domingo, 29 de abril de 2012

Fuga de portugueses da Gabela em 1975


Fuga da Gabela em 1975. Foto que ilustra o silêncio mortal de uma cidade e dos seus
 filhos-nascidos ou não-  porque todos a amavam... (Correia Ribeiro)

Foto: Walter José Dias Ferreira

"...Uma dor que ficou dentro de mim para sempre...Ainda oiço o silêncio que se fez ao longo da partida...Ainda tenho presente o olhar dos meus cães sentados à porta de minha casa,quando a coluna passou...Meu Deus!!!!!!!!! QUANTA TRISTEZA NESSE DIA...(Maria do Rosário Teodósio)

"...A propósito da fatídica saída dos Gabelenses , acabei de ler um livro escrito por uma Gabelense, Maria da Conceição Pinheiro da Cunha,que cresceu na Roça Xariaia, lá para os lados da Quilenda. Tive conhecimento do livro aqui, pois alguém ,que o leu, teve a amabilidade de falar nele, deixando até o número de telefone da autora.Telefonei-lhe, encomendei o livro e já o li. O livro conta história de vida de Sãozita( a autora)desde que o Pai saiu de Portugal á procura de melhor vida em Angola, até aos dias de hoje. Escrito com uma linguagem simples, prende-nos logo .No livro, a autora descreve o exodo dos gabelenses , como chegaram á Cela,onde ela na altura vivia e fala na morte duma menina, baleada na fuga , por um bando armado de guerrilheiros( bandidos) que atiraram a matar. É um livro comovente , uma história de vida , que poderia ser a história de dezenas de Gabelenses.É sobretudo um exemplo de coragem, de como no meio de tanta adversidade, uma família angolana( como tantas outras afinal) sobreviveu , lutou e venceu. 

"...Sãozita, escreveu o livro para que os seus filhos, netos , amigos e conhecidos , ficassem com uma ideia do que foi fugir da guerra, abandonar Angola e tudo aquilo porque tanto lutaram e trabalharam. É um documento que fica para a posteridade, pois inclui fotos e documentos.

"...Quanto ao livro, como já disse ,é a história de Sãozita, uma garotinha foi pequena para Angola,(Gabela) para uma roça que o pai fez, com muito trabalho. Lá viveu a sua meninice com os irmãos e irmãs, a sua adolescência e de lá casou, indo viver para a Cela, até que foi obrigada a fugir deixando tudo para trás. Ela ainda estava na Cela quando a coluna de fugitivos da Gabela por lá passou e conta-nos como ajudou a esconder gente procurada pelos movimentos,como foi fazer o funeral da menina assassinada. Foram dias de terror , de puro medo, de grande angústia, que a autora testemunhou . Com apenas a 4ª classe, meteu mãos á obra e começou a escrever o livro que demoraria 7 anos a ser concluido. Finalmente, depois de muitas dificuldades, conseguiu que fosse editado e assim nasceu o livro com o título "Viagem para África e o casaco comprido."

Muito ficou por contar, segundo me disse a autora quando falei com ela pelo telefone. Achei-a uma mulher muito corajosa, não só pela sua história de vida, mas também por ter conseguido a proeza de escrever um livro , conseguindo transmitir, numa linguagen simples, a sua história , que é também a história de milhares de angolanos, numa narrativa que nos prende logo no início e que nos leva a ler o livro de um fôlego. O livro não está á venda nas livrarias.  (São Marcos)

RETIRADO DAQUI



MEMÓRIAS José Carlos Rodrigues




Imbondeiro (foto do autor)


Entrei hoje casualmente no seu Site e devo dar-lhe parabéns pois está muito bem escrito e documentado com boas fotos.

Em 27 de Outubro de 1975, exactamente da mesma forma e pelos mesmo motivos de todos que vieram nessa altura, o mesmo já depois de independência, enfim também tenho as minha Memórias para descrever e vou fazê-lo quando tiver mais tempo.

Tenho 55 anos de idade, nasci em 1951 e saí de Angola há quase 31 anos. O motivo de lhe mandar este mail, são apenas dois e são os factos que mais marcaram a minha vida: o primeiro, é uma pequena correcção, que de tanto ser repetida em tudo quanto é livro e até documentação oficial, passou a ser verdade, mas a verdade e essa, vivi eu e vi com estes olhos que a terra há-de comer, é que os cubanos chegaram a Angola, não em Outubro mas muito antes, embora já não precisando a data foi em meados de Agosto de 1975, sempre desmentido por todos o canais oficiais da altura e pelo próprio "careca" Rosa Coutinho, que exactamente no dia que os cubanos desembarcaram que foi num sábado, nunca mais esqueço pois foi exactamente em Porto Amboim que eles desembarcaram em solo angolano.

Eu estava na altura em Novo Redondo onde era o chefe da fábrica de algodão do Chingo, estava casado há pouco tempo e vivia numa suite do Hotel Senador na Avenida da Praia.


No dia que fiz um mês de casado em Julho, dia 29, pelas 15 horas da tarde começaram os tiros em Novo Redondo, obrigando a população a resguardar-se durante três longos dias no Palácio do Governo à espera de uma coluna militar portuguesa. Enfim, várias peripécias foram vividas depois disso e acabámos sempre em fuga aos tiros que no Lobito, para onde fomos, quer em Benguela, quer em Nova Lisboa onde fui sozinho porque tinha lá deixado o meu carro a reparar e pintar (uma viagem dramática e cheia de casos onde vi a morte por perto várias vezes).

Mesmo depois disto tudo pensei sempre que sendo angolano deveria ficar na minha terra. Ajudei muita gente a por os caixotes das suas coisas nos barcos do Porto do Lobito, mas nunca pensei vir. Entretanto as coisas acalmaram um pouco em Novo Redondo e eu que tinha prometido e fechar o balanço da empresa onde estava, regressei a Novo Redondo sozinho e fui terminar o que tinha prometido.

Entretanto, como tinha os meus pais e família em Posto Amboim onde nasci, ia aos fim de semana para lá e foi num desses fins de semanada de Agosto quando vim à rua num sábado, vi com os meus olhos todo aquele aparato de militares que se posicionavam de 100 em 100 metros de metralhadoras apontadas às pessoas, e descarregavam e arrancavam de imediato para as frentes de combate de Luanda e Huambo, camiões, carros blindados, tanques e milhares de soldados.

Acredite que ainda hoje vejo e sinto a cena como tal, mais parecendo que estava a ver aqueles filmes da II Guerra Mundial (o material dos cubanos era muito parecido e antiquado).

Fiquei quieto e mudo pois nesse dia perdi a esperança de ficar em Angola e de ver aquela terra evoluir num sentido positivo, convivendo nela toda a sociedade multirracial que ninguém acreditava que existia, mas quem lá esteve sabe que era assim e também sabe que hoje seria um verdadeiro país desenvolvido e com 50 ou 60 milhões de habitantes seria mesmo o maior país de África e um dos maiores do mundo. Mas não deixaram, não quiseram, tiveram medo de mostrar para o resto do mundo que seria possível viveram brancos negros e mestiços todos juntos viverem em ambiente saudável de paz em alegria. Não deixaram!!!

Nesse sábado que parece ontem ainda, cheguei a casa e ouvi na rádio ao almoço exactamente o "careca" (almirante vermelho Rosa Coutinho) dizer aos jornalista: cubanos em Angola?, vocês inventam cada uma? Nem pensar.

Foi nesse dia que disse ao meu pai português da Sertã que estava desde 1917 em Angola sem nunca ter vindo mais a Portugal, pela primeira vez: "Pai isto acabou. Já não vai ter fim e o país está tramado e nós também". Vou arrumar as minhas coisas e vou na ponte aérea, seja o que Deus quiser mas Angola jamais será a minha Angola. 

O meu pai que sempre nos dissera vocês são angolanos devem lutar e viver na vossa terra apenas olhou para mim (e ainda hoje choro quando me lembro da sua cara, choro ainda também) pôs-me as mãos em cima dos ombros e disse: "vai filho, tu és novo e ainda tens uma vida pela frente, vai e vai de cabeça levantada".

Eu disse-lhe: "pai vamos todos isto não vai ser nada". E ele disse-me: "eu sou um velho e tenho 75 anos nunca voltei a Portugal também eu não vou agora a mim eles não me fazem mal precisam de mim mas tu vais e não voltamos a falar nisto, vais e tratas amanhã de tudo que precisas".

Nesse sábado chorei sozinho nessa praia de Porto Amboim, olhando para os batelões que descarregavam continuamente o material e os soldados cubanos. 



O autor na praia (foto do autor)


É preciso notar que esta costa tinha de praia dum morro ao outro cerca de 6 km. E deste morro ao outro lado que se vê na outra  foto da Vila de Porto Amboim até ao morro dos "3caminhos" (?) havia mais de 15 km de praias. Uma verdadeira  maravilha da natureza. Também eu eu vi entrar os Cubanos, penso que os primeiros que puseram pé em terras de Angola, em meados de Agosto de 1975. Foi por ali que descarregaram todo o seu material bélico e de imediato avançaram para as frentes dos combates. Não ficaram mais que dois dias em Porto Amboim. Parecendo aquilo que é, este era o 4º. Porto em tonelagens de cargas e descargas de Angola. Por aqui passavam todo o café, algodão, óleo de palma e outros que saíam de Angola e entrava o vinho por exemplo que vinha em barris de madeira. Todos os grandes navios de carga ou mistos da altura paravam aqui, Ambrizete, Ganda, Pátria, Zaire etc. E ficavam à cerca de 300 m da praia, sendo depois o transbordo feito por batelões. Nesses dias trabalhava-se 24 horas sobre 24 horas. Hoje desta bela imagem apenas existe a areia, o morro, o cais embora maltratado e o mar. Tudo o resto da Restinga, o cinema novo que ali foi construído e o campo de desportos de salão, tudo desapareceu engolido pelo mar e pela falta de cuidados. Nada, mesmo nada, desse sítio lindo onde se passaram belos momentos, ali existe mais.  

E assim foi. Saí de Angola depois de vários problemas (tive que dormir no meu carro uma semana inteira no Lobito para conseguir pô-lo no último navio de carros que saiu de Angola e no dia 27 de Outro) aterrei no aeroporto de Lisboa com 10.000$00 de Angola e outra de algumas recordações pessoais deixando para trás uma vida que estava no inicio e bem bonita já, mas sobretudo deixando para trás as ilusões, os sonhos, a família, os amigos (muitos deles ou quase todos pretos e mestiços) o coração muito especialmente o espírito, a alma ficou lá e ainda deve andar por lá a vaguear.

Desculpe o tempo que levei a descrever isto mas também um dia terei de descarregar em memórias escritas todas as emoções que ainda estão acumuladas dentro de mim me fazem constantemente sofrer e assim há-de ser até à minha morte. 

Mas foi exactamente esse sábado de Agosto e esses cubanos que ainda não estavam em Angola( apenas deviam ser fardas e bonecos de madeira), que decidiram a minha retirada e cortaram aos pedaços o meu coração de angolano.

Portanto não acredite nas datas dos documentos. Acredite que os cubanos chegaram a Porto Amboim a primeira terra de Angola a porem os pés (uns dias depois acho que também desembarcaram na zona do Ambriz e Ambrizete).


Infelizmente tinha fotos deste facto bem como outras colhidas do meu tempo da tropa no comando chefe da Fortaleza de Luanda, mas tudo por lá ficou e alguns desses foram destruídos e roubados em dois controles dos pioneiros (miúdos armados em soldados do MPLA mas que se fosse preciso disparavam sem saber porquê).

Esta é a verdade acredite. Tão verdade que os meus olhos ainda vêem a imagem e verão sempre.
O segundo facto que queria dizer, era apenas a constatação de que provavelmente o 25 de Abril ter sido uma guerra de terrorismo ter acabado em Angola. Entrei para a tropa em 22 de Outubro de 1971 (emocionei-me um bocado depois ao fim destes anos todos vi hoje aqui no seu Site a foto da porta do Regimento do quartel de Nova Lisboa onde fiz a recruta) e depois de um mês de mato onde nada acontecia quase sempre, fui colocado em Luanda na fortaleza como um dos responsáveis da cantina da messe dos oficiais, assistia e dava apoio às reuniões que lá se faziam com as mais altas patentes militares, portuguesas e por vezes também estrangeiras com o general Luz da Cunha na altura e até ao 25 de Abril o Chefe do Estado Maior em Angola. 


Além disso também estive destacado alguns meses nos serviços de psicologia na guerra, também lá na fortaleza e embora sem os poder mostrar porque me foram destruídos, tive várias vezes na mão cópias dos mapas do controle do terrorismo, cartas das organizações que apoiavam os movimento turras e outros documentos e posso afirmar sem dúvidas que em 74 não havia qualquer zona (repito qualquer zona) do território angolano ocupado por qualquer movimento (UNITA, MPLA, FNLA ou qualquer outro) e também esses movimentos já não tinham apoios de armas apenas de medicamentos, cobertores e mantimentos que lhes eram dados pelos americanos, russos, suecos noruegueses e outros países que pela democracia os apoiavam.

Portanto já não havia guerra. Os movimentos estavam dominados e passavam fome, apenas fazer combates de emboscadas e fuga em algumas zonas do Leste de Angola (aliás quem os viu entrar em Angola depois do 25 de Abril) sabe muito bem como eles se apresentaram, esfarrapados, esfomeados e com uma maioria de canhangulos tendo apenas o FNLA que recrutou zairenses e recebeu fardas novinhas bem com metralhadoras que ainda brilhavam. Lembra-se disso com certeza.


Ora bem não havendo guerra em Angola, a paz interessava a quem? E sem guerra como seria as fortunas que os nossos militaras (alguns claro) fizeram. Então não havia luta a altura mais indicada para o 25 de Abril. Um dia veremos alguns destes valorosos e briosos heróis, como Soares, Otelo Saraiva & Cª entrar a história deste 25 de Abril. Agora não me venham é a dizer que se perdeu a Guerra em Angola por isso é a mentira mais infame que se poderá contar e pelos menos a memória dos que morreram naquela terra não merecem isso.

Bem já vou longo mais poderia dizer, mas apenas queria referir estes dois factos. Pelo menos é a minha verdade e não a verdade da história mas quantas verdades nós aprendemos ao longo dos anos na escola, no liceu e nos livros que são apenas as verdades possíveis ou as verdades que a política deixou escrever?

Acho que esta pergunta é uma bela forma de terminar. (...) Nós fomos impedidos de ser um país e quando digo nós, refiro-me aos que nasceram em Angola e aos portugueses que eram tão angolanos também mas não seremos nunca impedidos de ter memória, de ter coração, de ter alma, de ter espírito e de ter saudades.



  José Carlos Rodrigues NV034970@netvisao.pt
 





Angola/32 anos: Roberto de Almeida esclarece razões da fuga massiva de quadros portugueses em 1975


 


Luanda, 2/12 - A grande divergência política entre os movimentos nacionais e a potência colonizadora em Angola, assim como a incerteza em relação ao futuro do país, levaram à fuga em massa de quadros portugueses na véspera da proclamação da independência de Angola em 1975.

Este ponto de vista foi manifestado sábado, pelo presidente da Assembleia Nacional, Roberto de Almeida, em entrevista exclusiva à Angop, em Luanda, destinada a fazer o balanço dos 32 anos de independência do país, assinalados a 11 de Novembro último.

Segundo Roberto de Almeida, naquela altura os quadros portugueses decidiram abandonar o país "porque não havia convivência política possível entre, por um lado, os movimentos nacionais e, por outro, a potência colonizadora - Portugal".

O presidente da Assembleia Nacional explicou que a potência colonizadora via nos movimentos nacionais "grupos de terroristas, negros drogados e munidos de catanas com o objectivo de matar os brancos".

Essa posição de hostilidade do colonizador, adiantou, levou ao abandono em massa dos quadros portugueses, porque instaurou-se um clima de incerteza em relação ao futuro do país com a ascensão ao poder de qualquer um dos três movimentos, nomeadamente o MPLA - que proclamou a independência - a Unita e a FNLA.

Roberto de Almeida, que procurou com esse argumento rebater a opinião segundo a qual após a independência correu-se deliberadamente com os quadros portugueses, não deixou contudo de admitir essa possibilidade em algumas situações isoladas.

Quanto ao significado histórico da independência, o presidente da Assembleia Nacional disse ser o nascimento de um novo país e soberano.

"Esse nascimento assumiu ainda maior relevo devido às circunstâncias que antecederam a independência", disse, referindo-se às várias tentativas de bloqueio da proclamação da independência.

O líder parlamentar apontou a esse propósito a grande invasão sul africana, em 14 de Outubro de 1975, e o avanço, pela fronteira norte, das tropas mistas do exército do ex-presidente do antigo Zaíre, Mobutu, e dos guerrilheiros da FNLA.

"Isso é histórico, ninguém pode desmentir e não temos razões para esconder, embora reconheça que estamos num momento de reconciliação nacional, mas a história é história e tem de ser mencionada", disse.

Adiantou ainda que houve igualmente uma grande pressão dos EUA - que também se opôs à independência - e a prova disso é que o reconhecimento do país, pela potência americana, aconteceu cerca de duas décadas depois, nos anos 90.

"Isso explica-se porque os EUA tinham uma aliança com Portugal na OTAN e não viam com muito bons olhos, dentro também do princípio da guerra fria, que esses territórios (dominados por Portugal) ascendessem à independência com direcções que não eram viradas para o ocidente", frisou.

De acordo com o presidente da Assembleia Nacional, países como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau conduziram uma luta de libertação que, salvo honrosas excepções, não contou com o apoio da maior parte dos países e governos ocidentais.

Esse facto determinou que os mesmos procurassem aliança com os países da comunidade socialista, que apoiaram a sua luta de libertação.

Outro grande feito dos 32 anos destacado por Roberto de Almeida foi "conseguir manter a independência, através da salvaguarda da integridade territorial do novo Estado, já que após a sua proclamação os adversários procuraram derrubar o governo instalado contra a sua vontade".

"O primeiro dever era, portanto, a nossa própria defesa, a salvaguarda da integridade territorial do país, a defesa contra as invasões estrangeiras e contra os ataques internos das forças aliadas a esses exércitos estrangeiros e, depois, procurar reorganizar o país", sublinhou.

Roberto de Almeida disse que a reorganização do país, após a proclamação da independência, ressentiu-se profundamente com a falta de quadros em quase todos os sectores da vida, devido ao abandono de grande parte dos profissionais portugueses.

"Garantir administrativamente a marcha de um país novo nas circunstâncias em que ascendeu à independência foi um grande desafio", referiu.

O parlamentar reconheceu entretanto que em alguns casos a marcha do país conheceu uma tendência de anarquia por parte de alguns angolanos, mas as circunstâncias do momento levaram a tolerar o comportamento.

Roberto de Almeida disse que naquela altura não era aconselhável que, após o abandono dos colonialistas, o Governo aplicasse uma política de repressão, porque isso viria a ser a continuação da política colonial.

O presidente da Assembleia Nacional destacou também as grandes opções que se fizeram no campo político, económico e social, sublinhando a missão de formação de quadros, por forma a suprir o vazio deixado e garantir a continuação do país independente.

"O reconhecimento internacional de Angola que se seguiu à independência foi igualmente outro feito importante, graças ao empenho das missões diplomáticas criadas para o efeito", disse.

"Posso orgulhar-me de ter feito parte de algumas dessas missões, em que fomos contactar governos para reconhecer a independência de Angola, tivemos de argumentar razões e a importância do nosso reconhecimento, sobretudo num clima em que a própria potência colonizadora não nos tinha reconhecido", enfatizou.

No campo parlamentar, destacou o papel fundamental levado a cabo pelo Conselho da Revolução, criado com a independência, e a Assembleia do Povo, instaurada em 1980, que asseguraram a continuidade da função legislativa do novo Estado, bem como, já mais recentemente, a Assembleia Nacional, num quadro multipartidário.

"Qualquer desses órgãos teve grande importância, fizeram-se definições importantes no plano legislativo do que devia ser o nosso país", disse, apontando a título de exemplo a primeira Constituição do país.

Roberto de Almeida destacou ainda uma importante reunião realizada em 1976, onde foram definidas as linhas económicas do país - tendo sido decidido a política de economia centralizada como uma opção daquele contexto.

Com alguma nostalgia, recordou também o grande espírito de união das populações na defesa do país, destacando a Organização de Defesa Popular (ODP) e as Brigadas Populares de Vigilância (BPV), criadas com o repto do primeiro presidente de Angola, Agostinho, para uma "Resistência Popular Generalizada".

"Havia uma consciência nacional que passava em primeira linha pela defesa das fronteiras do país, por isso tenho dito que, por muito que possamos divergir no campo das ideias, como angolanos, devíamos convergir nessa questão da defesa do país, não permitindo que um país estrangeiro invada o nosso território", concluiu.

Entrevista conduzida por: David Mário e Rafael Casseca
Comentário do editor do site: O Sr. Presidente da Assembleia Nacional de Angola no seu discurso não diz a verdade dos factos como se pode constatar nos diversos textos que estão neste site. Por desconhecimento? Creio que não mas talvez por motivos políticos. A fuga massiva dos "colonos" de Angola não se deveu ao facto de os brancos considerarem os pretos terroristas. A nossa convivência tal como é actualmente aqui em Portugal era pacífica e cordial salvo algumas antigas excepções como a revolta da Baixa do Cassange que não foi um bom exemplo dos portugueses e que foi instigada propositadamente do exterior. O Sr. Presidente esqueceu-se da barbárie da UPA que, como o Sr. diz, mas noutro sentido, estavam efectivamente drogados com marufo e makonha e incitados pelo "feiticeiro" do kimbo clamavam que as balas dos brancos eram "água" (massa) chacinando à catanada milhares de brancos e os seus trabalhadores bailundos bem como crianças inocentes no Norte de Angola em 15 de Março de 1961 como mostram as fotos tiradas pelo reporter.
Os "colonos" queriam uma independência para TODOS tal como foi feita na África do Sul. A fuga massiva dos quadros e da restante população branca deveu-se principalmente ao facto de o MPLA com a ajuda do PCP português e a complacência do almirante vermelho Rosa Coutinho ultra-esquerdista do 25 de Abril, permitir que em Agosto de 1975 entrasse em Angola armamento moderno proveniente da URSS e a desmobilização antecipada das tropas portuguesas para que o MPLA pudesse assumir o poder com a ajuda das tropas cubanas que entraram em Angola na mesma data com material de guerra russo. Felizmente para o MPLA que os sul-africanos foram obrigados a retirar por ordem dos americanos e à FNLA foram-lhe retiradas pelos sul-africanos por ordem dos americanos as culatras dos super-canhões G-5 que já estavm no morro da cal perto de Luanda. Com esses canhões activos não havia "monocaxitos" (orgãos de Estaline) nem cubanos que lhe valessem.
O resultado da guerrilha urbana como não podia deixar de ser, foi para expulsar os outros partidos das cidades e tornar a vida impossível à população, principalmente aos brancos mesmo os nascidos em Angola que, por isso, tiveram de abandonar a sua querida terra deixando para trás tudo quanto tinham que foi o trabalho de uma vida. Uma nação que em 1975 era a mais próspera da África ocidental ficou completamente arruinada pelas guerras subsequentes das quais ainda hoje não se recompôs. Não culpe os "colonos" Sr. Presidente culpe sim o MPLA por se armar nas costas dos outros partidos como se poderá ver neste site nos jornais da época e mais tarde a UNITA que, por causa da ambição do poder do "muata" Savimbi não se entenderam prolongando uma guerra fraticida por cerca de 28 anos só inrrompida com a morte do "mais velho". Sr. Presidente, Angola foi arruinada pelos próprios angolanos. Esta é a verdade nua e crua que vos custa a aceitar ! 

 2 de Dezembro de 2007

A Fuga do Huambo


 

A queda do muro de Berlim, a transformação que houve no bloco soviético pressagiou uma nova era de esperança que se tem dissipado ano após ano.

O Mundo respirou uma paz que não seria duradoira. Aos nossos dias chegou idade do terrorismo, do fundamentalismo, do tribalismo, da globalização e do capitalismo selvagem em que tudo se justifica pelo dinheiro.

Chegaram novas guerras e, de vez em quando, apercebemo-nos, através da televisão de ondas de refugiados que fogem da guerra. Faço parte duma geração que esteve na chamada guerra colonial. Fui combatente em Angola entre 1967 e 1969. Mais tarde, conheci e vivi, também em Angola, a guerra entre os movimentos de libertação, que provocou uma fuga desordenada duma grande parte da população Angolana.

Há muito que tenho na memória uma época de terror, anotei e guardei recordações para que fique um documento de parte da minha história e das pessoas que me acompanharam.

A revolução de 25 de Abril de 1974, trouxe para a cena política de Angola três movimentos, que até então, combatiam contra o exército Português na clandestinidade: - MPLA, FNLA e UNITA.

Após a revolução, estes três movimentos, com o patrocínio do governo Português, em Alvor, no Algarve, acordaram entre si respeitarem os bens dos Portugueses. Também acordaram apresentar ao povo Angolano as suas ideias, a fim de serem sufragadas em voto secreto. “ Acordo de Alvor a 15 de janeiro de 1975 “.

Como todos sabem nada disso aconteceu. Angola entrou numa longa guerra civil que se prolongou até à morte de Jonas Savimbi em Fevereiro de 2002. Mesmo antes da revolução de Abril, os três movimentos, sempre lutaram uns contra outros, no entanto, a partir de finais de 1974 envolveram-se numa luta sangrenta, com algumas tréguas precárias.

Como consequência dessa guerra, gerou-se uma grande insegurança na população civil, que deu origem à fuga desordenada de grande parte da população. Os combates entre eles, começaram no norte de Angola e em Luanda, mais tarde estenderam-se por todo o território.

Chegavam então ondas de refugiados a Luanda e a Nova Lisboa. Estiveram de passagem na nossa casa o Francisco Meneses, já falecido e o seu genro Rézio com o Pai, também falecido. Eram refugiados do norte de Angola, de Malange.

Através de pontes aéreas dos dois aeroportos internacionais de Luanda e de Nova Lisboa, os refugiados foram transferidos para Portugal. Outros foram por terra até ao Sudoeste Africano e depois África do Sul. Os que estavam ligados à pesca e aos transportes marítimos fugiram de barco, uns também para à África do Sul, outros até ao Brasil.

Muitos morreram ao tentar a fuga, dentro e fora do território de Angola. Assim, de Janeiro de 1975 até Outubro do mesmo ano, pouco tempo antes da independência, Angola foi abandonada por muitos brancos, mestiços, e negros. Ao referir aqui, negros, brancos e mestiços, faço-o sem qualquer intenção de racismo. Não uso a palavra africano, porque a mesma é sempre, ou quase sempre, indicada para referir gente de cor.

Jorge Bem, conhecido cantor Brasileiro, mestiço, diz numa sua canção que nasceu no Brasil por acidente geográfico. Jorge Bem é mestiço mas ninguém diz que o Brasil não é terra de negros. Sem querer fazer história, sabe-se que os autóctones do Brasil são os chamados Índios. Parece-me que o nome de Índios, se deve ao facto de Pedro Álvares Cabral ter pensado que tinha chegado à Índia, quando tinha aportado a Porto Seguro, no Estado da Bahia, no ano de 1498. Ao contrário das Américas, do continente Australiano, da Nova Zelândia, nunca foi ponto assente que os brancos também fazem parte de África. Angola tinha gente branca de várias gerações. Meu filho, Luís Achega, nasceu em Angola, em Nova Lisboa, hoje Huambo.

Antes de 1974, Angola estava com grande crescimento, vou no entanto fazer um pequeno retrato da cidade de Nova Lisboa, que Norton de Matos quis fazer capital do Império Colonial Português. Alguns leitores deste jornal, conheceram a cidade de Nova Lisboa, que era em 1975 a segunda cidade de Angola. Uma cidade nova e moderna com alguns habitantes mais velhos que a própria cidade. A cidade do Huambo foi fundada em 21 de Setembro de 1912. Era uma cidade de grande extensão com avenidas e ruas largas.

Tinha uma grande zona industrial onde, anualmente, havia uma feira internacional, agrícola e industrial, tinha um jardim zoológico, aeroporto internacional, quatro salas de cinema, sede episcopal, muitas igrejas incluindo a igreja de Nossa Senhora de Fátima, três grupos de futebol, um deles o Ferrovia que estava agregado ao caminho-de-ferro de Benguela. Sem ser porto de mar, passavam por Nova Lisboa muitas mercadorias pela citada linha ferroviária, que fornecia e escoava produtos de Angola, da Zâmbia e de uma parte do Zaire.

Nova Lisboa era e ainda é um local estratégico: - A 600 Km de Luanda, a 300 km do importante porto do Lobito, a 400 quilómetros de Sá da Bandeira hoje, Lubango, era passagem obrigatória para o leste de Angola, era ao tempo, um importantíssimo eixo rodoviário e ferroviário. Certamente que em futuro próximo, a capital do Huambo, voltará a ter a importância que teve no passado. O caminho da paz e da esperança está aberto.

Por causa da guerra, da insegurança e da estagnação económica, no final de Julho de 1975 encerrámos a nossa unidade têxtil. Não havia condições para trabalhar. A comida escasseava e a situação piorava dia após dia. Encostado à nossa unidade industrial, estava um destacamento da Unita e os soldados chegaram a passear com as suas armas no interior da nossa fábrica. Não havia ordem nem Lei que mudava conforme a posição de força dos três movimentos. De vez em quando haviam combates entre eles aos quais chegámos a assistir. Pensámos em abandonar Angola, mas por avião havia muita gente em lista de espera, a opção foi ir de carro até à África do Sul e apanhar avião para Portugal.

Também em finais de Julho de 1975, tinha ido pôr meu filho Luís a Luanda para que viesse para Portugal com uma família amiga. Tinha quatro meses o Luís. Vimos, eu e sua mãe, o avião levantar voo e ficámos sem saber se voltaríamos a ver o nosso filho. Correu tudo bem. Passado pouco mais de um mês estávamos de novo juntos em Portugal.

Escolhemos 15 de Agosto para abandonar Nova Lisboa. Eu, Isabel Sana e o João Martins. Tínhamos dois carros com depósitos cheios de gasolina e ainda alguma de reserva, além de mantimentos para a viagem. Haviam ainda mais quatro ou cinco carros de outros fugitivos. De madrugada começámos a nossa fuga e na saída de Nova Lisboa encontrámos uma barreira de militares da Unita. Perguntaram-nos por documentos e pelo salvo-conduto do partido. Demos dinheiro e vinho e passámos sem problema.

Andámos mais 50 quilómetros até Caala onde nova patrulha nos perguntou pelo mesmo. O militar que nos interpelou estava bêbado, no entanto com duas garrafas de vinho e cinco notas de 20$00 não levantou objecções. Passámos depois por Caconda onde tivemos de parar e pagar a portagem como antes e tudo bem. Caconda era uma bela vila agora abandonada, parecia uma cidade fantasma onde somente se viam cães e gatos abandonados. À medida que avançávamos, íamos atestando os depósitos com as nossas próprias reservas para não sermos roubados do precioso líquido.

Passámos a Caluquembe, Cacula, Hoque e sempre a mesma paisagem: - povoações abandonadas com alguns destroços da guerra. Chegámos a Sá da Bandeira sem qualquer problema nos 400 quilómetros percorridos. Foi bom termos escolhido viajar pela manhã. Ao meio-dia, certamente que a maior parte dos militares estaria com uns copos a mais e poderia ser mais complicado o controle. Através dum nosso amigo conseguimos hotel em Sá-da-Bandeira, onde planeámos a partida para a fronteira da Namíbia.

Eram mais 600 quilómetros e já tínhamos resolvido o problema do combustível para a viagem que se adivinhava perigosa. Ouvíamos falar de massacres para os lados de Pereira de Eça que hoje tem o nome de Ondjiva e estávamos com receio. Planeámos de novo a partida agora com um grupo muito mais numeroso. Talvez trinta viaturas. Mais uma vez, bem cedo, ainda noite, abandonámos Sá-da-Bandeira e confiámos na sorte. Não tínhamos armas, a viagem era perigosa, mais para o sul havia guerra, a aventura para o desconhecido estava bem perto, a angústia que seca a boca começou a tomar conta de nós.

Foi num dia frio de Agosto, que partimos de Sá da Bandeira. O caminho afinal estava livre e foi um ver se te avias até ao Sudoeste Africano, hoje Namíbia. Não houve paragens na PICADA de terra batida, na estrada de pó. Penso termos percorrido grande parte da famosa Picada de Calueque. Ao fim da manhã, já tínhamos passado o Chitado. Atravessarmos a ponte sobre o rio Cunene e chegámos à fronteira onde contactámos com os soldados Sul-Africanos. Fomos revistados e seguimos viagem. Passámos por Ombulantu, Ogongo e chegámos a um campo de refugiados em Oshakati. Penso que Oshakati, era ao tempo, território Ovambo que se situava entre a fronteira da Namíbia norte e a fronteira sul de Angola.

Ao chegarmos ao campo de refugiados, fomos desinfectados, mostrámos as vacinas, passaportes e dissemos que poderíamos prosseguir sem auxílio dado que tínhamos dinheiro para a viagem.

A África do Sul tinha uma logística muito bem organizada para dar apoio às vagas sucessivas de refugiados Angolanos. Hoje, através da informação, os Media dão grande destaque aos refugiados da guerra. Nós, portugueses, quando da descolonização, passamos por situações muito graves. Muita gente morreu, muitas famílias foram separadas, muita gente ficou sem os seus haveres. Em campos de refugiados, nasceram crianças e foram sepultadas pessoas. Ao longo do percurso, entre a Namíbia e Johannesburg, haviam campos de acolhimento para os refugiados de Angola. Por interesses da Revolução de Abril, nada ou pouco foi mostrado em Portugal sobre esses campos de refugiados.

Junto à saída do campo de Oshakati, casualmente contactámos um professor de história Sul-Africano que nos levou para um Hotel. Tirámos o pó que era muito, jantámos uma deliciosa carne de vaca grelhada e dormimos tranquilamente. Pela manhã partimos e passámos por Otjiveto, Operet, e chegamos a Tshumed, pequena cidade mineira, onde perguntámos num mini mercado de Portugueses, por um carro nosso que tinha sido utilizado pelo António Farinha, pelo Victor Carvalho e família. O António Farinha e o Victor Carvalho eram funcionários da nossa empresa em Nova Lisboa.

O Carro era um Datsun 1200 que estava num campo de refugiados em Grootfontein. Os utilizadores já tinham vindo para Portugal de avião. Tinha uma chave da viatura, apresentei-me no campo e deram-me o carro. Partimos de novo, agora com três carros. O João Martins com um BMW 1600, a Isabel com um Fiat 124 Sport Coupé e eu com o Datsun 1200. A jornada era longa e metemo-nos a caminho para Windhoek. Passámos por Otavi e fomos dormir num Hotel em Ochivarango. No outro dia passámos por Sukses, Osona e chegamos a Windhoek onde nos instalámos num Hotel. Windhoek era e ainda é a capital da Namíbia. Queríamos enviar o BMW e o FIAT para Portugal. Fomos a um despachante Português, mas o preço que nos deram para o despacho dos dois carros, era tão elevado que não decidimos logo.

Nesse escritório enviámos um telex para Portugal, para Luís Nascimento Silva. Do lado de Portugal, o triquitar do telex respondeu que andavam há quinze dias a tentar saber notícias de nós. As notícias deixaram a família descansada, mas a jornada ainda tinha muito pela frente. De nova Lisboa até Windhoek tínhamos feito cerca de 1.800Km.

Ao passarmos por uma rua de Windhoek vimos uma pequena empresa de exportação de peles de caraculo que tinha as portas abertas para arejar as bonitas peles estendidas em tabuleiros de madeira. Entrámos, conversámos e perguntámos qual seria a maneira mais económica de despacharmos as viaturas para Portugal. A informação dada com simpatia, sugeriu que fossemos procurar um despachante a Walvis Bay.

Assim com os três carros subimos de novo a Osona onde tomámos a direcção de Karib, Arandis, Swakopmund e Walvis Bay. Atravessámos uma zona contígua ao deserto da Namíbia e não posso deixar de salientar a beleza da vegetação, dos animais que vimos. De vez em quando lá estava a Welvitchia-Mirabilis, planta do deserto da Namíbia, a encher com a sua beleza uma terra vermelha e seca como é a terra Africana.

Lembro-me, sobretudo das pequenas vilas onde, apesar da escassez de água, haviam sempre bonitos jardins, das grandes salinas em Walvis Bay e de muitas gaivotas voando junto ao mar. Walvis Bay está situada a cerca de 500km a norte da fronteira da África do Sul. Walvis Bay, (do Afrikaans Walvisbaai, ou seja, Baía das Baleias), é uma importante cidade portuária da Namíbia.

Descoberta em 1487 por Bartolomeu Dias que a denominou "Golfo de Santa Maria da Conceição". A região não foi reclamada para a coroa portuguesa. Walvis Bay, é um porto de águas profundas e comercialmente muito importante, é também um paraíso onde habitam cerca de 100 mil aves marinhas: - gaivotas, flamingos e saracuras.
Ficámos num hotel em Walvis Bay nesse fim-de-semana, e, na segunda-feira despachámos o BMW e o FIAT para Valência no Sul de Espanha.
Em Outubro de 1975 fomos buscar os dois carros a Espanha, eu e o João Martins (Jota).

Regressámos de novo a Windhoek, agora num só carro cheio de bagagem. Contactámos a Luftanza a fim de arranjarmos voo para Portugal. Tínhamos bilhetes da T.A.P. mas fomos informados que não davam para viajar na Luftanza. Assim, com o pequeno e velho Datsun 1200, resolvemos fazer mais 1971 Km para Johannesburg.

Estávamos já na Zona Temperada do Sul, tínhamos atravessado o trópico de Capricórnio um pouco a sul da fronteira do BOTSWAMA e, embora os dias fossem quentes, as noites eram frias e com temperaturas negativas. Ao tempo havia uma crise energética e as gasolineiras somente vendiam combustível das 07H00 até às 18H00. Eram proibidos depósitos suplementares e assim não podíamos caminhar dia e noite. O carro gastava pouco, mas o caminho era longo. Passámos por Mariental, Asab, Keetmanshoop, Marubis, Grunau, Karasburg, Upington, e, finalmente Johannesburg.

No primeiro dia desta caminhada chegámos à noite, penso que a Karasburg e todos os Hotéis estavam repletos. Ficámos no carro, não havia gasolina e fazia muito frio. A meio da noite entrei no Hotel e serviram-nos café quente. Estivemos lá até às 07H00 altura em que abriram as gasolineiras. Foi muito simpático o funcionário de cor do turno da noite daquele Hotel.

A paisagem da extensa caminhada de cerca de 1971 Km era diversa e havia pouco trânsito. Estávamos na época seca. Lembro-me de muita vedação de arame farpado à beira da estrada e muito gado bovino em regime de pastorícia. Aquele país transpirava riqueza e fartura, era realmente um espanto ver tanta comida à solta.

Ao chegarmos a Johannesburg, hospedámo-nos num Hotel de Portugueses na parte alta da cidade. Aproveitámos para conhecer um pouco da cidade com as ruas numeradas como New York. Por ali estivemos alguns dias até embarcarmos para Portugal na TAP com escala em Luanda. O aeroporto de Luanda estava muito degradado, uma tristeza, mas chegámos a Portugal sem problemas.

De Janeiro de 1975 a fins de Agosto do mesmo ano, analisando tudo a uma grande distância, tivemos todos muita sorte. Penso que Deus e o Anjo da Guarda estiveram sempre connosco. Obrigado. Estou a corrigir este documento na data de 2008-10-30. Nas notícias desta manhã, ouvi sobre mais uma crise humanitária no Congo. Milhares de refugiados fogem da guerra.

Regressei com o João Martins a Angola em 1990. Estivemos em Luanda e no Huambo onde visitámos as casas onde vivemos e a Fábrica que construímos. O que vimos ficará para mais tarde.

Passaram mais de trinta anos. Tudo ou quase tudo ficou na memória. Para um melhor rigor sobre a distância percorrida, pedi auxílio à Universidade da Namíbia que gentilmente me forneceu tudo o que necessitei. Para uma maior precisão consultei os mapas do GOOGLE que reconfirmaram as minhas anotações.

Não quero deixar de prestar uma homenagem à Namíbia que é um País maravilhoso. Tem uma costa Atlântica de mar perigoso com muitos recursos pesqueiros, onde, também tem fama pela negativa a Costa dos Esqueletos, (Skeleton Coast). Tem ainda muitos minerais, sendo a maior riqueza os diamantes, existem alguns parques naturais para a vida Selvagem que, felizmente, hoje vimos através de programas televisivos. Tem uma área de 824.790,00 Km2, quase 10 vezes maior que Portugal. Não obstante a sua dimensão, a capital Windhoek, tem cerca de 161.000 habitantes e a sua população é de cerca de 1.648.270 habitantes.

Muito pouca gente para tão grande espaço. Windhoek era na data uma cidade com muitas características Alemãs. Windhoek, era, e ainda é, a capital administrativa do Sudoeste Africano, hoje Namíbia. É uma cidade do interior a cerca de 300km da costa Atlântica. Situada num bonito vale, foi fundada em 1890 e foi quartel-general do exército Alemão na primeira guerra Mundial.

Luís Alberto Fernandes Achega
[30-11-2008]

DAQUI

sábado, 28 de abril de 2012

ADEUS ANGOLA NOSSA


Outro testemunho:
 
Esta página tem por finalidade, transmitir às novas gerações,  momentos vividos por mim e familiares para que o que passamos, não caia no esquecimento.

Adeus Angola nossa
Às seis horas do dia seis de Setembro – sábado – em caravana de umas 300 viaturas, escoltada por 30 militares, arrancamos do Lubango rumo à África do Sul. Percorridos 380 km, sem problemas, às 17 horas atravessamos a fronteira de Santa Clara. Aguardava-nos um grupo de militares sul-africanos com colchões, cobertores, alimentos em conserva, água, refrigerantes e, até, uns cubos combustíveis para amornar os enlatados. Pernoitamos ao relento. Não fazia frio.
Às onze horas do dia seguinte – com feijão ao lume para o almoço – chega uma ordem de partida para Oshakati. Todas as viaturas foram reabastecidas (de graça) até à boca. A deslocação durou umas duas horas. Em Oshakati fomos “instalados” num campo próximo do hospital missionário, preparado para a situação, com algumas tendas, água encanada, latrinas e balneários. Com lenha à mão, o feijão volta ao lume. Cozido e apurado, foi servido como almoço/jantar.
No dia seguinte, de manhã, as autoridades, por altifalante, ordenam a formação em fila para registo dos refugiados e vacinação. Terminadas estas formalidades as autoridades solicitam – sob aviso de inspeção – a entrega de armas, drogas e literatura pornográfica; e diamantes a enviarem para classificação em Pretória e posterior pagamento de oitenta por cento do seu valor. Aos portadores de café, se desejassem vendê-lo, ser-lhes-ia passado um salvo-conduto para todo território sul-africano. Por fim foi-nos dada liberdade para exposição e venda (sem encargos) dos artigos que conseguimos transportar (salvados!).
Ali vendemos duas viaturas, uma moto, frigoríficos, máquinas de costura, fogões, louças, porcelanas, talheres e mais artigos. Tudo por um quinto dos justos valores.
Na tarde do dia nove somos avisados da partida no dia seguinte para o campo de Grootfontein, a 300 km.
A nosso pedido, por conveniência – em troca de umas garrafas de whisky – foi-nos permitido permanecer mais um dia no campo. Assim, o nosso grupo, agora em quatro viaturas, partiu isolado. Eram onze horas – onze de Setembro de 1975. Percorridos uns 100 km parte-se o veio da bomba de injecção da Bedford, sendo levada a reboque. Obrigados a marcha vagarosa passamos a noite, ao relento, em Tsumeb. Alcançamos o campo de Grootfontein às catorze horas do dia doze.
Ficamos todos alojados em tendas militares, com colchões e cobertores de sobra. Existiam balneários e latrinas suficientes, apesar dos estragos causados, por malvadez, pela leva – mais numerosa – que nos antecedeu.
Campo de refugiados em Groodfontein
Funcionava um serviço de pequeno-almoço e almoço. Porque era sempre a mesma “ementa” (carne de vaca com ervilhas) e mal confeccionada, passamos à cozinha própria, até para consumir a grande quantidade de provisões levadas de Angola.
Em tenda própria funcionava um serviço de assistência médica prestada pelo Dr. David Parson, filho do já referido Dr. Parson do hospital do Bongo.
Cerca de uma semana após a nossa chegada ao campo, o nosso grupo divide-se: Camilo, Adelaide, sete filhos com idades entre um e treze anos, em transporte rodoviário ocasional, partem para Windhoek; e dali, de comboio, até Johanesburgo munidos das passagens de avião, compradas em Angola, com destino ao Brasil.
Nos finais de Setembro o Dr. David anuncia a possibilidade de emigração dos refugiados no campo para os E.U.A., com transporte aéreo gratuito, através de uma instituição americana. Só seriam aceites inscrições de pessoas com os passaportes válidos.
A notícia despertou certa euforia. Como nem todos possuíam passaporte, por solicitação dirigida ao Cônsul de Portugal em Windhoek, este fez deslocar um funcionário ao campo a fim de formalizar a emissão dos passaportes. O meu, tem o número 278/75; o da Lucília, 282/75, emitidos em 3 de Outubro de 1975, assinados pelo Cônsul Carlos E. de Sousa Aragão.
Tantas voltas para nada. Efectuou-se apenas um voo. Explicações: insuficiência de fundos!...
  Grootfontein. – Sítio árido, sol escaldante. Foi ali, numa tarde da primeira quinzena de Outubro, por carta de Maria Andrade para a Amélia, por intermédio duma prima em Lisboa, chegou a dolorosa notícia do falecimento do Pai, Avô, Bisavô, Irmão, Sogro aos que, uns dias atrás, o haviam visitado em sinal de despedida, agora tão distantes!
Campo de refugiados em Groodfontein
Os dias foram passando. Monótonos. Tórridos de sol a sol; frios durante a noite. No exterior da vedação mais de uma centena de vários tipos de viaturas estacionadas. Umas com as cargas de origem; outras vazias. No campo de Windhoek a situação era idêntica. Os seus proprietários – alguns já em Portugal – a vende-las por valores humilhantes preferiram abandona-las.
As autoridades sul-africanas não prometiam o embarque destas para Portugal; e da parte do governo português, nem sinais. Assim, a aproximar-se a hora da nossa “repatriação”, acabamos por “vender” as quatro viaturas por cerca de 50 contos. E, por muito favor, l000 litros de combustível e 500 de óleo por 5 contos.
De pasmar: nas vésperas da devolução do campo todas as viaturas abandonadas foram recolhidas para um recinto vedado; e no decorrer de 1976, tal como haviam sido abandonadas, despachadas para Portugal e entregues aos seus donos.
No dia 22 de Outubro é anunciada a nossa partida. Nessa noite, militares e alguns residentes da cidade, honraram-nos com uma festa de despedida, no recinto de jogos desportivos, com grupo musical.
No dia 23, os nossos pertences, devidamente rotulados, são transportados para a estação do comboio; e, de seguida, as pessoas: acomodadas, por agregado, em cabines com beliches de acordo com o número de indivíduos. Coube-nos a cabina 21, onde encontramos latas de conservas, fruta natural e bebidas. Ao meio-dia em ponto, ouve-se o silvar do comboio. Em toda a sua extensão, o acenar de muita gente, entre esta um Padre a dar-nos a sua bênção. Bem – hajam! Adeus Grootfontein!
Partida do campo de refugiados de Groodfontein para a estação de comboios.
 
Os poucos que ficaram no campo – entre estes o Zeca, Amélia e filhas – foram enviados para Johanesburgo, e dali, de avião, para Portugal.
Cerca das l7 horas o comboio pára na estação de Otchivarongo, para atrelagem doutras carruagens com mais gente proveniente do campo de Windhoek. Retomada a marcha, sem paragens, às 8 horas do dia 24, ouve-se o chiar dos travões a anunciar o fim da viagem e da linha-férrea. Estávamos no porto de Walvis Bay.
Sob denso nevoeiro, 1500 (?) desafortunados, em fila, vão sendo transferidos para bordo dum navio de cruzeiro, fretado pela África do Sul. A operação, cuidadosamente controlada pelas duas partes – autoridade sul-africana e tripulação do navio –, demorou umas duas horas. Foi respeitada a atribuição de camarotes e beliches de acordo com a praticada no comboio. Calhou-nos o camarote 21. Foi servido almoço e jantar no navio, ainda ancorado.
Dormimos bem. Seriam seis horas, dia 25, quando nos apercebemos que o “Oceanic”, de Taiwan, já havia levantado ferro. Cumpria a sua terceira e última viagem: numa missão sem nome.
ADEUS ÁFRICA!
barco copy
Oceanic Independence, o navio que nos trouxe para Portugal.
A bordo, em gabinete adequado ao seu trabalho, encontrava-se uma funcionária do Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais – IARN, de nome Lígia. A sua missão consistia no contacto com as famílias nucleares e indivíduos solitários – constantes da relação em sua posse – para efeitos, se necessário, de alojamento em Portugal.
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Às 8 horas da manhã do dia 7 de Novembro o majestoso transatlântico “Oceanic” entra na barra do Tejo. Às l0 horas atraca no Cais da Rocha, Lisboa. É colocada a escada para o desembarque. Mas tal não acontece. A “mando”duma comissão, previamente constituída – apoiada por todos –, o desembarque só teria lugar mediante a troca dos escudos “coloniais” por escudos portugueses. O refeitório, servido o pequeno-almoço, foi encerrado. Mesmo num entra e sai da funcionária do IARN para atender à situação, manteve-se o impasse. Ante tal momento, foram distribuídas latas de feijão, fruta e leite.
Às 22 horas é anunciada a troca da moeda, no aeroporto. As deslocações seriam de autocarro, em grupos de 30: cabeças dos agregados familiares e solitários. Em qualquer das situações, a troca era de 5.000$00 apenas! Atendidos os dois primeiros grupos – dos quais fiz parte – as operações foram suspensas.
No aeroporto, pelo mesmo motivo, assistia-se a uma situação confrangedora: na zona das chegadas, gente deitada no chão, enquanto os mais fortes, revoltados, mantinham-se firmes.
No dia 8 foram distribuídas pelo IARN senhas individuais de almoço, servidos pelos restaurantes próximos do cais.
Com a tripulação do navio a dar sinais de impaciência, a meio da tarde os passageiros espalham-se pelas varandas e convés com gestos de manifesto protesto. Depois dum constante sobe e desce, é retomada a troca de moeda no aeroporto. A comissão recusa mais deslocações. Exige que a operação fosse efectuada no navio. Quase de imediato entram dois “bancários”, com suas maletas, acompanhados por funcionários do IARN. Terminadas as transações, o pessoal abandona o navio. E, de seguida, descarregadas as bagagens, atiradas brutalmente para o chão pelos malvados estivadores.
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De rol nas mãos, os funcionários do IARN fazem a chamada e em simultâneo a separação em grupos – de antemão selecionados – para diversos locais de alojamento. Calhou-nos o Grande Hotel da Figueira da Foz. Onde, acompanhados pela S.ª Lígia, chegamos já próximo da meia-noite. Distribuídos os quartos – coube-nos o 421 –, mesmo àquela hora tardia, foi-nos servida, nos aposentos, uma merenda.
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Desgraça nossa: estávamos em Portugal; num Portugal sem rei nem roque… Em Angola, éramos cidadãos portugueses; da fronteira de Santa Clara ao porto de Walvis Bay, refugiados portugueses; em Portugal, apátridas! Os Bilhetes de Identidade de Cidadão Nacional, encimados com a distinção “R E P Ú B L I C A   P O R T U G U E S A” passaram a imprestáveis; nem sequer aceites para transcrição e posterior emissão dum novo B.I. de Cidadão Nacional. Para o efeito, era exigida a certidão de nascimento e a dum ascendente português constante na certidão. Em certos casos difícil e noutros impossíveis de satisfazer: daí o arrastar dos processos durante muitos anos e, até, esquecidos!
Do execrável e enganoso Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais – covil de ladrões – só a palavra retorno produziu efeito: enriqueceu o vocabulário com o douto adjetivo:
RETORNADO!... 
Texto de Jorge da Conceição Rodrigues
 
«A incompreensão do presente nasce fatalmente
da ignorância do passado".

Marc Bloch
Retirado DAQUI: http://sandularte.blogspot.pt/2010/11/adeus-angola-nossa_20.html

sábado, 21 de abril de 2012

A escrita da ruína de Dulce Maria Cardoso








Atração da Flip este ano, a portuguesa lança no Brasil o aclamado romance ‘O retorno’, sobre as perdas de uma família que, como a sua, foi obrigada a deixar Angola em 1975
 
O Rui da infância de Dulce Maria Cardoso teve os dois irmãos assassinados durante a guerra de independência de Angola, os nomes citados entre os desaparecidos que todas as noites a rádio listava antes da novela “Simplesmente Maria”. O Rui da literatura de Dulce Maria Cardoso imaginava se o pai, que ficara em Luanda e do qual não tinha notícias, estaria um dia naquela lista que sua irmã ouvia impacientemente todas as noites, antes de “Simplesmente Maria”, na sala de convívio de um hotel cinco estrelas em Estoril, Portugal. O Rui da literatura foi batizado em homenagem ao Rui da infância da escritora portuguesa, que, depois de viver dos 6 meses aos quase 11 anos em Angola, foi obrigada — ela e meio milhão de moradores das colônias de Portugal — a voltar para uma terra onde praticamente não havia estado. Era 1975, fim da guerra de independência de Angola, e uma nova guerra civil estava por vir. Foi nessa época que, a inventar histórias para fazer a vida mais suportável, Dulce decidiu que um dia seria escritora.

Seu Rui inventado tem 15 anos e é o narrador de “O retorno”. O romance, celebrado por jornais de Portugal como um dos melhores de 2011, chega ao Brasil no fim deste mês pela Tinta-da-china, editora portuguesa que acaba de aportar por aqui, e que em junho lançará “Os meus sentimentos”, também de Dulce. A autora, que no início de julho participará da décima edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), sempre soube que um dia escreveria sobre a experiência de “retornada”, mas não queria que seus leitores fossem como “aquelas pessoas que abrandam para verem um acidente e se emocionarem”. Após uma antologia de contos e três romances — o primeiro, “Campo de sangue”, foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras — ela achou as palavras.

— Costumo dizer que me tornei escritora por causa dos acontecimentos que narro neste livro, mas não queria utilizar essa matéria sem mais. Demorei muito tempo até encontrar uma proposta de reflexão sobre o que ocorreu. E a proposta foi um livro sobre a perda e sobre todas as fases que uma perda tem — conta Dulce, por telefone, de Lisboa.


“Rui é o imperativo do verbo ruir”

Rui perde a casa com roseira, a cadela Pirata, as pitangas e o mar quente, as roupas coloridas, os amigos que vão para o Brasil e a África do Sul. E o pai, que não sabe se volta. Rui ganha o crepúsculo sem fim, um mar tão azul porém gelado, um casaco branco e largo para suportar o frio de sangrar os lábios e o estigma de retornado, compartilhado com outros que vivem um tanto amontoados, fazendo filas para comer, num hotel cinco estrelas pago pelo Instituto de Apoio ao Retorno dos Nacionais. Ali — “o império estava ali, naquela sala, um império cansado, a precisar de casa e de comida, um império derrotado e humilhado, um império de que ninguém queria saber” — fica à espera de outra vida por mais de um ano, dormindo com a irmã e a mãe e repetindo, para ver se acredita: “um quarto pode ser uma casa e este quarto e esta varanda de onde se vê o mar é a nossa casa”:

— Quando estava a escrever percebi que Rui é o imperativo do verbo ruir. Esse era o nome certo. Porque o que eu assisti foi o império ruir. Eu assisti ao monstro em seu movimento de queda final. 


Escritora vê seu país sem rumos e cria protagonista adolescente como alguém capaz de redefinir o futuro

Dulce Maria Cardoso nega que tenha escolhido um personagem masculino para fugir do tom autobiográfico. Sabia que de todo modo se procurariam as semelhanças entre o romance e sua própria história — como acontece mesmo quando não há relação alguma. Além de ter crescido “assombrada” pela história do Rui de sua infância — que reencontrou há pouco tempo, por conta de uma entrevista na televisão —, era para ela um desafio pensar na diferença de gênero, que é mais marcante na adolescência, sobretudo quase 40 anos atrás.

O narrador adolescente ainda lhe servia ao propósito de pensar na possibilidade de reconstrução do que ruiu. Rui vai buscando palavras para os silêncios a sua volta, como os da doença da mãe e da ausência do pai. Angola é “lá”, Portugal é “cá”, e a política e a guerra que estão por trás de todas as mudanças em sua vida são “isto”. “Desde que isto começou”, repete o narrador.

— Os países em crise ou em convulsões são como os adolescentes, podem redefinir o que querem para seu futuro. E portanto um país em crise como Portugal foi em 1975, e como infelizmente está a ser outra vez agora, é um país sempre adolescente, porque pode fazer escolhas, haja vontade e sabedoria suficientes, o que neste caso parece não ter havido — afirma Dulce, com uma amargura recorrente em relação à história de Portugal. — Nunca exorcizamos o império. Não pensamos sobre o que fomos, estamos quase sem referências, então dificilmente sabemos do nosso lugar no futuro.

Brasil como lugar mítico, na vida e no romance
Dulce passou muito tempo assim, sem saber de seu lugar no futuro. Saiu de Angola na ponte aérea que durou até 11 de novembro de 1975, dia da independência, para viver com os avós de que não tinha memória em Trás-os-Montes, região onde nascera, no Norte de Portugal. Depois viveu dois anos com os pais, a irmã e outros retornados num hotel em Estoril. Não tem como saber se teria se tornado uma escritora fosse outra sua história, mas acredita que não.

— A realidade foi se tornando insuportável, principalmente porque Trás-os-Montes em 1975 era uma coisa terrível em termos de isolamento. E para mim não foi só perder os amigos, o clima, todos os sabores que eu conhecia. Foi também perder a própria família nuclear — conta. — Eu tornei-me a minha primeira personagem, porque comecei a inventar histórias para meu dia a dia como se estivesse a viver aventuras. Era a única maneira de a realidade me ser suportável. Aprendi a construir personagens sendo eu a primeira, e depois percebi essa coisa maravilhosa de que as histórias iam comigo para todo lado.

Sem livros em casa, Dulce não sabia como dar forma àquelas histórias. Matriculou-se num curso de datilografia, ao lado de senhoras que queriam ser secretárias, e continuou sem saber. Então passou a frequentar bibliotecas, escolhia os livros mais grossos para não ter que ir e voltar a toda hora, e lendo “de forma caótica” descobriu Dostoiévski e estremeceu com “Madame Bovary”, imaginando se aquele enredo poderia acontecer com sua mãe e sua tia. Só depois de se formar em Direito e trabalhar cinco anos como advogada, porém, ela passou a se dedicar inteiramente à escrita.

— Sou uma improbabilidade — brinca.

Bolsas e prêmios aos poucos mudaram as probabilidades. Grande parte de “O retorno” foi escrito com uma bolsa na Alemanha. Quando voltou a Portugal, diz Dulce, o país já estava sob intervenções econômicas, e foi uma coincidência lançar um livro que fala do fim do império português justo no “fim do ciclo do sonho europeu”. Ao falar da descolonização, ela conta uma história que não costuma ser conhecida. Dulce volta e meia recebe mensagens de portugueses que nunca souberam das mais de meio milhão de pessoas que tiveram que sair das colônias de Portugal — de Moçambique, diz ela, houve retornados que já viviam lá havia três gerações.

Nem lá nem cá, os retornados eram vistos como exploradores pelos angolanos e como portugueses de segunda categoria pelos da metrópole. Alguns apoiavam a independência do “povo oprimido por cinco séculos”, como diz no livro o tio de Rui, outros consideravam os soldados portugueses traidores, mas todos, de forma geral, faziam de si mesmos uma brutal diferenciação com “os pretos”.

— Se há racismo em Lisboa em 2012, como se pode pensar que em 1975 não havia? Era uma colônia, e portanto havia uma situação desequilibrada de poder. E todos os racismos partem acima de tudo de um grande desequilíbrio. Não era ostensivo como na África do Sul, mas havia um racismo que ainda hoje há, e que talvez seja o mais difícil de combater, que é o racismo de oportunidades — diz Dulce, ressaltando que seu objetivo nunca foi prestar contas, até porque está muito mais preocupada com os racismos e exclusões de hoje do que com os de 1975, com os fins de hoje em Portugal do que com o fim do império.

Naquele tempo de infância, quando o frio de Portugal e as saudades de casa apertavam, Dulce sonhava que sua família poderia ir para o Brasil. No livro, o país aparece como esse espaço de sonho, que ela realizou ao vir ao Rio na Bienal de 2005. Volta em julho a Paraty, ainda com uma ideia mítica de país à sua frente, de um lugar onde “está tudo ainda a acontecer”, enquanto Portugal se mantém “no canto da Europa, sempre a empurrar o horizonte”.

— Toda gente achava que o Brasil era uma repetição do que tínhamos perdido, por causa do clima, da maneira de ser... Depois o Brasil veio a ter conosco através das novelas, por um tempo o Brasil tinha uma grande importância, era muito bem visto e popular por aqui. Infelizmente depois, quando começou a imigração brasileira... já não é tanto — observa.

A Angola, nunca mais voltou:

— Infelizmente, e isso é uma marca do nosso processo de descolonização, Angola ficou entregue a uma guerra civil terrível, que agora já acabou, mas ficou com um regime que não é confiável... O regime angolano faz com que eu não volte lá.  DAQUI

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Tomar: Retornados de Moçambique querem ser ressarcidos


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Sete portugueses que regressaram de Moçambique após a independência querem que o Estado português lhes pague juros pelo tempo que demorou a restituir-lhes as quantias que haviam depositado nos consulados e que devolva os emolumentos e acréscimos que pagaram.

O processo, que entrou no Tribunal de Tomar em Abril de 2000, tem sexta-feira a sessão de audiência destinada às alegações finais das partes. Na sequência da independência de Moçambique e da eclosão da guerra civil, os queixosos depositaram, em 1976, dinheiro nos Consulados de Portugal em Maputo e na Beira (num total de cerca de 3,1 mil contos, 15,5 mil euros), com a promessa de que esses montantes lhes seriam devolvidos a breve prazo já em Portugal.
Contudo, já em Portugal, e apesar de sucessivas solicitações no sentido de reaverem o dinheiro com que poderiam refazer as suas vidas, o Estado apenas reembolsou as quantias depositadas nos Consulados 20 anos depois (nos anos de 1995 e 1996), sem ter em conta a depreciação do escudo nesse período, alegam os queixosos no processo.
«O valor aquisitivo dos montantes que o Estado se propôs a pagar era mais de 15 vezes inferior ao valor aquisitivo ao tempo do depósito», afirmam na acção.
Os sete queixosos consideram que o Estado devia restituir os emolumentos pagos, as quantias depositadas e os juros vencidos e que, ao não o fazer, entrou em mora, que «constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor».
O Estado alega que quando restituiu as quantias aos autores da queixa, estes renunciaram à indemnização pelos juros de mora.
Contudo, essa renúncia foi feita por simples documento particular e não por escritura pública.
A acção que corre no Tribunal de Tomar, encaminhada para os mandatários pela Associação de Espoliados de Moçambique, pede, nomeadamente, que sejam declarados nulos, por carecerem de forma legalmente prescrita, os contratos que os autores celebraram com o réu, bem como as posteriores renúncias aos juros.
Pede ainda que o Estado seja condenado a pagar os juros legais de mora vencidos desde a data da interpelação até à data da devolução dos montantes depositados, da ordem dos 11 mil contos (55,4 mil euros), bem como 60,5 mil contos (cerca de 302 mil euros) de emolumentos e acréscimos.
Os autores pedem igualmente uma indemnização por danos morais e patrimoniais devido ao não cumprimento atempado da obrigação de restituição dos depósitos.
O valor total da acção ronda os 71,6 mil contos (cerca de 358 mil euros).
Na contestação, o Estado alega que restituiu as quantias depositadas, que os queixosos estavam devidamente alertados no momento em que assinaram a declaração de que mais nada tinham a receber ou a reclamar e que eventuais juros terão prescrito.
Num processo semelhante a este, que correu em 2006 na 4ª Vara Cível de Lisboa, o Estado foi condenado a pagar 17 vezes o valor do depósito consular efectuado por um queixoso, sentença confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas a juíza do processo que corre em Tomar indeferiu o pedido de junção destas decisões judiciais.
Diário Digital / Lusa

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Gente da Gabela de outros tempos - Escolas : Liceu Pedro Alexandrino da Cunha


Para quem se reconhecer, tirado
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«FUGI DE ANGOLA PELO DESERTO»

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Eusébio Francisco Gomes tornou-se, em 1975, num dos protagonistas daquela que foi uma das mais míticas fugas à guerra civil angolana. Ao todo, demorou mais de um mês para percorrer cerca de mil quilómetros – sempre sob a égide da fome, da sede, do frio e do calor. Viveu na Costa da Caparica e reside hoje em Évora. Mas, embora se sinta mais português do que muitos, garante que voltaria a Angola “nem que fosse para varrer ruas”. Eis a história de uma autêntica odisseia.
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«VOLTEI DE ANGOLA NUMA TRAINEIRA»


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No dia em que devia embarcar no navio Uíge, fugido às perseguições aos brancos de Luanda, Florindo Bota mudou de ideias: pegou no seu pequeno barco de pesca e voltou a Portugal pelos próprios meios. Passou 33 dias no mar, dos quais 31 em rota, lutando contra os temporais e a iliteracia. Foi pescador até ao fim – e até quase ao fim trabalhou na mesma traineira que trouxe de África. E, quando se tratou de comprar uma nova embarcação, deu-lhe o mesmo nome: “Marlene” – o nome do barco que lhe dera a liberdade e o sustento.
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Retornados, Espoliados: Uma ferida com 35 anos ...



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Sol 26.02.2010a Sol 26.02.2010c




O drama dos portugueses espoliados em Moçambique será lembrado a José Sócrates quando chegar a Maputo, na 4ª feira Será recebido por um grupo que só pede o cumprimento de uma lei de l977: o direito à indemnização


Sol 26.02.2010b








JOSÉ Sócrates visita Mo­çambique de 3 a 5 de Mar­ço. O gabinete do primeiro-ministro adiantou que o programa ainda está a ser preparado, mas terá uma grande componente económica. O que não está na agenda é o encontro, à chegada, com um grupo de portugueses. Ângela Ser­ras Pires e Luís Oliveira são duas das pessoas que pedirão para ser ouvidas por Sócrates, reabrindo uma ferida com 35 anos: as perdas dos portugueses aquando da independência de Moçambique (em 25 de Junho de 1975).

JOSÉ Sócrates visita Mo­çambique de 3 a 5 de Mar­ço. O gabinete do primeiro-ministro adiantou que o programa ainda está a ser preparado, mas terá uma grande componente económica. O que não está na agenda é o encontro, à chegada, com um grupo de portugueses. Ângela Ser­ras Pires e Luís Oliveira são duas das pessoas que pedirão para ser ouvidas por Sócrates, reabrindo uma ferida com 35 anos: as perdas dos portugueses aquando da independência de Moçambique (em 25 de Junho de 1975)

No aeroporto, erguerão um cartaz e tentarão pedir ao embaixador português, Mário Godinho de Matos, uma audiência com o primeiro-ministro. Ao SOL, poucos quiseram falar. O segredo é a estratégia para não perder tudo, de novo.
«As pessoas ainda têm muito medo, sofreram e perderam muito na in­dependência. Toda a gen­te tentou reaver o que ti­nha, e ninguém conse­guiu», explica Ângela.
«Eu quero que ele dê 50 ou 100 milhões de dóla­res a quem perdeu tudo. Portugal já investiu tan­to aqui, já deu tanto a Moçambique em doa­ções, que, pelo menos, podia dar alguma coisa a quem também construiu este país e perdeu tudo. Já que não fizeram nada, que mostrem alguma di­gnidade e dêem algum di­nheiro a essas pessoas». Ângela não teme dar a cara. Foi a única da família a não ver uma Moçambique, e deve-lhes a coerência de dizer a verda­de até ao fim. Lucinda Fei­jão, sua tia, foi uma das fun­dadoras da Renamo e os Serras Pires têm o pior ca­rimbo para a Frelimo, sem­pre no poder desde a inde­pendência.

Lei impõe indemnização
Ângela chegou a Portugal com 13 anos, em 1975, entre 170 mil oriundos de Mo­çambique na altura da des­colonização. Da cidade da Beira, onde nascera, viu-se num país estranho. Para trás, a família deixava um enorme espólio. Entre em­presas e casas, havia a Quinta do Guro, ao pé da cidade de Tete, com uma estalagem, uma bomba de gasolina, plantações, uma escola. «Nós tínhamos consciência de que iam ficar com tudo, mas achávamos que seriam os criados. As pessoas es­tavam em pânico, dizia-se que os portugueses eram todos uns fascis­tas». Foi tudo nacionaliza­do, menos as cantinas, uma espécie de pequenas lojas que vendiam de tudo no meio do mato. Essas, Ângela viu serem nacio­nalizadas em 1996, quan­do passava férias em Mo­çambique, antes de aqui se radicar em definitivo. «Há uns dez anos, o meu pai foi à quinta do Guro, e estavam lá a viver 60 mil pessoas. As pes­soas fizeram-lhe uma grande festa, pediram-lhe para voltar, mas es­tava tudo destruído. E pensar que tudo come­çara com uma palhota que o meu avô fez». Em 1977, as indemnizações aos ex-titulares de direitos sobre bens na­cionalizados ou expro­priados foram salvaguar­dadas na lei n.° 80/77. Diz que «do direito à pro­priedade privada, re­conhecido pela Consti­tuição, decorre que, fora dos casos expres­samente previstos na Constituição, toda a na­cionalização ou expro­priação apenas poderá ser efectuada mediante o pagamento de justa indemnização».

É aqui que reside a espe­rança de Luís Oliveira, de 39 anos. Numa lei que nun­ca foi posta em prática.

A viver em Moçambi­que há dois anos, está a concretizar um sonho de menino. Já em Portugal, onde chegara com qua­tro anos, passara a in­fância a ouvir histórias deste país, de como era a vida aqui, do que aqui fora deixado. Hoje traba­lha em Maputo como informático.
A sua história começa no século XIX, com a vinda dos bisavós. Oliveira, que trou­xe consigo toda a papelada do que seria seu, mostra a casa da Rua Tchamba que pertencia aos avós mater­nos, a residência da Aveni­da Salvador Allende, dos avós paternos. Pelo cami­nho, conta que a família saiu do país a medo, num tempo em que havia pres­são sobre os brancos para se irem embora. O pai, à pressa, seguiu os conselhos do Governo português e de­positou dinheiro no consu­lado português. «Chamavam-lhes os depósitos consulares. Deixava-se aqui e levantava-se em Portugal. O meu avô aca­bou por receber esse di­nheiro, quase 20 anos mais tarde, através do Mi­nistério dos Negócios Es­trangeiros, mas sem a ac­tualização da moeda. Uma ninharia».
Em Portugal, sem di­nheiro, nem bens, os avós de Luís foram obrigados a viver no lar de Santa Joana, no Lumiar.
«Ainda não tentei rea­ver o que era da minha família, mas essas casas já são de outras pessoas e tenho medo de arranjar problemas com os no­vos donos». Embora já te­nha pedido nacionalidade moçambicana, Luís ainda espera pelos papéis, e, en­quanto estrangeiro, prefe­re não levantar pó. Admi­te que houve quem voltas­se a comprar o que era seu antes da independência, outros que ameaçaram os actuais donos a largarem as casas, mas não tem di­nheiro, nem feitio para isso. «Não espero nada da vinda de Sócrates cá, mas acho isto tudo mui­to injusto, porque nós éramos portugueses e ninguém nos protegeu. Tudo o que o meu avô fez, deixou aqui, foi uma vida inteira...»

Não há lágrimas ou se­quer nostalgia nas palavras de Luís. Mas sentimento de revolta. «A culpa disto tudo é do Governo portu­guês, não temos de pedir seja o que for ao Gover­no moçambicano. Se na altura Portugal negociou Cahora Bassa, podia ter negociado também as propriedades dos portu­gueses. E temos a lei de 1977, Portugal comprometeu-se!». Já antes desta, o decreto-lei n.° 203/74 di­zia que os bens dos repa­triados portugueses se­riam acautelados. Mas os acordos de Lusaca, que marcaram a independên­cia de Moçambique, assi­nados entre o Governo português e a Frelimo, em Setembro de 1974, não pas­saram pela defesa dos inte­resses dos portugueses. Passaram-se 36 anos e a As­sociação de Espoliados de Moçambique já entregou várias petições à Assem­bleia da República portu­guesa, além de ter recorri­do aos tribunais para fazer cumprir a lei. Sem sucesso. Eduardo nasceu na Bei­ra há 51 anos. «Quando eu cheguei a Portugal, tinha 18 anos, estávamos em Novembro de 75. A me­trópole, para mim, não era nada, nunca lá tinha ido, nem um pullover ti­nha». Eduardo conta tudo como se a ferida ainda não tivesse sarado, como se ain­da tivesse 18 anos e sentisse na pele a injustiça cega, e muda. «Tínhamos de sair daqui, não havia condi­ções para criar os filhos. Tínhamos consciência de que tudo tinha acabado».
Em Portugal, Eduardo e os seus irmãos foram obri­gados a largar os estudos e começar a trabalhar. Pela primeira vez, contavam o dinheiro e temiam o futu­ro. «Nostálgico, o meu pai? Não podia, nem ti­nha tempo, havia quatro filhos para criar. Não ar­ranjou um emprego, mas um trabalho. Claro que fica uma enorme mágoa, mas a vida tem de andar para a frente quando te­mos uma família».

O pai de Eduardo, com 45 anos aquando da chegada a Portugal, não quis pedir apoio ao Instituto de Apoio ao Retornado. Também nunca pensou em escolher outra nacionalidade que não a portuguesa, embora, se tivesse optado pelo ale­mã, pudesse ter direito a uma indemnização.
Manter a história viva
Eduardo herdou o carácter do pai. «Nem quero ver Sócrates. Para quê? Vai dizer que está muito preocupado com a si­tuação e que temos ra­zão, e depois não vai fa­zer nada. Eu só quero manter a história viva, para as pessoas não se esquecerem».

Amílcar Dias tem mais de 80 anos, mas anda direi­to como se tivesse 40. É edu­cado e delicado, denun­ciando o carácter galanteador dos homens do seu tempo. Foi administrador das melhores empresas do país, e ao contrário dos ou­tros, nunca saiu de Mo­çambique. Trabalhou an­tes e depois da independência, reconheciam-lhe o saber e não o puseram de lado. Mesmo assim, ainda esteve 18 meses preso na Machava, em 1975. Quando saiu, de tudo o que a famí­lia conseguira construir ao longo da vida, restava-lhe um apartamento. «Há três meses desenvolvi uma teoria: há afro-tribalistas - africanos com um modo de vida tribalista - e há afro-europeus, que são africanos, com uma cultura europeia, que é o meu caso».
Há um ano, assistiu ao leilão dos cinemas que o pai tinha na Beira, o Olím­pia e o Palácio, que ha­viam sido nacionalizados após a independência. «Não há nostalgias, só causam lágrimas e não mudam nada». Amílcar Dias não se vai prestar a encontros com o primeiro-ministro. Diz que Só­crates, como os políticos antes dele, nunca entende­ram as colónias. «Geriam, combatiam, mandavam como se soubessem o que se passava aqui. Se tivessem desenvolvido uma classe média-alta cá, não haveria Frelimo que vencesse. E os polí­ticos do 25 de Abril fize­ram tudo mal». Dias não tem esperança de voltar a ver o que era seu, e do seu pai. O que lá vai, lá vai. È que, apesar de ter nascido e vivido sempre aqui, em Moçambique um branco é sempre estrangeiro. Mulungo é a palavra no dia­lecto changana, usado em Maputo, para branco. Quer dizer branco, patrão, pessoa erudita, uma espé­cie de deus. E mulungo não é moçambicano.

A questão da indemniza­ção não é fácil, já que, des­de Samora Machel, Mo­çambique também pede uma compensação a Por­tugal pelos 500 anos de co­lonização. Se o Governo português indemnizar os espoliados, a presidência moçambicana sentir-se-á, provavelmente, na obriga­ção de pedir satisfações. E não convém a nenhum dos lados voltar ao passado. «Sabe, a politica são ne­gócios. Não são ideais», sentencia.