sábado, 28 de janeiro de 2012

A Odisseia dos Retornados: DESCOLONIZAÇÃO EXEMPLAR ou GAIVOTAS QUE VOAM (RETORNADOS DAS EX-COLÓNIAS)


Já que ninguém parece interessado em começar a contar a sua experiência, vou começar, a par de algumas notícias do Jornal Província de Angola para melhor compreendermos a apatia e ilusão que invadiu a alma dos nossos conterrâneos não lhes permitindo uma reacção concertada e atempada ao que se estava a passar, a editar aqui retalhos do magnifico relato de ADRIANO DE ALMEIDA GOMINHO [narrativa 1975-2005], Jubilado da Aviação Civil em Portugal, Ex-administrador em Timor, Estudante do IV ano de Direito, em Lisboa, na sua obra DESCOLONIZAÇÃO EXEMPLAR ou GAIVOTAS QUE VOAM (RETORNADOS DAS EX-COLÓNIAS).

AS GAIVOTAS JÁ NÃO VOAM

Vagas de refugiados e funcionários chegavam ao aeroporto da Portela e ao cais de Alcântara, em Lisboa. O Quadro Geral de Adidos, já a funcionar na Avenida Duque de Ávila, não dava vazão aos milhares de processos, recebidos diariamente aos balcões ou pelos Correios. Os funcionários de serviço não tinham mãos a medir para aceitar todos os processos de ingresso; as pessoas ficavam na rua em intermináveis bichas, à espera do dia seguinte. O estado exaltado dos espíritos e a debilidade dos corpos geravam frequentes reacções violentas. Foram colocadas no interior das Repartições alguns polícias para a segurança dos funcionários. Os desentendimentos surgiam entre os próprios funcionários do mesmo serviço, pois os colegas oriundos do extinto Ministério do Ultramar consideravam-se “casta superior” e com direito a mando sobre os funcionários recém-integrados nos Adidos. Houve sequestros do pessoal, até à meia-noite, nos locais de trabalho, com os retornados manifestando-se, ruidosamente, na Avenida Duque D’Ávila [e com razão, diga-se], devido à morosidade no atendimento e despacho dos processos, sem o qual não se podia recomeçar a vida. Mesmo após o ingresso no Quadro, a integração dos funcionários das ex-colónias nos Serviços do Estado ou das Autarquias Locais não foi tarefa fácil, pela oposição maldosa movida pelos invejosos e mal-preparados funcionários locais. Conta-se que um funcionário muito categorizado foi destacado para chefiar a Secretaria de uma Câmara Municipal e, logo à chegada, os funcionários residentes esconderam todos os impressos e carimbos existentes na Repartição, dificultando a sua integração. A um outro foi-lhe dada a missão de chefiar o pessoal das limpezas das ruas e jardins de uma cidade qualquer [fora administrador em Timor e estivera preso num campo de concentração na Indonésia], mas acabou por alcançar um lugar do topo da chefia, pelo mérito demonstrado e forma estóica como soube suportar, por muitos anos, as afrontas, os vexames e os insultos dos ditos colegas. Infelizmente já faleceu, na data em que escrevo. Um piloto das linhas aéreas de Angola foi destacado para uma Escola C+S, nos arredores da capital, para distribuir leite às criancinhas, no recreio das dez, em vez de pilotar aviões, a única coisa que sabia fazer bem... A TAP não tinha lugar para retornados...

Um outro funcionário foi destacado para uma Câmara vermelha, nos arredores de Lisboa. Fizeram-lhe a vida tão negra que preferiu abandonar o posto, para servir de motorista numa Empresa de Transportes...

Podia dar mais uma carrada de exemplos, mas para quê?, caro leitor estarrecido...




RUCA in Mazungue

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