JOSÉ ALVES DAS NEVES
1
— Toda a pessoa tem direito à propriedade individual e colectiva.
2 — Ninguém
pode, arbitrariamente, ser privado do que é seu.
Art.º 17º. da Proclamação da
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM. Da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA,
respigamos:
Art.º
7.º — Portugal rege-se nas relações internacionais pêlos princípios de independência
nacional, do respeito dos direitos do homem...
e
a seguir, no
Art.º
8.º — As normas e os princípios do direito internacional geral ou comum fazem
parte integrante do direito português.
2 — As normas constantes de convenções internacionais
regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua
publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
3 — As normas emanadas dos órgãos competentes das
organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na
ordem interna, desde que tal se encontre expressamente estabelecido nos
respectivos tratados constitutivos.
mais adiante, no
Art.º 13.º , podemos ler:
1 — Todos os cidadãos têm a mesma
dignidade social e são iguais perante a lei.
2 — Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado,
prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão
de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções
políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
Território
de origem, registe-se!...
com
o Art.º 17.º da DECLARAÇÃO DOS DIREITOS
DO HOMEM, atrás citado, e dos que se seguiram, da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
PORTUGUESA, estávamos tranquilos.
Ia haver
justiça. Talvez demorasse, mas fazia-se, concerteza.
Aqui
paramos um pouco para reflectir. Se até nos mandaram fazer declarações de bens
deixados nos locais de origem!...
Será assim?
Terão os «constituintes» pensado em
todos os portugueses?
Vamos procurar a resposta.
Art.º
20.º da nossa Constituição:
A todos é
assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos não podendo a
justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
E no Art.º
21.º — o Estado e as demais entidades
públicas são civílmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos
seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no
exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte
violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem.
Estas
citações sugerem-nos citações que retiramos do livro SANEAMENTO NACIONAL, da
autoria do ilustre Professor que hoje nos dá a honra de estar connosco, pág.
12:
«Acontece
que as centenas de milhares de portugueses que povoaram os territórios
africanos, não eram participantes do aparelho do poder que o Movimento
expulsou. Eram trabalhadores esforçados. Nem os centros de decisão lhe
pertenciam, nem os abusos eram deles.»
...e
mais adiante:
«O problema não é pois de consciência,
leve ou pesada dos que fogem, é de sinal ideológico dos que
mandam. Trata-se da fraqueza dos
homens, brancos, negros e mestiços, diante da força.»
«Não pode aceitar-se que, nestas
circunstâncias, se fale em descolonização modelar, e que por
antecipação fique assente que não há
responsáveis pelas consequências. As assinaturas postas nos
documentos de Lusaka que datam o início
do processo, não foram assinaturas de estilo.
Ningém foi coagido para querer a
qualidade de signatário. Alguns se reclamaram depois, perante o
eleitorado, de com essa intervenção
terem posto fim à guerra e trazido os soldados para casa. Ora, as
sequelas do processo também faziam,
inelutavelmente parte dos serviços alegados pêlos signatários. Não
foi de descolonização que se tratou. Os
retornados são as vítimas visíveis.”
Os
espoliados, diríamos nós.
Do mesmo modo, incluíriamos aqui o
Acordo do Alvor, cujas implicâncias foram idênticas.
Foi
o Estado Português que nomeou os signatários daqueles dois documentos que
reduziram muitos milhares de portugueses, dos melhores, à nova condição de
usufrutuários da magra pensão da segurança social, escondidos e envergonhados,
nos recônditos da sua aldeia natal.
Outros
milhares, muitos, fizeram um apelo ao resto das suas forças, causticados pêlos
calores tórridos e húmidos, pêlos cacimbos adversos, tantas vezes atolados nas
picadas encharcadas por chuvas diluvianas que tudo venceram e voltaram à luta.
Estão
espalhados pelo país fora, refazendo as suas vidas, chorando o tempo perdido,
os bens de que foram espoliados, fartos alguns, modestos os de muitos mais.
E
não os deixaram nos territórios que escolheram para residir, constituir
família, ver nascer e crescer os filhos, de ânimo leve. E quantos já nasceram
nesses territórios, como já haviam nascido seus pais e avós!
Resistiram, sem armas, enquanto
puderam.
A
maioria esmagadora desses portugueses nem tempo tiveram para emalar as roupas
de todos os dias. Criticavam até os que, mais conscientes ou mais medrosos, se
antecipavam e traziam os seus haveres domésticos.
Porque os haveres de raiz, prédios, fábricas,
maquinaria agrícola ou industrial, as grandes plantações ou as pequenas quintas
e as manadas, tudo isso estava irremediavelmente perdido.
As
campanhas de intimidação contra o branco cresciam de tom. Uma estação de rádio
estrangeira incitava a população negra a pegar em armas contra a população
branca, chegando mesmo a marcar o dia 15 de Maio de 1974 para uma operação
concertada.
Felizmente essa voz não foi tão forte como pretendia e
havia outras vozes mais moderadas que aconselhavam calma e ponderação, mas por
falta de peso próprio acabaram por se perder.
E
a violência não passou de atentados isolados, mas reais, especialmente na área
dos seus promotores, que apavoravam as pessoas.
O
MPLA em Angola e a FRELIMO em Moçambique, intensificaram as suas acções e a sua
violência de modo a adquirirem posição de maior relevo para as negociações que
se seguiriam.
Também
em Moçambique se criaram partidos moderados de que se destacaram o de Lázaro
Kavandame e o de Joana Simeão, que não tiveram sucesso.
As campanhas contra o branco aumentavam, a insegurança era cada vez
maior. Teimosamente, os brancos iam ficando. Com a eclosão das guerras civis
foi o caos. E a debanda inevitável.
Pintando assim, com duas pinceladas, o quadro em Angola e Moçambique,
imediatamente antes da saída maciça dos brancos daquelas que também eram as
suas terras, voltemos à sua condição actual de espoliados.
Tal como
na DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM, também a nossa CONSTITUIÇÃO consagra:
Art.º 62.º —
1 — A todos
é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por
morte, nos termos da Constituição.
2
— A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas
com base na lei e, fora dos casos previstos na Constituição, mediante pagamento
de justa indemnização.
A Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, não teve outro objectivo senão o de regular
o direito à indemnização:
Art.º 1.º —
1
— Do direito à propriedade privada, reconhecido pela Constituição, decorre que
fora dos casos expressamente previstos na Constituição, toda a nacionalização
ou expropriação apenas poderá ser efectuada mediante o pagamento de justa
indemnização.
mais
adiante, no n.º 6, ainda do art.º 1.º lê-se:
Na atribuição da indemnização nenhuma
descriminação poderá fazer-se entre nacionais e estrangeiros, salvo o disposto
na lei presente.
e
ainda, no art.º 2.º :
A atribuição das indemnizações a que se
refere a presente lei processar-se-á em duas fases uma provisória, outra
definitiva.
Esta
lei, extensa de 42 artigos, não poderá ser transcrita no âmbito deste trabalho,
mas podemos desde já dizer que dela emergem duas preocupações:
A
primeira poderá ser dissipada se quem de direito nos puder dar uma resposta a
estas duas perguntas?
—
Quantos nacionais já foram indemnizados?
—
Quantos estrangeiros já foram indemnizados?
Em
recente visita a um país estrangeiro, um alto governante do nosso país prometeu
aos nacionais do reino visitado que os seus súbditos iam ser indemnizados.
E nós?
O
mesmo governante diria, à sua chegada e respondendo a perguntas da comunicação
social, que os retornados de Angola e Moçambique tinham muito mais razão porque
a maioria deles tinha perdido todos os seus bens (os termos podem não ter sido
exactamente estes, mas registámos a sua forma de sentir).
E
ocorre-nos perguntar agora: quando passamos à prática de actos concretos?
Temos
esperanças sólidas porque assentam em princípios de equidade que nada nem
ninguém pode alterar.
Nem
o art.º 40.º (é esta a segunda preocupação) que mais parece ter sido forjado
para desviar as atenções, consegue abalar as nossas convicções e a nossa determinação.
O ESTADO PORTUGUÊS vai, como pessoa de bem, resolver
esta situação, já que foi o mesmo ESTADO, através de medidas revolucionárias,
que tiveram a sua época, a criá-las.
E o primeiro passo é banir ou alterar o
art.º 40.º
Já o pedimos, estamos a renovar, aqui e
agora, o pedido feito. Voltaremos a faze-lo.
As indemnizações são vultosas? Foram
vultosos os esbulhos de que fomos vítimas.
O ESTADO PORTUGUÊS não tem dinheiro?
Mas o Estado sabe que o dinheiro nas mãos destes cabouqueiros de países
novos, construtores de cidades, abridores de estradas, desbravadores de
sertões, criadores de manadas, vai reproduzir-se, criar novas riquezas, abrir
mais postos de trabalho.
Algum
dinheiro, muitos títulos e obrigações com aceitação na bolsa, com prazos a
definir pelo próprio Estado, e eles saberão como geri-los.
Os outros países da Europa já o fizeram ou estão a fazê-lo. Os seus
espoliados saboreiam o orgulho de não terem sido marginalizados pelos seus
governantes.
Por
isso estamos mais fortes. A Europa, onde estamos inseridos de pleno direito,
não vai envergonhar-se do seu parceiro mais recente.
E
quando chegar o «92», os espoliados do antigo ultramar português sentir-se-ão
felizes porque contribuíram com o seu trabalho, o seu saber e a sua
experiência, para a plena integração de Portugal.
As leis poderão ser
complicadas, mas a justiça é simples e ela habita os corações dos homens e das
mulheres portuguesas.
Sem comentários:
Enviar um comentário