sábado, 24 de novembro de 2012

ESpoliados do Ultramar: É SEMPRE TEMPO DE FALAR DOS RETORNADOS É SEMPRE HORA DE FAZER JUSTIÇA


É SEMPRE TEMPO DE FALAR DOS RETORNADOS É SEMPRE HORA DE FAZER JUSTIÇA
Meus senhores, já há muito na qualidade de "emigrante" que queria dissertar sobre os retornados (titulo honorífico posto pelos revolucionários do 25 abril) e chegou a hora ! Impulsionado por uma grande senhora LEONOR FIGUEIREDO no seu Livro : FICHEIROS SECRETOS DA DESCOLONIZAÇÃO DE ANGOLA salientando do Livro : não me lembro, de alguma vez, algum representante do Estado português,me ter convidado como familiar de um cidadão desaparecido em Angola, para qualquer evento que lamentasse estas vítimas escondidas da desolonização em Angola .

Eu tambem não !  Num dos meus poemas de uma canção digo : ERA O TEMPO DA MAGIA ÀFRICA, ERA O TEMPO DA CARÍCIA MULATA ERA O TEMPO  SEM TEMPO PRA VIVER ERA O TEMPO QUE AGORA O TEMPO QUER ESQUECER... mas enquanto for vivo lembrarei o inferno da "exemplar descolonização" as suas consequências e deixarei aos meus filhos e netos para que se faça justiça ainda que seja a titulo póstumo sobre responsáveis e criminosos pelo ostracismo de um povo que defendeu Portugal na guerra e na prosperidade de um grande País que foi Angola e que era Portugal !

MARIA DE ANGOLA,
RETORNADA ME CHAMAM
MAS VENDIDA FUI.

De Angola, não tenho apenas o nome, tenho a alma. Não tenho do mar apenas a Baía de Luanda, a ilha do Mussulo, mas o respirar rubro da floresta, o fogo do dendém.

De Angola, não tenho apenas a cor da pele, tenho a fundura da raíz sádia e fecunda, da cornucópia da abundância, não tenho apenas a flor do algodão ou do cafeeiro, tenho o fogo da terra vermelha e a luz da barragem de Cambambe.

Maria de Angola, hoje, Maria das Dores de Angola, meu nome foi devorado pela poeira dos séculos e pela má memória dos homens, a Retornada de ombro altivo, viúva de nariz adunco, triste, às sopas dos amigos e dormindo na cama das gentes.

Maria de Angola, retornada me chamam, mas vendida fui. Com os meus filhos e minha casa.
Leiloada a minha cabeça, ofereceram minha cidade onde , dias depois, começou a pairar a desolação, a morte, a miséria e os escombros.

Maria de Angola, em hasta pública   (senhores, quem mais dá, é branca, é do puto ?!) comecei a chorar de raiva , não já por mim, pelo que iriam fazer do meu corpo e dos meus olhos, mas pelos meus filhos que, na minha fecundidade lusitana de séculos, fui gerando brancos, mestiços e negros. E foi aí que alguém,  sem pudor e rindo alto, sempre cada vez mais alto, vendo-me presa e perdida pelas malhas de um pacto à beria-mar feito , me cuspiu na cara, me mordeu barbaramente o peito e, como se assim não me curvasse à intempérie dos insultos e das bofetadas que, de seguida, começaram a surdir,  de muitos lados, fui amordaçada por mãos brancas como as minhas, mas negras de ódio , vermelhas de sede de sangue.

Maria de Angola, a retornada, cada filho meu tem uma nau catrineta de dor.

Uns fugiram, sob o sol violento de estoirar as pedras, palmilhando, a pé, distâncias incalculáveis; outros lançaram-se no deserto do Sudoeste Africano, sabendo mesmo que podiam sucumbir; uns tiveram de aguentar de pé, sem tugir ou mugir, ou amarrados na selva, o nojo da violação das mulheres e das filhas; outros, sem rosto e sem ânimo, arrastando-se séculos nos matos; uns passaram mesmo as filhas para porto de salvação em caixotes de mamdeira ; outros morreram ás balas ou à catana , cínicamente em nome da liberdade, cravados na pele rugosa dos imbondeiros ;uns morreram de medo, de vergonha, de nojo por tanta covardia ; outros arremassaram-se ao mar em carcaças frágeis, de nojo de tantas promessas falsas.

Isto que lhe digo, a si, repórter, é como que uma confidência que gostaria guardasse:  (continua)


publicado por animus às 21:19 in http://actio.blogs.sapo.pt/2011/08/

 
Foto: Os Retornados do ex-Ultramar na valorização da sociedade portuguesa ANTÓNIO PIRES

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

domingo, 11 de novembro de 2012

1975, a descolonização exemplar: últimos dias no quartel de Malange...

1975: Ultimos dias no quartel de Malange...antes da partida para Nova Lisboa

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Retornados, espoliados do ultramar: O tempo dos milagres e a fábula das rãs


O tempo dos milagres e a fábula das rãs
[Legenda: Manuela do distrito de Cabinda]
Por Manuela Gonzaga
30.04.2011

 
Em Novembro de 1974 o mundo, tal como o conhecera até então, ruiu. Totalmente e por todo o lado. Tinha vindo a Portugal pôr os meus filhos bebés a bom recato, quando descobri duas coisas terríveis. Não havia caminho de regresso a África e eu estava profundamente só. Porém, e apesar de não ter muito dinheiro comigo, trazia um tesouro que, pensava, me abriria caminhos de viver. Uma pasta com artigos assinados por mim ao longo de já quase quatro anos de jornalismo, em Lourenço Marques e em Luanda [1].

Armada com as ferramentas da palavra escrita e com provas dadas de que as sabia usar, dirigi-me a um grande jornal onde, graças à intervenção de amigos consegui uma entrevista com o director. Durou escassos minutos. Com a maior secura, esse homem de quem toda a gente elogiava a generosidade e a grandeza de espírito, pediu-me uns dias para analisar o meu trabalho. Quando voltei à sua presença, não me mandou sequer sentar. Quase sem olhar para mim, devolveu-me os meus artigos e disse: “Você é demasiado nova para escrever tão bem sobre assuntos tão diversos. Nem sequer pode ter a maturidade necessária para isso."

Fiquei sem palavras, assombrada diante dele. Tinha 24 anos e ainda hoje recordo a sensação da minha cara em chamas como se tivesse sido brutalmente esbofeteada. A dor, porém, era muito pior e doeu durante muito, muito tempo. Em segundos, aquele desconhecido desvalorizava totalmente o meu adorado trabalho e arrasava a minha identidade cultural. Por puro preconceito. Pior, ao fazê-lo nos termos em que o fazia, acusava-me implicitamente, de a troco de favores –obviamente sexuais –, ter conseguido em Moçambique e em Angola quem escrevesse por mim os textos que eu assinava.

Foi nessa altura que naufraguei. O medo, um medo avassalador e irracional, tomou conta de mim. A partir daí, senti-me rodeada de estranhos e de inimigos que falavam a mesma língua que eu, só para me confundir, porque este país, onde tinha nascido e vivido até aos doze anos, e de que tinha recordações tão maravilhosas, não era, afinal, a minha pátria, pois até os que me deveriam ter dado a mão e o colo me tinham desamparado.


[Legenda: Manuela no avião em Moçamedes]

Os meses seguintes, que culminaram no abandono de um emprego na televisão, numa errância disparatada e numa vida junto das praias mais perto do contingente africano –Algarve –, ainda hoje me parecem um sonho. Os meus filhos recordam essa época como umas férias no paraíso carregando dessa aventura ilógica uma alegria que ainda hoje os habita. De certa forma, eu sabia que só assumindo a loucura me conseguiria curar dela. Nunca o quotidiano foi tão irreal como nesse tempo em que, com a simplicidade dos loucos e das crianças, eu pedia a Deus todos os dias um milagre. E todos os dias recebia um.

Julgo que foi por esta altura que me veio à cabeça uma velha fábula da infância que desde então também me acompanha. Era uma vez duas rãs que viviam numa quinta e que, de salto em salto, caíram numa vasilha de leite. Ao fim de pouco tempo, a mais velha desistiu. “Conheço os meus limites. Nunca sairemos daqui.” A mais nova nem lhe respondeu. Nadava, procurando um apoio para saltar, que nunca mais aparecia. E nadando, nadando, nadando, atravessou a noite medonha, sem pensar em mais nada a não ser na urgência de nadar.

De madrugada, um esquivo ponto de apoio surgiu sob as suas patas exaustas. Num arranque, a rã continuou a mexer-se vigorosamente, usando as últimas forças. O ponto de apoio parecia crescer. E crescer. E crescer. A certa altura, conseguiu descansar um pouco sobre ele. Era escorregadio e ela ignorava tudo a seu respeito, mas sabia que dali já podia saltar. E saltou. O dia encontrou-a aos saltos bem longe daquele pesadelo, de volta ao lago.

A rã, de tanto o fustigar com os movimentos, transformara o leite em manteiga.

Eu adoro esta história. Na verdade, durante anos e anos e anos, quando tudo o mais parecia falhar, eu recordava o tempo dos milagres e a fábula das rãs. E mantinha a convicção de que, por mais preconceitos e obstáculos que me surgissem à frente, nada nem ninguém me roubaria jamais a alegria de viver e o direito de escrever.

Não foi preciso esperar pela madrugada para voltar ao jornalismo.
Publicar livros demorou um pouco mais. Felizmente.

[1] Trabalhei no Jornal de Notícias de Lourenço Marques e na Revista Notícia de Angola, em Luanda. Ambas as publicações são consultáveis, nomeadamente na Hemeroteca de Lisboa. O trabalho que desenvolvi por essa altura, durante os anos de 1971 a 1974, também.

[Manuela Gonzaga é escritora. Licenciada e mestre em História pela Universidade Nova de Lisboa, membro do Centro de História de Além-Mar (CHAM) da UNL, publicou, entre outros, a biografia de António Variações e a de Maria Adelaide Coelho da Cunha, e uma coleção juvenil, "O Mundo de André" com a chancela do Plano Nacional de Leitura que já vai no 3º titulo. Visite o blog de Manuela Gonzaga em http://www.gonzagamanuela.blogspot.com/]


http://www.boasnoticias.pt/noticias_O-tempo-dos-milagres-e-a-f%C3%A1bula-das-r%C3%A3s_6282.html