quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Marcelo, os judeus de Gaza e os retornados do Ultramar

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Dulce Maria Cardoso fala sobre «O Retorno» no INFERNO

 


Repare-se na frieza, ligeireza e até desprezo, com que o jovem entrevistador, no primeiro dos videos, aborda um assunto tão sério como este, que a ser bem explorado resultaria decerto numa entrevista bastante interessante e construtiva.

O enfoque vai direitinho para questões superficiais e secundárias como estas:
 

"...Tu viveste esta época como retornada, digamos, e resolveste agora em 2011 escrever sobre isto. Não era mais prático agora escrever sobre vampiros ou assim Códices da Igreja e essas coisas...?"

"...Tu retratas aqui a vida de uma familia que na prá
tica depois é o espelho também da vida de outras pessoas que viveram este regresso a Metrópole, como se dizia. Existe gente que também esteve em Hotéis de 5 estrelas. Isso é assim tão traumático? Eu não vejo assim... "

Triste, muito triste!
Sentido de humor?
Desconhecimento dos factos?
Alheamento dos assuntos?
Trabalho de casa" por fazer?
Falta de empatia? 


Estou a lembrar-me que o termo "empatia", originário da palavra grega empátheia, significa "entrar no sentimento". Para alcançarmos este estágio seria necessário deixarmos de lado nossos próprios pontos de vista e valores para podermos entrar no mundo do outro, sem julgamentos, sermos capazes de sentir o que o outro está sentindo. E como isso é difícil de se fazer...
  
Penso que Dulce Maria Cardoso não deveria expor-se a este tipo  de entrevista!!!!


ANGOLA - Caminemos by milabrasil

ANGOLA - Desportistas campeões by milabrasil

ANGOLA -ESTUDANTES by milabrasil

ANGOLA - Belos tempos by milabrasil video

ANGOLA - Pedaços de nós by milabrasil

ANGOLA - those were the days by milabrasil

ANGOLA que sera by MilaBrasil

ANGOLA - a casa do sol decrescente by MilaBrasil

ANGOLA - marchas Lobitangas do nosso tempo by MilaBrasil

ANGOLA - adeus ilusões

ANGOLA -Oh Gente da Minha Terra by MilaBrasil

ANGOLA - Lobito e nós, naquele tempo

ANGOLA - Poema do adeus by MilaBrasil

ANGOLA-No nosso tempo video by milabrasil

ANGOLA - Rui by TheMilabrasil's channel

Minha familia by Milabrasil


1. PAI ( 2ª PARTE) 2. Minha Mãe 3. Parabens Pai




Meu Pai

ANGOLA - Velho casarão

ANGOLA -People

ANGOLA - recomeçaria tudo outra vez

ANGOLA - reviver

ANGOLA-Para quê chorar o que passou?

ANGOLA - O que tínhamos...

ANGOLA - eramos assim

ANGOLA - As time goes by

ANGOLA -SMILE

ANGOLA - Companheiros

ANGOLA - Lobito e nós, naquele tempo

ANGOLA - Adolecentes Lobitangas antes de 1975

ANGOLA - Meu mundo caiu

ANGOLA - momentos solenes

ANGOLA - Inesquecíveis

ANGOLA - Eu e Angola

ANGOLA - Amigos

ANGOLA - Emoções Angolanas

ANGOLA-Rostos de ontem, de hoje, de sempre...

ANGOLA - Nossos velhos

ANGOLA - Cajueiro velho

ANGOLA - adeus

ANGOLA - Metades de nós

ANGOLA - hier encore

ANGOLA -yesterday when I was young

ANGOLA - Nada a lamentar

ANGOLA - Dar a volta por cima ...

ANGOLA - casamentos

ANGOLA - NOSSO ÚLTIMO VERÃO NO LOBITO

ANGOLA - TERESA E MILA

ANGOLA - Era assim

ANGOLA antes de 1975- TUDO PASSARA

Lobito, meu Lobito! e Lobito nao me abandones by milabrasil

Alma e Coração Marchas do Lobito , Angola anterior a 1975

ANGOLA - 3 videos : Carnaval no Lobito antes de 1975 , Lobito anos de prosperidade e Carnavais by milabrasil

ANGOLA antes de 1975 - Éramos a vida a cantar

LOBITO- ANGOLA-Recuerdos

ANGOLA - Inesquecíveis

ANGOLA - Lobito e nós, naquele tempo

Angola e Fernando Pessoa

ANGOLA-LOBITO anterior a 1975

ANGOLA - TEMPOS FELIZES (VIDEO)

Angola antes da guerra (Videos)




LUANDA anterior a 1975

NOVA LISBOA (Huambo) antes de 1975

CABINDA anterior a 1975

Malanje antes de 1975

Video de Benguela antes de 1975


SA-DA-BANDEIRA ANTES DE 1975

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A IMPRENSA E OS ESPOLIADOS DO ULTRAMAR



Seleccionado por Ângelo C. O. Soares, com o apoio de 2 filhos e 5 netos
BOAS VINDAS!
Se nos visita como espoliado do ex-Ultramar, seu familiar, herdeiro, amigo de alguém espoliado com o simples e louvável desejo de conhecer como decorreu o abandono do Ultramar, chamado de "descolonização", com o sacrifício de centenas de milhar de seus compatriotas, aqui lhe expressamos as mais cordiais saudações, solicitando a sua valiosa e activa ajuda para uma maior divulgação deste site.
                                                                                                                       Bem haja!


Para entrar no site, clicar AQUI

O ESTADO PORTUGUÊS É ÚNICO RESPONSÁVEL PELAS INDEMNIZAÇÕES



 
 
Os portugueses que foram espoliados dos seus bens em terras africanas estão dispostos a não encerrar o seu "dossier" reivindicativo. Embora duas dezenas de anos tenham decorrido sobre o dia em que abandonaram as suas empresas, os empregos, as residências e quanto possuíam nas terras africanas que consideraram suas, não lhes feneceu a esperança de que justiça lhes seja feita. Ângelo Soares, o nosso entrevistado de hoje, é um dos milhares de espoliados do Ultramar. Ao longo dos últimos vinte anos não tem poupado esforços no sentido de que o Estado português assuma as obrigações que contraíu, com quantos contra a sua vontade tiveram que regressar a Portugal sem os seus bens, ao negociar as descolonizações. Isto porque o Estado não acautelou, como outros países fizeram, os bens dos portugueses que viviam em terras que o mesmo Estado considerou, até então, portuguesas.
Ângelo Soares viveu em Angola entre 1944 e 1948, e a partir desse ano em Moçambique, onde permaneceu até 1975, sendo responsável, enquanto ali viveu, por diversas iniciativas industriais que muito contribuíram para o desenvolvimento daquela região de África. Foi, deste modo, um comerciante, um industrial, um proprietário, passando a ser, como muitos outros, mais um espoliado a partir da descolonização moçambicana.
Regressado a Portugal foi o iniciador e organizador, em 1979, do primeiro convívio realizado em Monsanto (Lisboa) dos naturais e ex-residentes em Moçambique, convívio
que teve no ultimo Verão a sua decima sexta edição. Foi igualmente um dos principais impulsionadores da criação da AEMO - Associação dos Espoliados de Moçambique, pertencendo-lhe a iniciativa de, mais tarde, fazer nascer a AEANG - Associação dos Espoliados de Angola.
Todo este seu currículo é mais do que uma suficiente justificação da sua presença nestas páginas, em que o tema é a responsabilidade do Estado português, e só do Estado português, pelas reparações devidas aos portugueses que perderam no ex - Ultramar os seus bens e regalias sociais. Por isso, mais do que uma entrevista, o jornalista recolheu junto de Ângelo Soares o seu depoimento sobre uma situação que afecta muitos milhares de portugueses.
Depoimento que põe a nú toda a ilógica e desumana acção do Estado português, ao adiar, ao longo de duas compridas décadas, a solução que, tarde ou cedo, terá que encarar.
 
 



 
As obrigações do Estado






Perguntamos a Ângelo Soares se as responsabilidades dos graves prejuízos causados aos portugueses que residiam em Moçambique aquando da independência daquele país  africano pertencem apenas ao Estado português, ou também ao governo moçambicano, e a sua resposta foi esta:
Começo por relembrar uma recente intervenção na Assembleia da Republica da  combativa deputada Odete Santos. Em determinada altura, e a propósito de uma petição subscrita por mil e quinhentos espoliados ex-residentes em Moçambique, aquela deputada afirmou que os signatários "realçam que é o Governo português que tem de resolver o assunto e não o Governo de Moçambique". Acrescentou que "em qualquer processo de descolonização, todo o país, que no passado foi uma potência colonizadora e exploradora, deve assumir algumas consequências desse seu passado". E disse ainda que "os cidadãos portugueses, como os cidadãos moçambicanos, acabaram também por ser vitimas dessa colonização absurda, injusta e imoral, que no passado foi levada a cabo por Portugal". A partir da intervenção desta deputada proponho-me acrescentar algo a propósito da responsabilidade do Estado português pelas indemnizações relativas aos bens deixados no Ultramar.
Comecemos pelas vésperas da assinatura do Acordo de Lusaka - prosseguiu Ângelo Soares, recordando o que aconteceu em 1974:
À partida de Lisboa para Lusaka, no dia 4 de Setembro de 1974, o Dr. Mário Soares como ministro dos Negócios Estrangeiros, fez as seguintes declarações: "Parto bastante optimista para as conversações de Lusaka. Durante mais de três meses fizemos um excelente trabalho, no sentido de podermos chegar agora a um acordo com a Frelimo. O brigadeiro Otelo de Carvalho e eu tivemos um primeiro encontro em Lusaka com Samora Machel, depois registaram-se outros contactos a vários níveis. O major Melo Antunes fez duas visitas a Dar-Es-Salam, onde também esteve o ministro Almeida Santos e eu para conversações com o presidente da Frelimo. Tudo isto constitui os pontos fundamentais para um acordo, acordo esse do qual sairá, espero, um governo de transição". E afirmou ainda: "Os acordos de cooperação que estão em estudo são muito vastos, e posso dizer que os interesses de Portugal e dos portugueses, que são legítimos e reconhecidos pela própria Frelimo, serão devidamente acautelados. Partimos, pois, todos com uma perspectiva optimista e com grande confiança".
Falando do que viria na realidade a acontecer em Lusaka, Ângelo Soares relembrou ainda:
O Acordo de Lusaka, limitado a duas páginas do Diário do Governo como todos nós sabemos não regista uma única palavra a defender, depois da independência, os interesses, ou os bens, dos portugueses que estavam em Moçambique. E é interessante analisar a reacção do general Spínola, quando o Dr. Adelino da Palma Carlos então primeiro ministro, foi, acompanhado pelo Dr. Mário Soares e pelo Dr. Almeida Santos, dar-lhe conhecimento dos termos do Acordo de Lusaka. Depois de lhe dizerem "que não tinham sido ouvidos para coisa nenhuma", e que Melo Antunes decidira tudo sozinho com a Frelimo, o general Spínola ficou tão irritado que bradou: "Se eu apanho o Melo Antunes mando-o fuzilar aqui mesmo no palácio de Belém".
Documentando o que afirma, Ângelo Soares acrescentou:
Isto consta a paginas 54 da obra "Conversas com Palma Carlos", da escritora Helena Sanches Osório. Sabemos agora, em 1994, que Melo Antunes foi chamado a Belém por Spínola, e que exibiu documentos demonstrativos, ou que pelo menos como tal foram aceites na altura, de que a situação militar estava em colapso e as tropas em Moçambique ameaçavam depor as armas, o que seria um escândalo para o Exercito português. Em consequências disto, o Acordo de Lusaka foi ratificado pelo general Spínola, e publicado no dia 9 de Setembro.
Os resultados eram fáceis de adivinhar, e o nosso entrevistado recorda-os:
Não será de admirar que a Frelimo defenda a tese de que as propriedades dos portugueses, como todas as estruturas de Moçambique, lhe pertencem, uma vez que não foram acauteladas no Acordo de Lusaka. Pois se as próprias instalações do Banco Nacional Ultramarino lhe foram entregues e até a reserva ouro que, em Lisboa, garantia a circulação fiduciária de Moçambique...
E comenta ainda:
Quando negociou o Acordo de Lusaka com a Frelimo, Melo Antunes parece ter aceite a filosofia, ou a tese frelimista mais radical, de que a divida de Portugal a Moçambique tinha começado com o fornecimento de água ás caravelas de Vasco da Gama. Portanto, tudo aquilo que se encontrava em Moçambique passava a ser pertença do Estado moçambicano. Não é, pois, de admirar que aos espoliados de Moçambique interesse a tese de que foram vitimas da colonização e da descolonização, e deixa no ar a interrogação: Ou será que num recentemente revelado desvio para Moscovo de vários dossiers da Pide iremos encontrar a explicação para o insólito de certas posições descolonizadoras?
 
 



 
Colonização e descolonização






Se houve descolonização, temos que aceitar que houve colonização. Ora houve, ou não houve, colonização? - perguntamos. Respondeu-nos:
Eu defendo que houve colonização, e que os portugueses que estavam em Moçambique foram tão explorados por essa colonização como foram os africanos. Através dos anos, e mesmo dos séculos, o Estado português com os seus diferentes governos, tanto os da Monarquia como os da Republica, incutiram a ideia de que estar em Moçambique era estar em Portugal. Isso aconteceu também com o governo salazarista, pois Salazar chegou a declarar que "os territórios ultramarinos eram a solução lógica para os problemas do excesso de população em Portugal, fixando portugueses da Metrópole nas colónias e produzindo estas as matérias-primas para venda à  Metrópole, em troca de produtos manufacturados". Era a filosofia mais expressa no "slogan" "Portugal do Minho a Timor". Mas com o 25 de Abril reconheceu-se que essa filosofia estava errada e os portugueses que ali residiam sofreram os resultados desse reconhecimento. Portanto, o culpado de tudo isto é o Estado português, através dos seus diferentes governos.
Ângelo Soares referiu-se a seguir ás formas como os portugueses foram colonizados em Moçambique, baseando-se em situações indesmentíveis:
Alem da exigência de licenças de importação, que eram concedidas conforme as directrizes idas de Lisboa, as mercadorias que iam de Portugal para Moçambique tinham uma pauta preferencial na Alfândega. Nós, como consumidores em Moçambique, podíamos ter uma mercadoria em qualquer país do mundo mais barata trinta ou quarenta por cento, mas as pautas de importação eram feitas de maneira que, aumentando os direitos para essas mercadorias, as mercadorias portuguesas pudessem ser vendidas. Isto podia ser na altura muito patriótico, nós podíamos aceitar isto como patriotismo, mas não há dúvida que representava para nós uma exploração, e que era colonialismo. E foi à sombra desta filosofia colonialista que algumas indústrias portuguesas se formaram e que algumas grandes riquezas portuguesas foram conseguidas. O negocio do vinho, em barris de cem litros, é paradigmático...  E a marinha mercante portuguesa, que existia à  custa do Ultramar, e depois de 1974 foi vendida ao desbarato?
Recordo também,  prosseguiu - o caso da Industria têxtil portuguesa, que recebia de Angola e de Moçambique o algodão a um preço baratíssimo e que depois de fabricados os tecidos os exportava para Moçambique a um preço muitas vezes superior. É ainda o caso das oleaginosas de Angola, que só depois dos exportadores cumprirem uma quota para Portugal, a um preço baixíssimo, tinham direito a exportar para o estrangeiro a preços mais compensadores. A propósito posso acrescentar que em 1928 as colónias portuguesas de Africa produziam cerca de oitocentas toneladas de algodão, enquanto as indústrias têxteis portuguesas necessitavam de dezassete mil toneladas. Em meados dos anos cinquenta o numero de africanos que trabalhavam na cultura de algodão tinha subido para meio milhão, e a produção, só em Moçambique, atingia as cento e quarenta mil toneladas. A indústria têxtil portuguesa, que então empregava um terço da força industrial de trabalho, e produzia um quinto  do valor total das exportações, recebia das colónias oitenta e dois por cento das suas matérias primas, sempre a preço abaixo das cotações do mercado internacional.
 
 



 
A Colonização em números






Ângelo Soares falou-nos a seguir de outras facetas da colonização portuguesa, e das vantagens colhidas por Portugal  dessa situação. E fê-lo com números:
Em 1973 Moçambique exportou  554.476 milhares de contos de açúcar. Como todos nós sabemos, o açúcar produzido em Moçambique teve sempre como um dos seus maiores consumidores o mercado português, embora alguma parte dele fosse também para outros países. Os acordos assinados nos últimos anos asseguraram a Portugal não unicamente o fornecimento do açúcar refinado, mas, também do açúcar em bruto para ser refinado neste país, sendo uma das normas a de que dois terços do açúcar bruto deveria de ser refinado em Portugal. A validade deste acordo estendia-se até ao ano de 1982, estando previsto que no período de 1972-1973 Portugal deveria de receber duzentas e quarenta mil toneladas. Do mesmo modo como acontecia com o algodão, o açúcar constituía uma forte fonte de divisas estrangeiras para Portugal. Todas estas situações devem ser estudadas pelos espoliados do ex-ultramar português, de forma a que se defenda o ponto de vista que em princípio exprimi.
Mas outras situações comprovam a colonização portuguesa, e Ângelo Soares enumera-as:
Por acordo de 11 de Setembro de 1928, a Wenela - Witwatersrand Native Labour Association ficou com plenos direitos de recrutar mão de obra em Moçambique, com destino ás minas do Transval. Aquela empresa soube criar uma orgânica que lhe permitiu levar de Moçambique, anualmente, entre sessenta e cinco mil a cem mil trabalhadores, cujo pagamento era parcialmente recebido em ouro, que vinha para o Banco de Portugal a uma cotação sensivelmente inferior à do mercado livre.
Ângelo Soares referiu-se a seguir às dificuldades impostas às transferências bancárias de Moçambique para o exterior, incluindo Portugal dizendo a propósito:
Todos os portugueses residentes em Moçambique estavam sujeitos a um controlo rigoroso e as transferências bancárias só eram autorizadas quando muito bem justificadas e sempre em valores limitados. Todos nós que lá vivemos nos lembramos disto. Mesmo passando por cima da demora entre a emissão de uma transferência bancária para fora de Moçambique, com o consequente desembolso, e o recebimento da contrapartida em Portugal, mostrava-se evidente que tantas dificuldades forçavam-nos a investir em Moçambique, mesmo que tivéssemos algumas dúvidas quanto a respeito do futuro. Mas era esta a politica dos anteriores governos, com a qual pretenderam defender a filosofia do Portugal Ultramarino, à qual todos nós fomos sacrificados.
E acrescenta:
A actividade bancária, o mercado de câmbios e o regime de transferências para o exterior, em 1974, eram regulamentados por cerca de trinta decretos-lei sete decretos, duas portarias e alguns avisos do Banco de Portugal. Uma enorme confusão legislativa que, na aparência, podia dar uma ideia de abertura (decreto-lei 183/70) mas que na prática não facilitava um mínimo de remessas para o exterior... aos não protegidos. Chegou-se ao extremo da publicação, em Maio de 1974, do decreto-lei 181, tornado extensivo ás províncias ultramarinas, que estabelecia a pena de prisão maior de dois a oito anos para aqueles "que promovam, executem, ou facilitem a exportação ou saída, por qualquer forma, para o estrangeiro, de notas, moedas, divisas, ouro, prata", etc. Assim, as economias das então chamadas províncias ultramarinas eram altamente exploradas por Portugal. E com esta exploração muito lucrou Portugal, pelo que foi um país colonizador. Ora, os encargos com a descolonização devem ser a contrapartida destas receitas extraordinárias, que durante anos e anos o país recebeu.
E a concluir esta parte da entrevista, disse ainda:
Foi um governo deste Estado português que nos disse para investirmos em Angola e em Moçambique porque estávamos a investir em território português. E mais tarde, foram os representantes do mesmo Estado português, Melo Antunes, Mário Soares, Almeida Santos e general Spínola, que disseram que o que estava em Moçambique era da Frelimo e que nada tínhamos a receber do Governo de Moçambique. Ora se nada tínhamos a receber do Governo de Moçambique temos a receber do Governo português por todas estas razões.
A situação teria sido diferente se, como potência colonizadora assumida, o que não foi o caso, o Estado português nos tivesse prevenido, desde sempre, de que estávamos a colonizar, e que deveríamos acautelar os nossos bens no exterior.  Assim... sim; quem tal não tivesse feito deixaria agora de ter direito a qualquer indemnização. A verdade é que aconteceu exactamente o contrário, pois não só nos recusaram autorização para fazermos transferências para o exterior daquele território, como por todas as formas fomos incentivados a investir no Ultramar.
 
 


Os contenciosos com Moçambique
Ângelo Soares referiu-se a seguir aos contenciosos existentes entre Portugal e Moçambique que o estado português tentou resolver. Dizendo que não existem muitos documentos sobre o assunto, lembrou que o caso foi abordado no Instituto para a Cooperação Económica, numa entrevista que a Associação dos Espoliados de Moçambique teve com o então embaixador Manuel Lopes da Costa, vice-presidente daquele Instituto, e actual embaixador no Maputo. O embaixador Manuel Lopes da Costa disse então que o Dr. Sá Carneiro, quando foi primeiro ministro, tentou negociar com Samora Machel,  presidente da Frelimo, os chamados “Contenciosos com Moçambique”, e Ângelo Soares conta a propósito: 
Abordamos então esse assunto com o embaixador Manuel Lopes da Costa e ele esclareceu-nos que os contenciosos eram vários, designados por “a”, “b”, “c” e “d” mas que não incluíam os bens e valores deixados pelos portugueses. Recordo-me de ele ter feito essa afirmação e será importante agora que se solicite ao GAE, o Gabinete de Apoio aos Espoliados, todos estes elementos, pois mesmo que se trate somente das chamadas estruturas do Estado, como os caminhos de ferro, os portos, as estradas, os edifícios públicos, etc., a resposta dada então pela Frelimo ao Governo de Sá Carneiro levar-nos-á a melhor compreendermos toda a problemática do Acordo de Lusaka. 
E acrescenta a propósito:
O Dr. Almeida Santos, no prefácio do livro "Soares, Portugal e a Liberdade", escreveu este parágrafo: "Os negociadores políticos limitaram-se a certificar o óbito das soluções militares, a juntar os cacos das ilusões perdidas, a salvar a face de uma grande Pátria com uma grande Historia". Isto quer dizer que o preço da nossa desgraça foi a salvação da pátria portuguesa, mas Almeida Santos diz a seguir mais o seguinte, e agora é preciso que ele nos esclareça: "Quem relê hoje os acordos firmados concluirá que, apesar de tudo, o mal não estava neles". 
Ora isto precisa de uma explicação. O que é que 0 Dr. Almeida Santos quer dizer sobre o Acordo de Lusaka? Qual é a explicação que ele dá, se não há uma única palavra a referir-se aos bens dos portugueses? Pensará ele que o facto de a comunidade internacional defender a filosofia de que todo o individuo tem o direito à sua propriedade, esta teria sido respeitada pela Frelimo?
Afirmando que a posição que assume coloca-se acima de qualquer crítica aos governos de antes e depois 25 de Abril, acrescentou:
 
Vamos ter todos e cada um a capacidade intelectual de avaliar, com isenção política, a nossa posição perante a colonização e a descolonização. Reconheço que estas ideias precisam de ser amadurecidas e aprofundadas. Nós estamos na AEMO para defender as indemnizações pelos bens de que fomos espoliados, e somente esta meta nos deve orientar. Não há da nossa parte a pretensão de esgotar o assunto com estas declarações, pois temos a absoluta consciência da complexidade e melindre da questão suscitada. Aguardamos, esperançados, que outros igualmente dentro da matéria e possuidores de elementos talvez mais completos, resolvam também expor os seus pontos de vista.
A entrevista estava no fim, mas Ângelo Soares disse-nos ainda:
Depois de terem passado por tantos sacrifícios, sofrimentos e privações, e decorridos que foram vinte anos, faço votos para que os espoliados do Ultramar saibam votar nas próximas eleições legislativas, de modo a contribuírem para que o Estado português venha a ter um governo que, sem margem a dúvidas, lhes garanta, logo no período pré-eleitoral, que assumirá a responsabilidade de publicar legislação conducente ao recebimento das justas indemnizações que há anos vêm reivindicando.
 
Inácio de Passos
(in Correio da Manhã – 17/10/1994)

A QUESTÂO DO ULTRAMAR: SALAZAR NÃO FOI CHEFE DE FAMÍLIA




A maior diatribe ao angélico regime de Salazar, uma das ficções da nossa vida colectiva, li-a ontem no diário lisboeta, “Correio da Manhã” (17 de Outubro 1994) num texto intitulado “O Estado Português é o único responsável pelas indemnizações “ (aos portugueses que foram espoliados de seus bens em terras africanas). Ângelo Soares, um dos milhares de espoliados, traz a sua fotografia a ilustrar o reivindicativo e acusatório texto e por debaixo de sua efígie de homem setentão aquelas palavras, expressão sua, que reputo o tormento à paz de Salazar no tranquilo cemitério de Santa Comba Dão, mesmo juntinho ao jazigo da mulher amada (são cinco palmos mal contados). È o que perturba o idílio além-tumba. Ela , uma Perestrelo Botelheiro, lhe dirá : “Por não teres constituído a família é que se desfez o teu império !” As palavras magoadas de Ângelo Soares soam tristes deste modo desesperado: “A situação teria sido diferente se, como potência colonizadora assumida, o que não foi o caso, o Estado português nos tivesse prevenido, desde sempre, de que estávamos a colonizar, e que deveríamos acautelar os nossos bens no exterior... “ A culpa foi do Estado e de quem o governava. A culpa foi de quem imprimiu a definição e a propalou até à fadiga. À cabeça, António de Oliveira Salazar. Ao princípio do velho “Estado Novo”, logo nas suas masculinas alvoradas de braços esticados, o mestre de Economia da universidade coimbrã pública, em 1930, o Acto Colonial. Era dar o nome justo às coisas. O Ultramar era constituído por colónias. As palavras não devem ser profanadas. As palavras são as roupagens das realidades e devem obediência a estas. Chamar cão a um gato não transforma o gato em cão. As palavras têm por missão traduzir o mundo e fazê-lo comunicar, não o de esconder mundo e mal informar. Mas o tempo perverteu o inicial realismo de chamar as coisas pelo seu justo nome. Salazar começou a ser poeta e produziu uma tenebrosa metáfora. A certa altura deixou de chamar colónias às colónias (estas ficaram espantadas com a súbita mudança, porquê ?) e passou a tratá-las como vizinhas de cá, parentes muito chegados, num tu cá tu lá que cristalizou na expressão eufemística de “províncias ultramarinas”. O delírio nominativo considerava tão portuguesa a província do Algarve quanto a da Guiné, tão lusitana a do Minho quanto a de Angola ou Moçambique. O mundo é que estava errado. A geografia era um sonho. Angola confinava com o Algarve e a Índia com Trás-os-Montes. Este é que era o mapa cor-de-rosa que o outro fora o vermelho da vergonha. Salazar nunca pisara “tierras calientes “ africanas, asiáticas... nunca sentira na pele as estruturais diferenças. Era tudo Portugal do rio Minho a Timor, sem ter de vencer milhares e milhares de quilómetros e aquelas distâncias bem maiores entre povos diferentes (não se usa a abalada expressão primitivos, pois aqui na Europa não bárbara também o somos). Esse espaço de terras e gentes, fossem quais fossem os quadrantes, reduzia-os Salazar à progenitura de um ventre comum, a parir terra e pessoas tão portugueses em Amarante quanto no Huambo ou Inhambane. Havia um ventre comum. Salazar delirava com esta família universal, todinhos vestidos de igual portugalidade. Ele não fizera família e inventou a cósmica do Ultramar Português, das províncias de Ultramar, em que os angolanos eram minhotos e minhotos os pretos de cá, numa perfeita identidade. A metáfora era já realidade à força de tanto badalo, discurso, proclamação. Querer é querer crer. Salazar quis crer no que imaginara. O Ultramar eram um mero prolongamento de Portugal e tão Portugal quanto esta terrinha à beira Atlântico deitada. Oh tanta poesia! Ângelo Soares é uma voz plural. È um sentimento contra essa falsificação. É a dor de um despertar tardio. Tivesse Salazar chamado colónias ao que colónias eram e não pululariam os convictos de tanto Portugal aqui como lá ! Este Ângelo Soares tem imensa razão, dolorosa razão. Todo o acordar de um sonho é um quebranto de ânimo, um difícil retornar à realidade. Eu lembro o caso de uma amiga minha, de Pinhel, filha de um colega de meu pai, o fino, culto e saudoso Dr. Alexandre Nápoles de Mettelo Seixas. Dois meses antes do 25 de Abril de 1974 ela vendera propriedades em Portugal para adquirir um apartamento num prédio de Lourenço Marques (Maputo). Era das que dizia: “Aqui é Portugal, isto não é uma colónia, isto é uma província e entre Pinhel e Lourenço Marques não existem diferenças”. 
A sua confiança era ilimitada e fruto directo da metáfora salazarista (não há colónias, há províncias). Dois meses depois ela chorava. Acabara de despertar o som dos acordos de Lusaka. Uma mentira criara todo este optimismo. Como Ângelo Soares tem razão histórica! Como é verdade o que ele diz, como se um grito de milhentas pessoas anunciasse esta verdade, o dardo contra Salazar: “A situação teria sido diferente se, como potência colonizadora assumida, o que não foi o caso, o Estado português nos tivesse prevenido, desde sempre, de que estávamos a colonizar, e que deveríamos acautelar os nossos bens no exterior...” A tal metáfora não passava de um conto do vigário em grande. Todo o conto de vigário especula com a espontânea ingenuidade dos que se deixam embalar com historietas, miragens, distorções. 
O mal de tudo, a razão primeira e explicativa do fenómeno, radica em que Salazar criou a poética e fatal metáfora por não ter constituído família, por não Ter sido pai de filhos para sustentar, criar e pôr na vida como independentes (a ordem natural,  gerar para os filhos serem outros pais). 
Gosto de demonstrar o que digo. Há um génio da Península, mal conhecido em Portugal. Nasceu em Granada, em 1865, e suicidou-se em Riga, Letónia, onde era cônsul, no ano de 1898. O seu génio auscultava o futuro porque conhecia bem o passado e não era homem preso ao “momento”. Chamou-se esse poderoso escritor e pensador, Ángel Ganivet. Que pena o seu “Idearium espanhol” (1897) não ter caído nos olhos dos leitores de Salazar! À razão de não ter casado juntou-se a razão de não Ter lido este santo suicida, de alma extraordinária. As duas razões geraram a Salazar a impune metáfora de “províncias ultramarinas”. Pois não sentiu uma coisa primária: tudo no planeta é família, são famílias, há pais e filhos e esta ordem de gerações é que cria o comparativismo para a própria acção política. 
Ángel Ganivet lavrou esta beleza de verdade e de rigor: “Há quem julgue que o termo fatal da colonização é a emancipação das colónias. A meu ver, este conceito é teórico. Também os filhos podem emancipar-se, se os códigos estabelecem quando e como se perde o poder paternal; e, todavia, muitos filhos não se emancipam nunca, nem sequer eles pensam na emancipação.
Passam de um estado civil a outro diferente, sem notar a diferença, e a ninguém se lhe ocorre esperar que chegue o dia marcado pela lei para dizer ao seu pai: “A partir de hoje cessou o exercício de suas funções que até aqui tem vindo a desempenhar.” Apenas em casos extremos se regem os homens pelo texto das leis e apenas em casos extremos lutam as colónias por conquistar a sua independência.  Se mercê de uma política hábil, e mais que hábil, desinteressada, se mantém a devida unidade de ideias  e sentimentos entre a metrópole e as suas colónias, se pode aplicar sem perigo e regime autonómico, que conduzirá, não à emancipação, mas à confederação das colónias autónomas com a sua metrópole; e desta forma, a autonomia não será um primeiro passo para a emancipação, será o começo de uma união mais íntima, conseguida mediante o sacrifício disso que eu chamo a dominação materialista. Mas delicadezas políticas nem sempre são práticas, porque requerem o concurso de homens especialmente educados para tão difíceis trabalhos, e nem todas as nações possuem homens desta classe. Se se implanta um regime autonómico e se se continua a fazer uso de velhos procedimentos governativos, o fracasso é seguro, e antes de chegar a ele é preferível, ou o domínio franco e firmemente sustentado, ou a emancipação franca e legalmente outorgada.
Nem todas as nações possuem homens desta classe! Como Ángel Ganivet foi bruxo! Como sentiu a humanidade uma família mas com deveres de família, não com a simulação de parecer famílial. Como ainda poderia haver Portugal por Africas e Índias e Oceanias e Ásias se visão não fosse a poética e falsa mas a realista de se chamar às coisas os seus próprios nomes! Como é este crítico Ângelo Soares o maior historiador do nosso passado recente já que os outros não sabem ver e se regem por outras abstracções! Como ele deixa Salazar desamparado na sua cova! Como finalmente vamos ter paz por se compreender as razões!
Ángel Ganivet atirou-se às águas geladas do Dwina. Nós recobramos vida com os seus conceitos formados do próprio sangue da vida, algo que tantos e tantos “políticos” desprezam...
Lá no cemitério de Santa Comba a namorada também se sente compungida. Outro galo teria cantado a Portugal se tivessem casado, se tivessem filhos...
 
Por: JOAQUIM de MONTEZUMA de CARVALHO
(In Jornal Correio da  Manhã 04/12/1994)
O património privado português em

Angola e Moçambique

à data da descolonização
ANTÓNIO PIRES
Os valores patrimoniais que os cidadãos portugueses foram obrigados a deixar em Angola e Moçambique, por força da descolonização e porque se tratava de bens fixos fixos, nunca foi avaliado, nem sequer por mera avaliação valorimétrica, por várias razões de que referimos aqui apenas as principais.
Nem em Angola, nem em Moçambique, se fez nunca um inventário suficientemente completo e digno de fé, acerca do património privado. Qualquer tentativa de recolha desses dados tem, pois, de fazer-se pela consulta de poucos elementos dignos de crédito, relativamente a períodos descontínuos e, na maioria dos casos, obedecendo a critérios pouco uniformes.
A despeito destas dificuldades, e porque uma tal recolha é de importância fundamental a vários títulos, decidimo-nos à elaboração de um trabalho que, de alguma forma e com erros inevitáves, constitua ao menos como que um ponto de partida para a avaliação do património privado que os portugueses deixaram em Angola e Moçambique, as duas maiores províncias do ex-Ultramar português.
No que respeita a Angola, socorremo-nos da consulta aos relatórios do Banco de Angola, dos relatórios anuais das Contas Públicas elaboradas pêlos Serviços de Fazenda e Contabilidade, e, em alguns casos, dos relatórios do Banco de Portugal na parte relativa às contas das Províncias Ultramarinas.
Quanto a Moçambique a consulta foi mais difícil, dada a falta de continuidade dos relatórios do Banco Nacional Ultramarino que pudemos consultar; não conseguimos obter nenhum exemplar dos relatórios da Direcção dos Serviços de Fazenda e Contabilidade, que deveriam existir à semelhança dos de Angola.
Chega-se a ter a impressão de que certas entidades ou serviços oficiais tiveram especial empenho em fazer desaparecer, ou dispersar, a maior parte da documentação básica, de caracter oficial, que espelhava, ano a ano, o progresso das províncias ultramarinas, nomeadamente Angola e Moçambique.
Mas, para além da aflitiva e incompreensível falta de informação objectiva, quando se consultam por exemplo os arquivos jornalísticos, deparamos com discursos e mais discursos laudatórios do esforço dos portugueses nas suas províncias ultramarinas, pelo menos até ao momento a partir do qual, aqui mesmo no nosso próprio país de origem, surgiram certos arautos da negação do papel histórico nacional.
Todavia, mesmo a despeito da campanha desencadeada aqui mesmo, no nosso próprio país, com vista a diminuir não só a projecção histórica e a acção civilizadora de Portugal em África, como igualmente a importância dos nossos investimentos nessas terras distantes - mesmo assim é possível estabelecer estimativas, nem sempre concordantes mas em todo o caso muito aproximadas, sobre a avaliação do património que os portugueses deixaram, pelo menos em Angola e Moçambique.
A consulta desses elementos, sobretudo as suas discrepâncias, daria motivo para longas dissertações e comentários, que seriam descabidos neste lugar e nesse momento. Mas podemos em todo o caso – e devemos faze-lo neste momento — afirmar que os elementos colhidos nos levam a uma avaliação de mais de TREZENTOS MILHÕES DE CONTOS só de investimentos patrimoniais privados, que os portugueses deixaram em Angola e Moçambique, à data da independência e por força da violência que todos conhecem.
TREZENTOS MILHÕES DE CONTOS a preços de 1974 ou 75 — que o mesmo é dizer UM BILIÃO E MEIO DE CONTOS em valores actuais, pois que o dólar valia então 38$00 escudos portugueses à data da descolonização, e a libra esterlina 58$00 escudos, — ou seja, entre quatro vezes, a quatro vezes e meia mais se avaliados a preços actualizados!
Bem sabemos que os números são coisa fácil de manipular, e que numa situação destas surgirão, por um lado, aqueles que nos acusarão de empolarmos os números para obter efeitos propagandísticos — e que outros procurarão ver neles outras intenções, que não são as nossas.
Todavia, este cálculo de UM BILIÃO a UM BILIÃO E MEIO DE CONTOS, dos valores patrimoniais deixados pêlos portugueses no Ultramar, não parece de forma nenhuma exagerado, e pelo contrário, no insuspeito «Diário de Notícias» de 6 de Novembro de 1978, o ex-Ministro dos Estrangeiros Dr. José Medeiros Ferreira citava uma avaliação feita por responsáveis portugueses do montante dos investimentos privados portugueses efectuados em Angola e Moçambique durante a época colonial, por ocasião da visita a Portugal do Secretário-Geral da ONU, Sr. Kurt Waldheim, em Julho de 1974 ou seja exactamente a quando do desencadeamento do processo de descolonização, em 190 milhões de contos para Angola, e 150 milhões de contos para Moçambique.
Valores bastante superiores àqueles que nós apurámos, o que não é de surpreender, visto que tais «responsáveis portugueses» dispuzeram, certamente, de documentação mais abundante e de meios de apura­mento mais eficientes de que os por nós utilizados a título meramente pessoal e em curtíssimo espaço de tempo.
Entendemos, por isso, que deve ser com base nos números apurados pêlos responsáveis portugueses citados pelo ex-Ministro dos Estrangeiros Dr. Medeiros Ferreira, com toda a autoridade que lhe advém do exercício de tão altas funções, que devemos estabelecer a avaliação do património privado que os portugueses foram obrigados a deixar em Angola e Moçambique: TREZENTOS E CINQUENTA MILHÕES DE CONTOS a preços de 1974. Valores patrimoniais que, feita a correcção com base na depreciação do Escudo ou pela comparação com os valores de então, do dólar e da libra, representariam hoje entre UM BILIÃO A UM BILIÃO E MEIO DE CONTOS!
E sobre este cômputo, forçosamente incompleto, mas que se peca é por deficiência e não por exagero, e baseado em fontes oficiais e responsáveis citadas por um ex-Ministro dos Estrangeiros, que tem de basear-se o cálculo das indemnizações que os espoliados de Angola e de Moçambique têm a reclamar do Governo Português, dado que é ao Estado Português que cabe, inteira e sem subterfúgios, a responsabilidade do abandono dos seus bens, a que os portugueses foram obrigados pela retirada das forças e derrocada das instituições que garantiam o exercício da autoridade portuguesa naquelas então Províncias Portuguesas do Ultramar.


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Retornados de África: Fomos tratados como cães vadios!...







A forma como tudo mudou em Luanda, depois do 25 de Abril, é difícil de descrever, aí que a descrição que se segue seja longa, muito longa.

Em Luanda, estudava numa escola nocturna. Eu e algumas das professoras éramos as únicas brancas, mas isso não impedia que, até então, fossemos todas amigas, como é normal numa sala de aulas. Cerca de um mês depois do 25 de Abril, tudo começou a mudar. Passei a ser marginalizada. Fui várias vezes agredida sem saber por quem, com pauladas e socos nas costas, sempre acompanhadas da frase maldita: "vai-te embora ó branca!". Agressões aleatórias a caminho da escola, por colegas negras, sem qualquer razão que a não a denunciada pelo "vai-te embora ó branca!" aconteceram várias vezes. O ambiente começou a ficar bastante hostil. Em Maio do ano seguinte e como faltava pouco para acabar o ano, que eu não queria perder, ia tentando aguentar a situação. Não contava nada em casa, para que não me impedissem de ir à escola.
Recordo o terror vivido numa das minhas deslocações para o liceu. No autocarro, do trabalho para a escola. O autocarro ia abarrotar de cheiro,claro que só iam pessoas de cor, eu era a única branca. Pouco depois numa paragem ainda na baixa de Luanda, entrou a minha professora de ciências . O autocarro foi seguindo o seu percurso, e esvaziando. Quando não restavam mais do que uns 20 passageiros, velhos e novos, todos negros, mais eu e a professora, começaram as provocações, com gritos de "morte ao branco" e a fazerem obscenidades ao pé de nós. Permanecemos aterradas, como que paralisadas, eu e a professora, sem sequer ousarmos olhar uma para a outra, procurando não dar qualquer pretexto para que algum iniciasse o ataque. Eram inúmeras as histórias de autocarros desviados para os musseques, com violações e assassinatos, pelo que procurámos evitar qualquer comportamento, gesto ou olhar que pudesse servir de pretexto, mas foi tanto o terror porque que passamos nessa viagem, ainda hoje me lembro com pavor desses momentos, vi a violação e morte na minha frente… Acho que só não aconteceu porque, quer eu quer a professora, ficamos paralisadas e parecíamos umas múmias sem vida, sem reacção, invadidas peloo terror. O coração batia mas o cérebro estava paralisado. Foi a primeira vez na minha vida e única em que paralisei de terror tal foi o pavor infligido sobre nós, durante essa viagem. Quando chegamos à paragem perto da escola, nem nos conseguimos levantar, tal era o terror sentido. No entanto eles, que nos tinham identificado pelas batas, encarregaram-se de nos empurrar porta fora, como quem atira com sacos de batatas, e com umas estaladas e uns "anda branca, por hoje tens sorte!". Depois disto, nunca mais andei de autocarro.

Cheguei muitas vezes ao Liceu para deparar com cartazes a preanunciar explosões para as nove da noite. Sozinha, meio perdida no meio da confusão, voltava para trás, pé ante pé, com medo de ser notada pelos muitos grupos de miúdos, com um máximo de 10 anos, que andavam com varapaus na mão, a perseguir tudo o que mexia. Entravam pelas casas adentro, espancavam quem lá encontrava, saqueavam o que lhes apetecia e depois, mais tarde, iam os mais velhos acabar o serviço - o que consistia em matar quem persistia em lá ficar, mesmo depois dos saques. Num dos dias vi um destes grupos, enquanto me afastava da escola, e imaginei de imediato o meu fim ali mesmo, às mãos de uma dezena de crianças. Por milagre de Deus, eles não me viram, pois iam do outro lado da rua e era noite. Vi-os a entrar para uma das casas da rua e eu só ouvi os gritos dos infelizes que lá viviam. Afastei-me o mais depressa que pude, mas sem correr para não atrair as atenções.
Num outro dia assisti a dois ou três negros a tocarem à campainha de um prédio. Quando alguém veio à janela, dispararam as metralhadoras que traziam. Nem parei para olhar, afastei-me o mais depressa que pude. Soube, depois, que tinham abatido o proprietário de uma farmácia.

Andar na rua era, assim, um risco grande. Valiam-nos as muitas árvores existentes à noite e a pouco iluminação. Por outro lado, era pouco crível uma branca andar pela rua de noite, pelo que eu vestia um casaco preto e uma calças castanhas, tirava a bata da escola, que era branca, e assim era mais difícil reparem em mim.
Era frequente ver passar camiões da tropa, com panos pretos a tapar o interior. Dizia-se que levavam pessoas que tinham sido mortas.
Havia milhares de angolanos brancos que não conheciam Portugal, pois já há gerações que as famílias respectivas lá estavam. Dessas morreram famílias completas, para saciar a sede de vingança. Nunca cá ouvi referência alguma a esta situação.

Lembro-me doutra situação que aconteceu estava eu no escritório onde trabalhava, no Largo Diogo Cão, de frente para o porto marítimo. A certa altura apercebi-me de uma grande confusão no local de onde saiam os camiões e deixei-me estar a observar e tentar perceber o que era. Vi um homem branco a ser agredido à paulada, e ser arrastado. Até o ferro da paragem do autocarro foi arrancado para o agredirem. O homem conseguir meter-se por baixo de um carro estacionado. Entretanto vi parar um carro cheio de negros, conseguiram tirá-lo debaixo do carro onde se tinha escondido meteram-no dentro do carro onde viajavam, e arrancaram em alta velocidade. Os meus colegas que trabalhavam na estiva disseram que era o carro da sede do MPLA, para onde o levaram e onde acabou por ser assassinado. Coisas destas eram constantes. Soube depois que tudo tinha começado quando o infeliz ia a tentar sair do porto com o camião e um grupo de estivadores, de rádio ao ombro, não permitia a passagem do camião. O homem teria parado, e pedido para o deixarem passar. Ora, como podia um branco estar a dar ordens!? Só podia estar a pedir para morrer... e foi o que aconteceu.

Quantas vezes não vinha uma rajada de metralhadora do morro que existia atrás do palácio do governador? Muitos morreram assim, sem que nada os protegesse das balas perdidas. Não havia pão, não havia leite, não havia um mínimo para nos alimentarmos, em lugar algum. Tive alturas em que esperava que uma bala me matasse como quem espera a coisa mais normal da vida, nunca pensei ser possível sobreviver, tal era a a sanha dos ataque aos "brancos". Pensei que ia lá morrer, pois além de toda a violência contra nós, também se guerreavam entre eles e, frequentemente, ameaçavam rebentar os depósitos da gasolina e aí Luanda seria uma bola de fogo.

De todos as situações porque passei houve uma que me marcou e me traumatizou mais. Foi na altura em que o bairro onde morávamos "ficou no meio" de um ataque das forças do MPLA contra as forças da FNLA. Passámos a noite toda com crianças de dois e quatro anos debaixo das camas, com um tiroteio sem fim, lá fora. No nosso jardim estavam forças do MPLA, armados até aos dentes, com lança-roquétes (nome que ouvia chamar aquilo), granadas, tudo que era possível. Foram tantos os tiros que atingiram a nossa casa, mas por Deus nenhuma granada a atingiu. Estávamos todos petrificados de medo, quando nos bateram á porta aí a nossa respiração parou... Um primo meu, de rastos, foi à porta e abriu-a. Os do MPLA pediram uma garrafa de óleo pois as armas estavam a encravar e, de caminho, perguntaram se havia liamba. Face à resposta negativa do meu primo sobre a liamba, eles voltaram para as posições de combate.

A manhã chegou sem que ninguém tivesse conseguido pregar olho. Num acto de desespero o meu primo e pai de duas meninas, saiu de casa fora em direcção ao jardim nas traseiras da casa e foi fazer lume com carvão e aí arranjou os biberões para as filhas, que estavam cheias de fome. Nós continuamos nos esconderijos . Um grupo tropas Portuguesas, penso que da marinha, ia a seguir em alta velocidade pela marginal, quando começou um tiroteio muito forte. Tiveram de parar e correram, saltando os muros do nosso jardim, a deitaram-se no chão. Lembro-me que um, ao cair, bateu num vaso em pedra e acho que deve ter partido qualquer coisa pois, depois de ter abrandado o tiroteio, quando se foram embora, tiveram de levar esse camarada em braços. Os covardes esqueceram-se que estavam lá os compatriotas deles. Fugiram que nem ratos.

Num desse intervalos entre tiroteios, o meu tio disse: "Tudo para os carros!". A correr, quase uns por cima dos outros, fugimos do nosso bairro que estava a ser massacrado e fomos para a baixa de Luanda, para a casa de uns parentes. Nunca mais voltei à Praia do Bispo. Saí de casa com a roupa que tinha e o que me valeu foi uma mala de roupa que tinha mandado, já há algum tempo, por um soldado vizinho.




Antes da viagem de volta à metrópole, trocaram-me 5 mil angolares por 5 mil escudos, pois os angolares não valiam nada fora de Angola. Deixei uma ordem de transferência do meu outro dinheiro para aqui, transferência essa que, até hoje, nunca se completou. Passados uns dias pudemos, finalmente, ir para o aeroporto e arranjar lugar num avião. Foi preciso ter recorrido aos conhecimentos que tinha por trabalhar com as companhias de navegação para conseguirmos os bilhetes. Mas nessa altura eram milhares e milhares os que dormiam no chão, no aeroporto, crianças tudo, sem condições, sem alimentação, á espera de poder conseguir regressar! O que eu vi, meu Deus, quanto desespero.

Saímos de Luanda no dia 9 de Agosto de 1976, ás 22h00. Ao sobrevoar Luanda chorei convulsivamente, porque eu adorava aquela terra, tão linda, tão maravilhosa. Senti, nesse momento, que não voltaria lá mais...

Porquê sair assim? Porquê passar por todo este terror para milhares de pessoas que chamavam a Angola a sua terra? Foram muitos dias meses de um terror que não esquecerei, vivido na primeira pessoa.

Obs. Será difícil para todos os senhores do 25 de Abril de 1974, compreender que o tratamento dado aos expoliados das nossas excolónias foi indigno, e comprender que eles (esses senhores) não merecem qualquer respeito por parte dos que foram lá maltrados e aqui rejeitados e aplidados como (os retornados). Os ricos safam-se sempre quem sofre é sempre o povão...Não acreditam!...Quem era lá rico aqui também continuou a ser rico...Os diamantes estavam para eles á mão de semear. O povo sempre o Povo. É quem paga, as cabaladas .O que noveu o 25 de Abril e 1974 foi a sede do Poder

Published by Gracinha

 

"....Nós que, até então, trabalhávamos, estudávamos, vivíamos uma vida simples, sem sobressaltos, e em paz, vimos tudo alterado num ápice. Um mês, nem tanto passado sobre o dia da revolução e o medo passou a estar sempre presente, para nós, os de pele branca. De todo o tempo que tinha passado em Luanda, desde a minha chegada, já me tinha sido possível ter uma ideia aproximada da vida naquela cidade. Não era muito diferente do que se passava na metrópole, embora me parecesse que se vivia melhor em Luanda. Claro que havia gente pobre, claro que havia gente que vivia mal, mas no geral parecia-me que as coisas lá eram bem melhores que por cá. Haverá quem diga que havia mais negros que brancos a viver mal, o que é verdade, porque em Angola os negros eram em muito maior número. Mas o país era rico e isso permitia que todos vivessem de modo mais ou menos aceitável. A verdade é que eu nunca tinha feito mal a negro algum, nem nunca tinha visto ninguém a fazer mal, também. Trabalhava rodeada de negros e estudava rodeada de negras, e pelo que podia ver, tinham mais ou menos o mesmo nível de vida que eu tinha, vestiam o que eu vestia, comiam o que eu comia, a única diferênça era a cor da pele.
Nunca ninguém cá contou o que passou a quem estava em Angola, depois o 25 de Abril, até à hora de conseguir lugar num avião, ou num barco, para voltar ao nosso querido Portugal. Eu, não tive grandes problemas em arranjar lugar num avião assim como para toda a minha família, eu trabalhava ligada com as companhias de navegação, quer marítima quer via aéria, foi com facilidade que compramos bilhetes, escolhemos a data de 9 de Agosto de 1975 para embarcar, e viemos num voo da Tap um 747 e saimos de lá ás 22 horas com destino a Lisboa . Mas o desfazer de projectos que tinha em mente para o futuro isso foi tudo gorado, para que sofri eu tanto. Mas chegada cá a verdade é que tinha a minha família desesperada á minha espera. Pior foi para aqueles que lá tinham nascido há gerações e gerações, que só por serem brancos tiveram de perder tudo e vir para um país que lhe era estranho e hostil. Foram de lá corridos sobre a pena de serem mortos se não o fizessem. Quando cá chegaram foram maltratados e intitulados de “retornados”, exploradores de pretos. Não houve forma mais cruel de tratar os espoliados, expulsos da sua terra natal por serem brancos, indesejados na metrópole por serem retornados . Quem era rico lá, conseguiu não deixar muita coisa e passar para a África do Sul ou Brasil e outros países vizinhos, mas quem vivia do seu salário, sem posses para fugir, suportou toda a malvadez de vingança que se lá passou . Os senhores do capital trouxeram para cá milhões em ouro e diamantes e cá continuaram com as suas fortunas, mas o povo, como sempre, foi o sofredor. Os senhores do 25 de Abril condenaram um povo que, por opção dos seus antepassados, vivia naquela terra. Não houve condescendência ou tolerância, apenas vingança e mais vingança contra todos os que tinham a pele branca. Continua...
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25 de Abril de 1974 em Luanda


Tão linda e o que fizeram com ela!...


Passei por muito em Luanda, principalmente por viver num regime de vida muito diferente daquele em que tinha vivido até então. Além disso, a maneira de ser dos meus parentes em nada se assemelhava aos de cá, da "Metrópole". Tinham uma forma de estar na vida totalmente diferente e esse diferença afectou muito a minha vida e alterou bastante a minha estabilidade emocional, ainda hoje não superei totalmente. Deixei de ser uma rapariga sonhadora, frontal e espontânea, para dar lugar a uma mulher sossegada,perdi muita da minha inocência apercebi-me que o mundo era cruel. Na prática, passei a obedecer apenas e perdi a vontade própria.Eu apenas queria viver sem que me torturassem. A rapariga faladora calou-se, a rapariga sem segredos passou a tê-los, a rapariga que contava tudo da sua vida "morreu" para dar lugar a uma pessoa calada que só falava quando lhe perguntavam, era uma pessoa mogoada com a vida, pois compreendi que fui enganada e não tinha solução, por isso nada melhor que aceitar as ordens e as regras. Deixei de ser espontânea para ser apenas aquilo que os outros queriam que eu fosse, o sorriso dos meus lábios fugiu para não voltar. Passei a viver em função da preocupação de não errar e não desagradar.
Numa das manhãs de Luanda, cheguei ao escritório para um dia que prometia ser igual a tantos outros, pensava eu. Mas não foi… A certa altura apareceu esposa do Sr. Aragão, o meu patrão, com um rádio na mão. Seriam entre as 9 e 9,30 da manhã, em Luanda, por isso menos uma hora em Lisboa. Entrou como um vulcão e dirigiu-se ao gabinete do marido. Pelo que pudemos perceber, a rádio estava a noticiar que as comunicações com Portugal estavam cortadas, porque se tinha dado uma revolução. Confesso que nem percebi o que isso significava, na altura, eu não percebia o que significava a revolução, nunca ouvira falar e tal coisa a não ser nas minhas aulas de História. Terminado o dia de trabalho, quando voltei para casa, perguntei ao meu tio o que significava, e ele lá me contou.Logo me lembrei do meu irmão e fiquei super aflita pois ele era um tropa em Lisboa nessa altura, chorava por todos os cantos,o meu querido irmão numa guerra!... Segundo o meu tio os militares tinham-se revoltado e a Pide estava a resistir, pelo que podia haver mortes. Fiquei convencida que havia guerra em Lisboa, logo em Lisboa, onde se encontrava o meu adorado irmão, e ainda com as saudades que tinha dele, ainda me fazia sofrer mais, que dor eu tinha no meu peito. Logo nós que ficaramos felizes por ele não ter ido para a guerra, e foi a guerra ter com ele, era injusto, pelo que fiquei apavorada. Mal sabia eu que o pior estava para acontecer e reservado para nós ,os que vivíamos fora da Metrópole. Acho que ninguém que não tenha passado pelo que nos estava reservado, pode sequer imaginar o terror dos tempos que se seguiram á bendita revolução.
Nós que, até então, trabalhávamos, estudávamos, vivíamos uma vida simples, sem sobressaltos, e em paz, vimos tudo alterado num ápice. Um mês, nem tanto passado sobre o dia da revolução e o medo passou a estar sempre presente, para nós, os de pele branca. De todo o tempo que tinha passado em Luanda, desde a minha chegada, já me tinha sido possível ter uma ideia aproximada da vida naquela cidade. Não era muito diferente do que se passava na metrópole, embora me parecesse que se vivia melhor em Luanda. Claro que havia gente pobre, claro que havia gente que vivia mal, mas no geral parecia-me que as coisas lá eram bem melhores que por cá. Haverá quem diga que havia mais negros que brancos a viver mal, o que é verdade, porque em Angola os negros eram em muito maior número. Mas o país era rico e isso permitia que todos vivessem de modo mais ou menos aceitável. A verdade é que eu nunca tinha feito mal a negro algum, nem nunca tinha visto ninguém a fazer mal, também. Trabalhava rodeada de negros e estudava rodeada de negras, e pelo que podia ver, tinham mais ou menos o mesmo nível de vida que eu tinha, vestiam o que eu vestia, comiam o que eu comia, a única diferênça era a cor da pele.
Nunca ninguém cá contou o que passou a quem estava em Angola, depois o 25 de Abril, até à hora de conseguir lugar num avião, ou num barco, para voltar ao nosso querido Portugal. Eu, não tive grandes problemas em arranjar lugar num avião assim como para toda a minha família, eu trabalhava ligada com as companhias de navegação, quer marítima quer via aéria, foi com facilidade que compramos bilhetes, escolhemos a data de 9 de Agosto de 1975 para embarcar, e viemos num voo da Tap um 747 e saimos de lá ás 22 horas com destino a Lisboa . Mas o desfazer de projectos que tinha em mente para o futuro isso foi tudo gorado, para que sofri eu tanto. Mas chegada cá a verdade é que tinha a minha família desesperada á minha espera. Pior foi para aqueles que lá tinham nascido há gerações e gerações, que só por serem brancos tiveram de perder tudo e vir para um país que lhe era estranho e hostil. Foram de lá corridos sobre a pena de serem mortos se não o fizessem. Quando cá chegaram foram maltratados e intitulados de “retornados”, exploradores de pretos. Não houve forma mais cruel de tratar os espoliados, expulsos da sua terra natal por serem brancos, indesejados na metrópole por serem retornados . Quem era rico lá, conseguiu não deixar muita coisa e passar para a África do Sul ou Brasil e outros países vizinhos, mas quem vivia do seu salário, sem posses para fugir, suportou toda a malvadez de vingança que se lá passou . Os senhores do capital trouxeram para cá milhões em ouro e diamantes e cá continuaram com as suas fortunas, mas o povo, como sempre, foi o sofredor. Os senhores do 25 de Abril condenaram um povo que, por opção dos seus antepassados, vivia naquela terra. Não houve condescendência ou tolerância, apenas vingança e mais vingança contra todos os que tinham a pele branca.

Com a revolução em Lisboa, as tropas portuguesas em Angola, perderam a autoridade total assim lhes foi ordenado e eles assim cumpriam, era como nós não fossemos Portugueses nada faziam para nos proteger. Era como se a atitude anti-guerra, motivação originária da rebelião militar, tivesse assumido a preponderância sobre tudo o resto, deixando quem estava em Angola, à mercê de toda a espécie de malfeitorias. Não havia quem nos protegesse. Cada saída era um imponderável. Foram incontáveis os ataques, os roubos, as agressões, as violações, as mortes, sem que militares ou polícias fizessem alguma coisa. Assisti a coisas que davam um filme de terror, noites e noites de bombardeamentos sem fim…
Ao que se constava, as ordens que os militares e a polícia tinham, a mando de Rosas Coutinhos e similares, eram apenas para virem embora e o mais depressa possível, deixar tudo e regressar a Lisboa. Ainda lembro, como eu cheia de angústia via as nossas tropas a passar á nossa porta na marginal, em direção ao local de embarque.Era tão aterrador assistir a essa situação, pareciam uns covardes a fugir e a abandonar o povo o seu povo, que até então defenderam. Deveriam ficar até o último Português estar a salvo, deviam defender-nos protegendo-nos e tentar impedir que nada de mal nos acontecesse, tenho a certeza que seria assim num país civilizado, e que tivesse respeito e patriotismo, mas sabem lá o que é isso os homens do 25 de Abril, só ódio e revolta e raiva. Não tenho qualquer respeito pelos que ordenaram essa creldade.Não consegui trazer nada a não ser, trazer 5.000$00 ,trocado por 5.000 Angolares, tudo o resto, que tinha economizado para puder vir cá passar férias, teve de lá ficar,com uma ordem de transferência para um banco aqui na minha cidade, mas ainda hoje não apareceu.E já lá vão trinta e uns anos.
Irei em breve postar um texto com o terror que lá passamos e que eu sou uma testemunha ocular.


Dois dos Nossos Carrascos
 
 
25 de Abril em Luanda
 
DAQUI

terça-feira, 22 de novembro de 2011

"Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola" relata factos desconhecidos



 
Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola
 

“Este livro da jornalista Leonor Figueiredo é um valioso documento para a História da entrega, sem honra, nem glória, nem dignidade, da província ultramarina portuguesa de Angola. Direi mesmo que, em sentido figurado, é uma Bíblia, porque a autora prova o que escreve. A autora faz uma viagem ao passado na procura do que terá acontecido a seu pai que residia em Luanda, desaparecido ainda na altura em que Angola era portuguesa. Nem as autoridades, nem os políticos/governantes, nem os militares dessa época trágica para Portugal sabem o que terá acontecido a João Cândido Figueiredo (pai da autora deste livro) nem de algumas centenas de Portugueses”.
“Quando procurava elementos sobre o meu pai, desaparecido em Angola antes da independência, em 1975, descobri que o mesmo tinha acontecido a mais 250 portugueses.”.
Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola são mais um testemunho da maior tragédia sofrida pela Pátria que “deu novos mundos ao Mundo. Mas é também um documento revelador de vilanias, traições, e covardias de muitos. É um grito angustiante e um brado de revolta. O Estado português e os seus agentes culpados uns, responsáveis outros, pela “descolonização”, que eles próprios a crismaram de “exemplar”, alijaram as suas culpas e responsabilidades para terceiros. Um acto de covardia. Esse Estado “descolonizador” que ainda não ressarciu as vítimas da “descolonização exemplar” (exemplarmente trágica). Outra vergonha. Outra injustiça. Outro crime. Leonor Figueiredo revela nesta sua obra as prisões de compatriotas nossos feitas por alguns militares portugueses que depois os entregavam ao MPLA. Muitos desses prisioneiros foram fuzilados pelo movimento liderado por Agostinho Neto, e todos eles agredidos fisicamente e torturados psicologicamente nas masmorras do MPLA.
Adulcino Silva – Jornalista



Entrevista a Leonor Figueiredo e Pré-publicação do seu livro "Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola"

Ouvir com webReader
“Quiseram correr com os brancos de Angola"
Leonor_Figueiredo O pai desapareceu em Angola há 34 anos. A filha investigou e escreveu um livro que revela uma rede de prisões clandestinas E uma lista oficial de nomes de portugueses desaparecidos.
Já conseguiu fazer o luto do seu pai?
Acho que este livro me veio ajudar a fazê-lo. Conheço pessoas que nunca fizeram o luto de um familiar desaparecido. Nem conseguem abordar o assunto. Estou muito satisfeita por falar no meu pai e nas muitas vítimas desconhecidas e escondidas da descolonização de Angola que descobri. Passou muito tempo. Quando era adolescente, nem queria falar no assunto porque pensava que o que tinha acontecido ao meu pai era uma coisa extraordinária. Mas não. Houve muitas centenas de portugueses que foram vítimas da guerra política em Angola.
Publica uma lista inédita, do MNE (Ministério dos Negócios Estrangeiros), com mais de duas centenas de nomes de portugueses desaparecidos em Angola. Como pode ter sido abafada tantos anos?
A pasta tinha sido desclassificada há pouco tempo. E mesmo assim não estavam lá os documentos todos. Nos arquivos do nosso Estado, há muitas coisas que não podes consultar. São secretas; são muito secretas. E portanto, nunca virão à leitura do público. Esta, por acaso, foi desclassificada e eu tive a sorte de dar com ela, porque ia precisamente à procura do meu pai.
O seu pai consta dessa lista, tal como outras pessoas com quem falou para escrever este livro.
Exactamente. Eu tinha este know-how da minha adolescência, de ouvir a minha mãe e outras pessoas contar histórias de Angola que não eram faladas em Portugal. O meu pai desapareceu, mas alguns dos “desaparecidos” vieram depois a aparecer nas prisões, com acusações absurdas. Não estou a dizer que são todos inocentes. Mas o ambiente era de repressão e qualquer coisa servia para atingir os fins políticos.
Essas prisões eram ilegais, clandestinas...
Claro. O que quer dizer que Portugal entregou Angola ao MPLA muito mais cedo do que se pensava. Cerca de meio ano antes.
O próprio MNE admitiu, em 1977, segundo os documentos que pública, que o MPLA prendeu portugueses antes da independência?
Exactamente.
Como define então a descolonização?
A descolonização de Angola ainda tem muito para revelar. As pastas governamentais têm que ser todas desclassificadas. Um balanço faz-se com números, com casos, não se pode ficar eternamente a divagar em teorias ou preconceitos e a ouvir sempre os mesmos.
Parece-lhe possível que desapareçam algumas das pastas que estão classificadas?
É evidente. Eu própria, nas pastas que tive acesso, vi que faltavam muitos documentos.
Como é que teve coragem para começar esta investigação?
Nunca tinha pensado em pegar no assunto, até que, há uns anos, começaram a ser publicados livros de fotografias de Angola e Moçambique. Eu fiz essa reportagem, e nessa altura, em conversa com a Zita Seabra [editora da Alêtheia], que procurava material sobre as ex-colónias, disse-lhe a brincar: ‘se eu algum dia contasse a história da minha família...’. Diz-me ela: “escreva que eu publico”. E esta pequena conversa veio abrir um cofre que estava fechado a sete chaves, há muitos anos. Nós não mandamos na nossa cabeça, não é? Saltou qualquer coisa e decidi: ‘vou escrever a história do meu pai.’ Eu sempre achei que nós, retornados – e eu odeio esta palavra –, fomos mal compreendidos cá.
A ideia que se fazia cá de Angola estava desvirtuada...
Completamente. Angola era um território moderno, independentemente do sistema político que vigorava. E ainda bem que houve o 25 de Abril. A descolonização é que foi muito mal conduzida. As Forças Armadas Portuguesas – que representavam o Estado português na ainda colónia – não acautelaram minimamente a vida desta gente. Pela documentação que consultei, verifiquei que os vários altos-comissários de Angola pediam, repetidamente, tropas especiais, porque aquilo estava num caos. Mas de Lisboa nunca lhas enviaram. O livro fala de Luanda em 1975. Lembro-me de estar no quintal, e de repente ver o céu cor-de-laranja e de sentir a terra a tremer. Dos bombardeamentos. Íamos todos os dias apanhar as balas ao quintal. Na esquina de minha casa não havia semáforos, mas sim guerrilheiros. Quando eles paravam de atirar, podia-se passar.
Que idade tinha?
17-18 anos. Eu vim para Lisboa em Junho de 75, um mês antes do meu pai desaparecer. E quando cheguei aos 50 anos pensei que seria altura de escrever um livro sobre o que vivi lá, mas dei-me conta que não sabia nada daquela terra. Durante dois anos, li livros compulsivamente. E escrevi a história do meu pai, mas quando cheguei à parte do desaparecimento dele, decidi mergulhar nos arquivos, onde descobri estas histórias inéditas.
Lembra-se do dia em que ele desapareceu (a 16 de Julho de 1975)?
Lembro.
Como é que recebeu essa notícia?
Eu estava em casa de umas pessoas amigas, porque viemos de Angola à pressa e não tínhamos onde ficar. Foi uma dessas pessoas que me deu a notícia.
O que é que lhe disse?
“O teu pai desapareceu.” Desapareceu!? “O teu pai desapareceu!” E eu dei a interpretação de uma miúda de 17 anos: desapareceu? Como? O que é que isso quer dizer?
Teve irmãos e a sua mãe para a ajudarem a fazer essa interpretação?
Claro. Mas nunca mais se soube nada do meu pai. As informações que tivemos, ao longo do tempo, foram sempre contraditórias. Eu não sei que motivos poderia haver para o seu desaparecimento. Possivelmente, não era da mesma cor do MPLA. O que deve ter acontecido a muita gente que vem nessa lista.
É verdade que a maioria dos presos era acusada de pertencer à UNITA ou à FNLA ou de manter contactos com os seus dirigentes?
Foi o que conclui da documentação que consultei.
O seu pai era empresário em Luanda, como era a vida dele? Tinha ligações políticas?
Não, ele era uma pessoa muito discreta. Não falava de política.
Era um homem influente?
Conhecia muita gente, foi para Angola muito cedo. Com 18 anos.
Ele emigrou com o objectivo de enriquecer?
Não. Ele tinha sessenta e tal anos quando tudo aconteceu e considerava aquela a sua terra. Amava-a profundamente, como muitos outros portugueses. Não queria vir. Dizia que morria lá.
O que a leva a crer que tivesse sido raptado?
Pelo que descobri nos arquivos, as pessoas eram raptadas porque lhes cobiçavam o carro, os bens, ou porque não eram da cor política. Por variadíssimas razões. Acho que quiseram correr com os brancos de Angola que estavam lá radicados há mais tempo.
Acredita que no caso dele foi por lhe cobiçarem os bens?
Não sei. Houve casos tão absurdos que qualquer coisa pode ter servido de pretexto.
A sua família seguiu alguma estratégia para o encontrar?
Através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com cunhas a ministros  e cartas à Presidência da República.
Cunhas?
Sim, para nos receberem. Eles não recebiam os familiares destas pessoas, porque lhes era um assunto incómodo. Lembro-me de ter ido uma vez com a minha mãe falar com o ministro Melo Antunes.
Das denuncias feitas pelos familiares dos portugueses desaparecidos, desde o MNE, à Presidência da República, à Cruz Vermelha, quais destes organismos oficiais intercederam realmente a favor dos desaparecidos?
Certamente que se empenharam, mas pouco resultou. Uma coisa não fizeram: denunciar a situação à comunidade internacional.
Politicamente, Portugal estava interessado em questionar?
Não. Aliás, todos estes portugueses me contaram como havia instruções rigorosas para não falarem à Imprensa. E esta é a primeira vez que eles contam a história. Eu encontrei-os porque lhes queria mostrar a fotografia do meu pai. Pensava que, se eles foram presos antes da independência, e como o meu pai desapareceu nessa altura, se tivesse sido preso, ter-se-iam encontrado. Só que, de facto, pelo que se percebe, havia várias hierarquias de presos e prisões e uns nunca viam os outros.
E nunca ninguém viu o seu pai?
Há manuscritos que dizem que sim, mas eu pergunto-me: ‘serão verdadeiros?’
Faz ideia sobre como é que ele terá morrido?
Há a hipótese de ter sido fuzilado, como foram outros portugueses, nomeadamente, durante o 27 de Maio de 1977. As prisões em Angola, não tinham a lista dos que entravam, só dos que saiam. E isso vem reconhecido por um diplomata português, num telegrama. Não sabemos quantos ficaram pelo caminho...
Só em 1999 conseguiram obter a certidão de óbito dele. Porquê tão tarde?
Como não há corpo, a morte tem que ser presumida. E têm que passar esses anos para ser oficializada.
A sua família viveu sempre com algum sentimento de injustiça, de impunidade?
Evidentemente.
Fala no seu livro, 'en passant', do calvário da sua mãe por não saber do paradeiro dele. Como foram vividos estes momentos?
Com muita dor. Houve um ano em que recebemos um telegrama a dizer que ele estava bem e deveria regressar a Portugal no Natal. Mas os anos passaram e nada aconteceu. E a partir de uma dada altura, ele já teria uma certa idade, deixámos de pensar nesses termos...
O que aconteceu aos prisioneiros após a independência?
Só falei com alguns, mas o livro refere os tormentos por que passaram muitos outros.
Como é que foram tratados estes prisioneiros?
Está aí tudo no livro. Eu acho que eles eram tratados pior que animais. Passavam fome, frio, não tinham sol, sofriam torturas inenarráveis. Não havia médicos, muitos morreram. Acusados sem julgamento. Este é o pedaço da nossa História Contemporânea que falta contar. O que se passou foi escandaloso.
Quando fala de escândalo refere-se à forma como os portugueses foram deixados lá pelo Governo português?
Sim e de como foi a própria descolonização.
O livro fala de ligações da polícia portuguesa e das Forças Armadas portuguesas com o MPLA. Qual era o interesse?
Achavam talvez que fosse legitimo que o MPLA tivesse o poder. Mas, de facto, Portugal assinou acordos com os três movimentos. E quem fazia parte dos outros movimentos não podia ter sido marginalizado.
Era uma traição à pátria...
Claro que sim. Então, deixam-se compatriotas num sítio quando se sai de lá para sempre, sabendo que eles ficam naquelas condições? Porque eles sabiam o que se passava.
Conte-me o que descobriu sobre os movimentos clandestinos dos partidos políticos angolanos antes da Independência?
O que mais me chocou foi a Polícia Judiciária, muitos meses antes da independência, ter agentes seus a trabalhar com seguranças do MPLA – o que legitimava as prisões. E outra das coisas que me impressionou, foi saber que a PJ – que não tem nada a ver com esta de cá – era quem seleccionava os presos portugueses que eles deixavam embarcar.
O MPLA apresentou diversos presos como criminosos que fariam oposição ao processo de descolonização e de Independência de Angola. Fez-se propaganda com eles?
Fez-se: o MPLA deu uma conferência de imprensa, quatro dias após a independência, exibindo-os como mercenários. Não era verdade para todos. O próprio MPLA reconheceu que os aprisionara e não os tinha entregue às autoridades portuguesas, que era o que lhe competia.
Nenhum deles nunca foi julgado, pois não?
Não, nenhum.
Qual foi a história que conta no livro que mais a impressionou?
A da médica, porque ela desmentiu um boato: a imprensa do MPLA publicou uma notícia a dizer que tinham sido encontrados órgãos humanos numa das delegações da FNLA. Isso era mentira, porque tinham roubado esses órgãos do teatro anatómico da maternidade de Luanda, onde essa médica trabalhava. Foi ela que desmentiu o boato contra a FNLA. E isso levou a que a tivessem raptado. Ela é uma das desaparecidas. É preciso explicar o porquê.
O MPLA tinha ecos na Imprensa portuguesa?
Tinha. Portugal vivia em 1975 o Verão Quente, o PREC, as esquerdas estavam todas em alvoroço. Foi neste cenário que tudo aconteceu. Independentemente disso, abandonaram lá portugueses.
Escreveu um livro ao estilo de reportagem. Pretende que fossem os sobreviventes das prisões clandestinas em Angola a contarem o que se passou?
Quis dar voz a quem ainda não a teve. Por isso ponho as pessoas a falar à vontade. Mas há muita gente que não quer.
É traumatizante não é?
Claro que sim.
Sente esse trauma?
Agora libertei-me dele. Mas, durante muitos anos, foi um grande peso que senti na alma.
Procurou a ajuda de algum psicólogo ou psiquiatra?
O que mais me ajudou foi conversar com pessoas que passaram por situações semelhantes. Foi este livro.
De certa forma, sente que está a fazer justiça ao publicar o livro?
Nunca se poderá fazer justiça a toda esta injustiça. É demasiado grande. Mas acho que temos que começar a abrir os ficheiros secretos da descolonização. E ainda há muitos.
Sabe se algum familiar destes desaparecidos, ou dos presos, alguma vez apresentou um processo judicial contra o Estado português?
Acho que vontade não faltou.
O que é que estes Ficheiros Secretos pretendem principalmente denunciar do processo de descolonização?
Pretendem contar histórias ainda desconhecidas. De cidadãos portugueses que foram abandonados e de decisões políticas e militares que se revelaram desastrosas. Está tudo documentado.
O que é que descobriu?
As autoridades portuguesas estiveram lá, na última etapa, como se não estivessem. Se formos ver o que se passou, eles fizeram muito pouco pelos portugueses que lá estavam e que sempre lá estiveram. Viam-nos quase como se não fôssemos portugueses, mas como os brancos que “se meteram” com os movimentos. Tiveram o mérito da ponte aérea – com muita ajuda estrangeira. Angola foi abandonada, com portugueses dentro. E as coisas têm que ter dignidade. Admiro os países que trazem para a pátria os seus mortos de guerra e lhe conferem essa dignidade. Em Portugal é o contrário. Ainda temos corpos de soldados portugueses da I Guerra Mundial na Europa e ainda há corpos de soldados portugueses nas ex-colónias africanas. O Estado português não dignifica os seus mortos. E portanto não se dignifica a si próprio.
PERFIL
Leonor Figueiredo, de 52 anos, foi jornalista do Correio da Manhã e depois, 21 anos, do ‘DN’, título onde tencionava publicar o trabalho que deu origem a este livro.
FICHA DO LIVRO ‘FICHEIROS SECRETOS DA DESCOLONIZAÇÃO EM ANGOLA’, DA AUTORIA DE LEONOR FIGUEIREDO
Edições Alêtheia, 16€ (à venda nas livrarias a partir de 7 de Agosto)
Durante mais de 30 anos, a jornalista Leonor Figueiredo procurou pistas sobre o desaparecimento do pai em Angola, em Julho de 1975. Nos arquivos do Estado, descobriu mais de 250 portugueses que foram ‘esquecidos’ propositadamente. Encontrou cinco antigos presos em Luanda, na esperança de que conhecessem o seu pai. Resultado: pouco escreveu sobre o pai mas recolheu para este livro arrepiantes testemunhos da prisão e do abandono na ex-colónia.
AS PÁGINAS DA MEMÓRIA ANGOLANA: PRÉ-PUBLICAÇÃO
O JORNALISTA GEORGES LECOFF TESTEMUNHA O SOFRIMENTO DAS FAMÍLIAS DOS PRESOS
'Dia 9 de Novembro de 1975. Era um domingo de fim de Primavera, e o jornalista Georges Lecoff dava uma volta por Luanda. Foi à fortaleza de São Miguel, ainda com sinais da presença de alguns funcionários e tropas portugueses que «há várias semanas» tinham a impressão de que já não faziam «nada» em Angola. Foi então que assistiu à presença de várias mulheres que choravam, pedindo aos militares portugueses para salvarem das prisões do MPLA «um pai, um marido ou um filho, sem nada conseguirem, além de boas palavras». O jornalista lembrava-se de que «algumas dezenas» de portugueses tinham sido encarcerados «sem que o exército português tivesse interferido»'
UMA MÉDICA ENTRE OS VIVOS E OS MORTOS
'«(...) A minha mãe tinha estado a trabalhar na maternidade até às quatro ou cinco da manhã. Por isso, quando lhe foram bater à porta, ela veio abri-la em pijama. Eu só acordei quando ouvi o barulho da discussão. Venho à porta e vejo três negros à civil, a discutir com ela. Durou uns dois minutos. Estavam no patamar das escadas do prédio. Diziam: ‘A senhora vem, vem… já lhe disse que vem!’ Agarraram nela e levaram-na. Eu tinha 13 anos, não tive capacidade de reacção. Tenho o filme na minha cabeça. A minha mãe foi raptada, sem nenhuma dúvida. Agarraram nela, levaram--na, de camisa de noite e robe. Nem sequer a deixaram vestir-se. Meteram-na num jipe e foram embora. Agarraram-na e levaram-na. Foi assim…»' (...) '«O que nos foi dito é que terá sido levada para a Praça de Touros, em Luanda, e morta dois ou três dias depois de raptada.»'
LUÍS GUERREIRA PEREIRA, DETIDO EM FINAIS DE JULHO DE 1975
'«Sofri muito no dia seguinte. Bateram--me bastante, torturaram-me diversas vezes. Fisicamente, três ou quatro vezes, mas psicologicamente muitas. A partir daí a minha detenção foi muito acidentada, porque eu não sabia o que me iam fazer a seguir. Levaram-me para quatro ou cinco sítios diferentes. Tiravam-me o adesivo dos olhos e o capuz, e de repente eu estava numa casa de banho. Nunca via o exterior. Na mesma época passei por quinze ou dezasseis, para não exagerar, cubículos diferentes: pequenas áreas, cozinhas, casas de banho… Levaram-me para a Praça de Touros, em Luanda, poucos dias depois, para ser abatido e enterrado. Eu ouvira dizer na FNLA que eles matavam ali as pessoas e enterravam-nas na arena. Lembro-me de estar lá, com as mãos amarradas atrás das costas, com adesivo nos olhos e um saco na cabeça. No corredor de acesso à arena, encostaram-me à parede e a caliça saltava e picava com os disparos que eles faziam à volta do meu corpo. Aquilo foi encenado, eu não era para ser fuzilado. Mas só vim a sabê-lo depois. Fiquei lá umas duas horas.»'
OS PRESOS TINHAM CONDIÇÕES 'RAZOÁVEIS', SEGUNDO O REPRESENTANTE DO MNE
Em Dezembro de 1975, informou Lisboa da presença «no Campo da Sapu de quinze presos acusados envolvimento FNLA antes independência». Dizia o representante português que as suas condições eram «razoáveis». «Alguns vêm trabalhar cidade, outros trabalham próprio campo. Não têm sido maltratados. Dizem não recear julgamento pois muitas acusações feitas seriam fantasia. Alimentação é muito fraca (...). Principal queixa que têm é incerteza sua situação: desde há três semanas que lhes dizem quase diariamente que vão ser libertados, o que não se verificou até agora.»'
'CECÍLIA EFRATI: UMA NOIVA QUASE ETERNA'
'Desaparecer é diferente. Quando se vê um corpo, dói, mas depois fazemos o luto. Com um desaparecimento, passamos por fases incríveis, mas não esquecemos. Três meses antes de o Jorge desaparecer tínhamos perdido o nosso bebé. Entrei, então, numa fase má, da qual muita coisa ficou nublada na minha memória.' (...) 'Fiquei em Angola, na esperança de encontrar um rasto do Jorge. Em 1976, vim conhecer Portugal, e regressei. Mas, em finais de 1978, deixei Angola.' (...) 'Só muitos anos depois, quando fiquei grávida do meu filho mais velho, do novo casamento, sonhei pela primeira vez com o Jorge. Nesse sonho, contámos tudo um ao outro. Ele até pôs a mão na minha barriga. Tive a sensação de que esta criança vinha puxar-me de novo para a vida. A partir daí, comecei a pôr uma pedra sobre o passado. Mas a dor fica sempre num canto do coração.'
HOMEM DISCRETO E EMPRESÁRIO
Em 1928, aos 18 anos, João Cândido Figueiredo (na foto ao lado) partiu para Angola. Tornou-se empresário em Luanda. Era um homem discreto que não falava de política. Desapareceu em Julho, o mês mais crítico de 1975. A família, que já tinha fugido para Portugal, nunca mais ouviu a sua voz; nunca mais o viu. Seguiu-se um calvário indescritível para desvendar o seu estranho desaparecimento. A sua mulher meteu cunhas a ministros, chegou à fala com Melo Antunes, mas foi tudo em vão.
'VERGONHA DE SER PORTUGUÊS'
Leonor Figueiredo foi jornalista do Correio da Manhã até ao final da década de 80. A 25 de Maio de 1987 publicou um artigo (ao lado) com as revelações de Américo Pires Afonso, ex-detido nas prisões clandestinas de Angola. 'Eu vivia aterrorizado com os gritos nocturnos dos presos das celas vizinhas. A prisão de Catete era composta por várias galerias e subterrâneos onde as pessoas desapareciam e nunca mais eram vistas. Todas as noites havia tortura de presos do processo Kamanga, relacionado com o tráfico de diamantes. Chegavam às celas todos partidos e cheios de sangue', relatou ele à jornalista. 'Portugal teve um comportamento de abandono total. Será que o petróleo tem mais valor do que os portugueses que estavam em Angola? Eu tenho vergonha de ser português', confessou Américo.
Bruno Contreiras Mateus
CORREIO DA MANHÃ(Lisboa) – 26.07.2009
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