JOAQUIM PEREIRA SOARES
Neste anfiteatro da famosa Aula Magna da velha
Universidade de Lisboa, não será, pensamos, despropositado perguntar: Quem são
os retornados, os deslocados e os espoliados, de onde vieram, e porque é que
vieram?
Antes de se obter qualquer resposta, talvez seja interessante relembrar
que Portugal está a comemorar, cheio de orgulho, os feitos dos seus
navegadores: Os Descobrimentos.
Portugueses corajosos, destemidos, com grande
iniciativa, foram longe nas suas viagens e trouxeram para o Ocidente o
conhecimento de novas terras e novas gentes. O seu contacto com civilizações
exóticas e riquezas sem conta, contribuiram imenso para o progresso da
humanidade.
Pelas descobertas, terras houve que passaram a pertencer à Nação
Portuguesa. E como essa posse «de facto» não fosse suficiente, a posse «de
jure» confirmou-a. Portugal e Espanha firmaram um tratado, o de Tordesilhas,
como é do conhecimento geral e a voz que mais alto se fazia ouvir nessa época
recuada, a do Sumo Pontífice, reconheceu a linha de demarcação então traçada.
Daqui se infere que os retornados que estavam vivendo nos territórios
do Ultramar, sob a bandeira das quinas, não podiam ter a menor dúvida de que
permaneciam em solo pátrio. Seria lícito esperarem que as suas vidas e haveres
fossem respeitadas.
Ainda nos recordamos de ver escrito no tradicional
empedrado português em frente à Câmara Municipal de Lourenço Marques: Aqui é
Portugal.
Admitamos
que nem todos quantos embarcaram para o Ultramar iam para lá com espirito de
missão — como então se dizia — por altruísmo ou por desgostos de família, mas
que tinham os seus interesses na mira. Mas o que ninguém poderá negar é o
esforço português em África, em prol do seu desenvolvimento.
E quem é que poderá negar que os portugueses
transformaram terras inóspitas em países pujantes como Angola e Moçambique?
Será, realmente, possível dizer-se que os portugueses nada haviam feito? Só por
ignorância, por desinformação ou por maldade se poderiam proferir tais
atoardas.
E nós podemos afirmá-lo categoricamente, porque vimos,
assistimos, durante 55 anos que vivemos em Moçambique, ao seu extraordinário
desenvolvimento.
Não
fugiremos à tentação de contar as palavras que ouvimos da boca de um diplomata
alemão. Ele tinha acabado de chegar do seu país e de ocupar o seu posto. Num
almoço que ofereceu, disse: “Enviei ao
meu Governo um relatório em que, em dado momento informei: Depois de ter
percorrido algumas regiões e de me ter posto a par da situação neste
território, concluí que, pelos padrões europeus e americanos, todos os serviços
e nomeadamente os ferroviários, não dispunham nem dos equipamentos nem do
número mínimo de técnicos qualificados, mas, a verdade, é que tudo funciona».
Para nós, tais palavras representavam o reconhecimento, o elogio do engenho e
do esforço dos colonos, do povo português.
Quando
se poderia esperar que, de tantos esforços, alguns frutos se colhessem, eis que
chega a precipitada descolonização, que alguns inconscientemente classificaram
de «exemplar», mas que para aqueles que sofreram na carne os seus efeitos, se
tratou de um sismo, de um terramoto, considerando o grande número de pessoas
que perderam a vida — e continuam a perder — da forma mais horrorosa, os bens
destruídos, as famílias dispersas, destroçadas e os prejuízos de toda a ordem.
Não
fora a boa índole dos povos dessas terras e as boas relações existentes entre
as etnias e ter-se-ia registado uma verdadeira hecatombe, dado que a população
se encontrava indefesa.
A descolonização nos termos em que foi feita provocou
o regresso em massa dos retornados. Na verdade foram escorraçados e houve quem
os considerasse exploradores quando muitos tinham tirado pão à boca para
pagarem às Caixas os empréstimos que tinham pedido para a sua casita, que muito
poderia contribuir, na sua velhice, para uma vida melhor, ou para desbravar
terras para fazer a sua machamba ou montar a sua oficina.
Desembarcaram
esses retornados na sua esmagadora maioria sem dinheiro, sem quaisquer meios de
vida. E muito têm sofrido e ainda sofrem para sobreviver nesta terra que é a
sua pátria.
A população aqui
do continente não se apercebeu do que se estava a passar. Estava totalmente
desinformada e manipulada. As riquezas que se haviam perdido eram segredo de
poucos. Outro tanto não sucedia com as chancelarias das grandes potências e
mesmo das médias. Elas sempre pretenderam, durante séculos, afastar Portugal
dessas zonas com grandes riquezas por explorar ou pouco exploradas e de enorme
valor estratégico. E conseguiram-no, finalmente, com a inépcia de alguns que
agora se recriminam reciprocamente.
Por outro lado, esses portugueses que receberam o epíteto de retornados
eram, afinal, os descendentes daqueles que tripularam as caravelas, que
constituiram os tércios que protegeram os desembarques nas paragens longínquas,
que levaram a civilização peninsular, europeia, a todos os cantos do globo.
Foram a alavanca da epopeia de que todos nós nos orgulhamos.
Se
os colonos, os retornados, em vez de terem seguido para o Ultramar, tivessem
emigrado para a França, Alemanha, Luxemburgo, Estados Unidos, Venezuela, África
do Sul, Brasil ou Canadá, ou para outros destinos, teriam conservado os seus
bens (e as nossas autoridades, por certo, exigiriam que assim fosse). Como se compreende
que o mesmo critério não seja seguido para com eles, quando seguiram para o
prolongamento de Portugal, como então oficialmente se dizia. Nós não vivemos
num estado de direito?
Quanto
aos deslocados, limitar-nos-emos a mencionar que consideramos que são aqueles
africanos que nunca tendo partido das praias lusitanas, não poderão ser
considerados retornados. Eles vieram para Portugal aos milhares, teriam vindo
aos milhões, se isso lhes tivesse sido facilitado. Se nos referimos a eles é
unicamente para mostrar, como, ao contrário do que chegou a ser propalado, as
melhores relações existiam, à data de descolonização, entre todos os grupos
raciais.
Ultimamente começou a falar-se em espoliados. O termo usado agora no
nosso país, desde há muito que é empregue nos países que procederam a
descolonizações, como a França, a Inglaterra, Itália, etc. Nesses países, os
espoliados têm vindo a ser indemnizados por diversas formas.
A
nossa descolonização já foi feita há mais de uma década — mas de indemnizações
pouco se fala nos círculos dirigentes.
Como vivemos num estado de direito, nós apelamos aos nossos governantes
para que se debrucem sobre este problema que interessa a tantos portugueses e
que tomem as necessárias providências para que justiça seja feita àqueles que
tanto trabalharam para o engrandecimento do nosso País.
Não
nos alongaremos com mais pormenores, outros, por certo, neste Congresso, tratarão
sobre casos específicos, como a devolução dos dinheiros que foram depositados
nos Consulados, reformas para as quais foram feitos descontos obrigatoriamente
e com grandes sacrifícios cujos pagamentos foram suspensos, prédios nacionalizados,
empresas intervencionadas, etc., etc.
Terminaremos
por afirmar que estamos conscientes de que Portugal ainda hoje não é um pequeno
país, se entre os seus filhos houver entreajuda, solidariedade. Em dimensão, em
número de habitantes, na Europa ele excede o tamanho da maioria. Em recursos
também não é assim tão pobre e a sua situação na Europa é privilegiada.
Aproveitemos os nossos recursos e não deixemos a nossa gente estiolar por falta
de solidariedade.RETIRADO DAQUI
Sem comentários:
Enviar um comentário