A vinda para Portugal, em 1975, de muitos milhares de portugueses que viviam nas ex-colónias suscita, 20 anos depois, a recordação dessa epopeia. Neste artigo abordarei esse tema para divulgar alguns dados que constam de relatórios oficiais.
Em 25 de Abril de 1974 já existiam no então Ministério do Ultramar dois núcleos de apoio a desalojados. O primeiro era a Comissão Administrativa e de Assistência aos Desalojados (CAAD), que fora criada para resolver problemas de pessoas que vinham da Índia Portuguesa; outro era o Centro de Apoio aos Trabalhadores Ultramarinos (CATU), que apoiava os trabalhadores cabo-verdianos.
Em Junho de 1974 começaram a chegar pessoas a Lisboa vindas de outras ex-colónias, nomeadamente da Guiné e de Moçambique, em número reduzido, mas já indicativo de alarme. Por isso foi criado um terceiro núcleo, designado por Grupo de Apoio aos Desalojados do Ultramar (GADU), o qual prestou auxílios de emergência. Este Grupo desenvolveu actividades crescentes perante o crescente afluxo de pessoas e famílias. Esse afluxo mostrou-se muito grave logo no início de 1975 e o GADU não encontrou respostas necessárias nas diversas estruturas da Administração Pública, as quais resolveram ignorar o problema. Foi preciso criar um serviço nacional que desse respostas. Pelo Decreto-Lei N.º 169/75 de 31 de Março, foi criado o Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN).
O IARN assumiu responsabilidades em todas as áreas, Funcionava como se existisse nele uma Administração Pública só para retornados. E assim era porque os serviços normais do Estado afastaram os problemas ajudando, ainda por cima, a aumentar a carga negativa da palavra retorno. Os retornados eram seres indesejáveis, talvez porque vinham reduzir ou eliminar a supremacia das influências dos que pretendiam instaurar em Portugal um regime autoritário de esquerda marxista.
O IARN teve que montar estruturas e serviços para responder às solicitações. Recebia os regressados, fornecia alojamentos, subsídios de família, bolsas de estudo, etc.
Em Outubro de 1975 foi criada a Secretaria de Estado dos Retornados, integrada no Ministério dos Assuntos Sociais, a qual passou a tutelar o IARN. Alguns indicadores dessas actividades:
RETORNO – De Junho de 75 a Novembro de 76 foram recebidas pelo IARN 275.599 pessoas de Angola, das quais 173.982 transportadas em 905 voos da ponte aérea com origem em Luanda e Nova Lisboa, e 101.617 chegaram a Portugal pelos seus próprios meios. Em Abril de 76 foram recebidas mais 11.000 pessoas de Angola, transportadas em mini-ponte aérea com origem em Windhoec; de Moçambique foram recebidas no aeroporto de Lisboa 30.194 pessoas e de Timor 1.525.
SUBSÍDIOS DE EMERGÊNCIA – De Janeiro de 75 a Agosto de 76 foram concedidos subsídios no valor de 887.116 contos.
ALOJAMENTO – Em Dezembro de 76 e através de 1.457 estabelecimentos espalhados pelo país, encontravam-se alojadas 71.568 pessoas por conta do IARN, com diárias que variavam entre 270$00 (mínima) e 875$00 (máxima). Destas, 35.269 estavam alojadas na área de Lisboa.
HABITAÇÃO – 4.053 inscrições para procura de habitação, mas com oferta praticamente nula.
EMIGRAÇÃO _ Dado o apoio 5.266 agregados familiares compostos por 12.642 pessoas, que emigraram. Destas, 94,2% emigraram para o Brasil e as restantes para 28 países diferentes.
APOIO À INFÂNCIA, 3.ª IDADE E DEFICIENTES _ Apoio a 502 casos de crianças e idosos sem família. Apoio a 837 crianças colocadas em instituições de assistência ou agregados familiares receptores. Apoio a 609 deficientes.
APOIO A FUNCIONÁRIOS _ Concedidos 265.300 contos como adiantamentos a funcionários que pediam ingresso no Quadro Geral de Adidos, criado com finalidade de integração dos funcionários ultramarinos na Administração Pública.
EMPRÉSTIMOS PARA INTEGRAÇÃO _ Emprestada a importância de 121.787 contos para pequenas iniciativas. Estes empréstimos feitos pelo IARN não se confundem com os feitos pelo Comissariado para os Desalojados, a quem faremos referência mais adiante.
BAGAGENS E VIATURAS _ Recebidos 516.268 m3 de bagagens e 22.774 viaturas.
TRANSPORTES _ Do aeroporto da Portela para diversos destinos: 34.144 pessoas em 546 autocarros alugados; 34.197 volumes com 124.563 m3 manuseados e transportados; 11.952 volumes com 17.971 m3 manuseados e transferidos de armazém para armazém em Lisboa.
PRESTAÇÕES SOCIAIS _ 120.733 processos de desemprego organizados e um dispêndio de 3.209.546 contos; 318.742 contos de abono de família; 348.257 contos de prestações complementares.
BOLSAS DE ESTUDO _ 4.324 bolsas para ensino superior, no valor de 78.939 contos; 64.200 contos de auxílios a estudantes de outros graus de ensino.
GÉNEROS _ (auxílio nacional e estrangeiro) – Recepção, armazenagem e distribuição de 16.214,5 toneladas de géneros recebidos do estrangeiro e 117,8 toneladas de géneros de origem nacional.
ROUPAS E CAMAS _ Distribuídas 224.287 peças de vestuário, 158.713 peças de roupa doméstica, 570 camas e 972 colchões.
Actividades desta envergadura exigiram serviços complexos, extensos e de difícil coordenação e direcção. Os problemas aumentavam diariamente e o IARN, que atingiu dimensões e características ingovernáveis, passou a ser o bode expiatório de todos. As Associações de desalojados eram activas e contestatárias. Recordem-se as mobilizações que fizeram para contestar a Secretaria de Estado dos Retornados. A situação tornou-se insustentável e, perante a pressão das Associações e sob sua proposta, a Secretaria de Estado dos retornados foi Extinta e, em sua substituição, foi criado em 10 de Setembro de 1976 o Comissariado para os Desalojados, dirigido por um Alto-Comissário (o então coronel, hoje general, Gonçalves Ribeiro) assessorado por pessoas indicadas pelas associações e aceites pelo Governo.
O Comissariado tinha uma leve estrutura de serviços em Lisboa. Nos Açores e Madeira teve Comissões Regionais, uma Comissão Distrital em cada distrito e uma Comissão Concelhia em cada Município. Integrei-me então na equipa do Coronel Gonçalves Ribeiro, por proposta das Associações e requisitado ao Quadro Geral de Adidos, a que pertencia. Nessa equipa dirigi as tais Comissões Regionais, Distritais e Concelhias.
A primeira preocupação do Comissariado foi caracterizar o problema. Para isso fez o recenseamento dos desalojados em todo o território nacional, São interessantes alguns dos números registados:
a) Recenseados cerca de 500.000 desalojados correspondentes a 150.000 famílias.
b) Cerca de 110.000 activos estavam desempregados.
c) 71.568 alojados por conta do Estado, com um dispêndio diário de cerca de 20.000 contos.
d) A maior parte não tinha habitação própria.
e) A percentagem média nacional entre a população residente e a população desalojada atingia cerca de 6%, elevando-se a cerca de 11% no distrito de Bragança (máximo) e atingindo o mínimo de 1,38% no distrito de Évora.
Estes indicadores pecam por defeito, porque muitos dos desalojados já tinham emigrado e outros pensa-se que cerca de 2% não se recensearam.
Perante estes dados e outros que aqui não são referidos, o Comissário definiu os seguintes princípios de actuação:
1.º - O problema dos desalojados, pelas suas características e dimensões era um problema nacional muito grave. Sendo um problema nacional tão grave, deveria ser solucionado por todas as estruturas da Administração Pública.
2.º - O Comissário actuaria como órgão de estudo e acompanhamento do problema, como dinamizador das estruturas normais do Estado e como executor, em acção supletiva, nas áreas em que as estruturas normais do Estado ainda não actuassem.
3.º - Consequentemente, o Comissariado transferiria a pouco e pouco as suas atribuições para os serviços vocacionados do Estado tradicionais até à sua própria extinção, que se desejaria o mais rápido possível.
Com base nestes princípios e em programas específicos, assim trabalhou.
No Programa de Crédito para criação de novos postos de trabalho, o mais conhecido, até junho de 79 tinham sido realizadas 7.799 operações no valor global de 13.951.053 contos, dos quais 8.163.451 contos (41,5%) financiados pelas instituições de crédito. Estas operações de financiamento tiveram grande impacto em todo o País, que viu multiplicarem-se iniciativas de desalojados por todo o lado. Só em dois dos 305 Municípios as comissões Concelhias respectivas não conseguiram ultrapassar dificuldades para ali receberem essas iniciativas.
Os outros programas também funcionaram bem, excepto o de Habitação.
Com muitas dificuldades, os problemas foram sendo reduzidos até que puderam ser transferidos para as estruturas normais do Estado e o Comissariado foi extinto em 1979.
Quem desejar mais pormenores sobre estas actividades pode consultar os Relatórios para os Desalojados.
A ajuda internacional não foi de grande porte. Foram recebidos auxílios em espécie e em fundos. Quanto à ajuda em dinheiro, registou-se o seguinte: Holanda, 48.300 contos; Suécia, 63.000 contos; Noruega, 4.803 contos; E.U.A.; 1.078.115 contos; Grécia, 7.000 contos; Suíça, 45.000; Austrália, 1.100 contos.
O Conselho da Europa, através do Fundo de Reinstalação, emprestou 2,5 milhões de contos.
Outras organizações estrangeiras doaram fundos no valor de 11.500 contos. O total cifrou-se à volta de 1.258.818 contos, mais o empréstimo do Conselho da Europa, que o Estado Português amortizou.
A Caritas e outras organizações não governamentais também receberam fundos de instituições similares estrangeiras, nomeadamente da Alemanha e da Suíça, que aplicaram directamente em programas seus.
É justo endereçar aos desalojados o êxito da integração. Perante a adversidade, agiram com determinação, como já tinham demonstrado em África, mostraram competência, melhoraram todos os sectores no País como alavanca de progresso e substituíram o estigma de retornado, que quiseram colar-lhe em titulo de que muito se orgulham.
Pelo Dr. J. M. Marques Leandro
(Ex-Secretário de Estado da Administração Local)
CUMPRIU-SE O MAR E O IMPÉRIO SE DESFEZ... A História magoa. A independência das colónias forçou meio milhão de portugueses a tomarem parte numa ponte aérea que os desembarcou em Lisboa trazendo a amargura na bagagem e tendo de se adaptar a uma terra que, em muitos casos, não conheciam. Este blog fala de retornados, espoliados, de gente que perdeu as suas casas e os seus bens, e que, sem receber quaisquer indemnizações do Estado português, continuam nos seus sonhos a revisitar África.
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