Alguns veículos foram transformados em oficinas móveis para fazer face à inclemência do trajecto e um dos organizadores, Guilherme dos Santos, fez contactos formais com a Cruz Vermelha Internacional e com a Comissão das Nações Unidas para os Refugiados para, na medida do possível, ajudarem essa travessia das selvas, savanas e desertos do continente africano.

Acabaram por não avançar para esse louco caminho para a morte. Mais a sul, porém, houve trainei- ras a largar de Porto Alexandre, cheias de gente, em direcção a Portugal, onde chegaram, com muita sorte, sem males de maior. Outros barcos de pesca artesanais cruzaram o Atlântico para despejarem no Brasil "retornados" que, afinal, não retornaram a Portugal. E quase todos os que puderam escaparam por terra em direcção à África do Sul, e a outros países limítrofes, em alguns casos viajando com máquinas de obras públicas que iam aplainando os acidentes do caminho.

"O que dominou o primeiro tempo da chegada foi uma grande confusão na cabeça das pessoas", recorda Rui Pena Pires, sociólogo das migrações e, também ele, retornado de África (ver texto ao lado). "Mais do que a revolta, as pessoas tentavam perceber como é que se poderiam instalar em Portugal. A fase da revolta veio depois". Na quantidade tremenda de gente que desaguou em Portugal aconteceu de tudo. Uma pequena minoria tinha acautelado o seu património e preparado o seu regresso a Portugal. Outra minoria - precisamente aquela que mais tinha a perder com a independência das colónias uma vez que perdera os laços com a metrópole - nunca acreditou no pior desfecho, não preparou coisa nenhuma e veio sem nada, absolutamente nada para além da roupa que trouxe no corpo. A larga maioria, essa, conseguiu trazer alguma coisa, pouca, mas suficiente para o espectáculo dos caixotes que inundou o cais e o aeroporto de Lisboa,

Jovens, portugueses. Com a descolonização, em 1975, abre-se em Portugal o ciclo da imigração, não só com o repatriamento de meio milhão de portugueses radicados nas colónias, mas também com o início de uma migração africana que, ao contrário do repatriamento, teve continuidade até aos dias de hoje. Do número de retornados recenseados pelo INE em 1981 61% são oriundos de Angola, 34% de Moçambique e apenas 5% das restantes colónias. Quase dois terços desses retornados nasceram em Portugal (63%), embora esta proporção se inverta nas camadas mais jovens - 75% dos menores de 20 anos eram naturais das colónias.

É muito curiosa a distribuição da origem dos retornados nascidos em Portugal 32% eram naturais do Norte, 36% do Centro e 20% da região de Lisboa. Os distritos de Lisboa e Porto são os que maior número de pessoas enviou para África (12% e 11%, respectivamente), seguidos por quatro distritos do Nordeste: Viseu, Bragança, Guarda e Vila Real - é aliás com esta migração para África que se inicia o grave problema demográfico que hoje afecta o interior norte do País.

A estrutura por idade e sexo da população repatriada era, em 1981, significativamente diferente da do conjunto da população portuguesa. Há um predomínio ligeiro da população masculina, 53% são homens, em praticamente todas as classes de idades e um forte peso da população jovem 64% dos retornados tinham menos de 40 anos.

Os "tinhas". Quando começou a fazer trabalho de campo com retornados, Rui Pena Pires frequentou algumas reuniões de retornados no princípio dos anos 90. E encontrou os grupos dos ressentidos, dos ainda inconformados com a desgraça de há 15 anos, muito limitado e circunscrito. Eram "os tinhas" (como lhes chamavam todos os outros com irónica condescendência), os que estavam sempre a dizer "eu tinha", "eu tinha"...

"A partir de 1975 as pessoas não tiveram mais tempo para pensar e foram obrigadas a começar a trabalhar de uma forma um pouco mais dura do que o normal para recomeçar tudo de novo", recorda o sociólogo das migrações. "Foi a melhor coisa que podia ter acontecido se tivessem entrado numa lógica de reclamar e esperar por indemnizações ainda hoje, 30 anos volvidos, haveria situações complicadas de integração".

Sucedeu o contrário, porém. Os retornados revelaram-se como um grupo com competências muito acima da média da sociedade portuguesa e rapidamente se disseminaram pela sociedade, em vez de se constituírem como uma sociedade colectividade delimitada.

É muito interessante ouvir hoje os retornados falarem das relações entre si "É como companheiros de escola que se encontram passados uns anos e falam sobre a vida do liceu. Quando as pessoas se encontram e acabam por descobrir que são retornados, há logo ali uma relação de afectividade, há um elo comum, resultante de uma desgraça que compartilharam. Depois começam a contar como cada um evoluiu, o que significa que o que é importante já não é o ponto de partida, mas o de chegada, o que interessa é onde se está, onde se chegou".

FONTE

O fenómeno da nossa descolonização: Retornados, Deslocados e Espoliados

JOAQUIM PEREIRA SOARES
Neste anfiteatro da famosa Aula Magna da velha Universidade de Lisboa, não será, pensamos, despropos­itado perguntar: Quem são os retornados, os deslocados e os espoliados, de onde vieram, e porque é que vieram?
Antes de se obter qualquer resposta, talvez seja interessante relembrar que Portugal está a comemorar, cheio de orgulho, os feitos dos seus navegadores: Os Descobrimentos.
Portugueses corajosos, destemidos, com grande iniciativa, foram longe nas suas viagens e trouxeram para o Ocidente o conhecimento de novas terras e novas gentes. O seu contacto com civilizações exóticas e riquezas sem conta, contribuiram imenso para o progresso da humanidade.
Pelas descobertas, terras houve que passaram a pertencer à Nação Portuguesa. E como essa posse «de facto» não fosse suficiente, a posse «de jure» confirmou-a. Portugal e Espanha firmaram um tratado, o de Tordesilhas, como é do conhecimento geral e a voz que mais alto se fazia ouvir nessa época recuada, a do Sumo Pontífice, reconheceu a linha de demarcação então traçada.
Daqui se infere que os retornados que estavam vivendo nos territórios do Ultramar, sob a bandeira das quinas, não podiam ter a menor dúvida de que permaneciam em solo pátrio. Seria lícito esperarem que as suas vidas e haveres fossem respeitadas.
Ainda nos recordamos de ver escrito no tradicional empedrado português em frente à Câmara Municipal de Lourenço Marques: Aqui é Portugal.
Admitamos que nem todos quantos embarcaram para o Ultramar iam para lá com espirito de missão — como então se dizia — por altruísmo ou por desgostos de família, mas que tinham os seus interesses na mira. Mas o que ninguém poderá negar é o esforço português em África, em prol do seu desenvolvimento.
E quem é que poderá negar que os portugueses transformaram terras inóspitas em países pujantes como Angola e Moçambique? Será, realmente, possível dizer-se que os portugueses nada haviam feito? Só por ignorância, por desinformação ou por maldade se poderiam proferir tais atoardas.
E nós podemos afirmá-lo categoricamente, porque vimos, assistimos, durante 55 anos que vivemos em Moçambique, ao seu extraordinário desenvolvimento.
Não fugiremos à tentação de contar as palavras que ouvimos da boca de um diplomata alemão. Ele tinha acabado de chegar do seu país e de ocupar o seu posto. Num almoço que ofereceu,  disse: “Enviei ao meu Governo um relatório em que, em dado momento informei: Depois de ter percorrido algumas regiões e de me ter posto a par da situação neste território, concluí que, pelos padrões europeus e americanos, todos os serviços e nomeadamente os ferroviários, não dispunham nem dos equipamentos nem do número mínimo de técnicos qualificados, mas, a verdade, é que tudo funciona». Para nós, tais palavras representavam o reconhecimento, o elogio do engenho e do esforço dos colonos, do povo português.
Quando se poderia esperar que, de tantos esforços, alguns frutos se colhessem, eis que chega a precipitada descolonização, que alguns inconscientemente classificaram de «exemplar», mas que para aqueles que sofreram na carne os seus efeitos, se tratou de um sismo, de um terramoto, considerando o grande número de pessoas que perderam a vida — e continuam a perder — da forma mais horrorosa, os bens destruídos, as famílias dispersas, destroçadas e os prejuízos de toda a ordem.
Não fora a boa índole dos povos dessas terras e as boas relações existentes entre as etnias e ter-se-ia registado uma verdadeira hecatombe, dado que a população se encontrava indefesa.
A descolonização nos termos em que foi feita provocou o regresso em massa dos retornados. Na verdade foram escorraçados e houve quem os considerasse exploradores quando muitos tinham tirado pão à boca para pagarem às Caixas os empréstimos que tinham pedido para a sua casita, que muito poderia contribuir, na sua velhice, para uma vida melhor, ou para desbravar terras para fazer a sua machamba ou montar a sua oficina.
Desembarcaram esses retornados na sua esmagadora maioria sem dinheiro, sem quaisquer meios de vida. E muito têm sofrido e ainda sofrem para sobreviver nesta terra que é a sua pátria.
A população aqui do continente não se apercebeu do que se estava a passar. Estava totalmente desinformada e manipulada. As riquezas que se haviam perdido eram segredo de poucos. Outro tanto não sucedia com as chancelarias das grandes potências e mesmo das médias. Elas sempre pretenderam, durante séculos, afastar Portugal dessas zonas com grandes riquezas por explorar ou pouco exploradas e de enorme valor estratégico. E conseguiram-no, finalmente, com a inépcia de alguns que agora se recriminam reciprocamente.
Por outro lado, esses portugueses que receberam o epíteto de retornados eram, afinal, os descendentes daqueles que tripularam as caravelas, que constituiram os tércios que protegeram os desembarques nas paragens longínquas, que levaram a civilização peninsular, europeia, a todos os cantos do globo. Foram a alavanca da epopeia de que todos nós nos orgulhamos.
Se os colonos, os retornados, em vez de terem seguido para o Ultramar, tivessem emigrado para a França, Alemanha, Luxemburgo, Estados Unidos, Venezuela, África do Sul, Brasil ou Canadá, ou para outros destinos, teriam conservado os seus bens (e as nossas autoridades, por certo, exigiriam que assim fosse). Como se compreende que o mesmo critério não seja seguido para com eles, quando seguiram para o prolongamento de Portugal, como então oficialmente se dizia. Nós não vivemos num estado de direito?
Quanto aos deslocados, limitar-nos-emos a mencionar que consideramos que são aqueles africanos que nunca tendo partido das praias lusitanas, não poderão ser considerados retornados. Eles vieram para Portugal aos milhares, teriam vindo aos milhões, se isso lhes tivesse sido facilitado. Se nos referimos a eles é unicamente para mostrar, como, ao contrário do que chegou a ser propalado, as melhores relações existiam, à data de descolonização, entre todos os grupos raciais.
Ultimamente começou a falar-se em espoliados. O termo usado agora no nosso país, desde há muito que é empregue nos países que procederam a descolonizações, como a França, a Inglaterra, Itália, etc. Nesses países, os espoliados têm vindo a ser indemnizados por diversas formas.
A nossa descolonização já foi feita há mais de uma década — mas de indemnizações pouco se fala nos círculos dirigentes.
Como vivemos num estado de direito, nós apelamos aos nossos governantes para que se debrucem sobre este problema que interessa a tantos portugueses e que tomem as necessárias providências para que justiça seja feita àqueles que tanto trabalharam para o engrandecimento do nosso País.
Não nos alongaremos com mais pormenores, outros, por certo, neste Congresso, tratarão sobre casos específicos, como a devolução dos dinheiros que foram depositados nos Consulados, reformas para as quais foram feitos descontos obrigatoriamente e com grandes sacrifícios cujos pagamentos foram suspensos, prédios nacion­alizados, empresas intervencionadas, etc., etc.
Terminaremos por afirmar que estamos conscientes de que Portugal ainda hoje não é um pequeno país, se entre os seus filhos houver entreajuda, solidariedade. Em dimensão, em número de habitantes, na Europa ele excede o tamanho da maioria. Em recursos também não é assim tão pobre e a sua situação na Europa é privilegiada. Aproveitemos os nossos recursos e não deixemos a nossa gente estiolar por falta de solidariedade.

FONTE