segunda-feira, 19 de abril de 2010

Espoliados do ultramar: O EXEMPLO DE OUTROS PAÍSES COLONIZADORES

Aquilo que pode afirmar-se constituir um novo principio geral de direito - o de o Estado indemnizar os seus cidadãos vitimas da descolonização - tem sido respeitado pela generalidade dos países cuja soberania se estendia a territórios ultramarinos. Assim aconteceu nos casos da Grã Bretanha, da Bélgica, da Itália, da França, da Holanda ou da Alemanha. Portugal constitui a este respeito uma lamentável excepção:  vinte anos decorridos, o nosso pais não só não elaborou qualquer legislação nesse sentido como nem sequer admitiu uma responsabilidade que, em casos idênticos, as demais potências colonizadoras assumiram de pronto. Mais ainda: numa atitude que qualificaríamos de menos séria, procura transferir as suas obrigações para países terceiros que nem para tal estão vocacionados nem possuem meios materiais para proceder a quaisquer indemnizações ( Art. 40 da lei das Indemnizações nº 80/77, de 26 de Outubro). Não desejando sobrecarregar a presente exposição com múltiplos dados, por vezes repetitivos, cingir-nos-emos à legislação francesa,  numerosa, extremamente detalhada e em que e notória a preocupação de proceder ao seu constante aperfeiçoamento. Salientamos, assim, alguns aspectos das medidas legais mais relevantes adoptadas pela França.
A partir de 1961, a legislação francesa ocupou-se da reintegração dos seus cidadãos, até então residentes em territórios sob a soberania da França, com diversos subsídios e medidas de carácter social; em 1969 instituem-se disposições de protecção jurídica em favor dos repatriados e espoliados dos seus bens no ultramar, nomeadamente suspendendo, " até entrarem em vigor medidas legislativas conducentes as indemnizações", a execução de obrigações financeiras por eles contraídas junto de organismos de crédito que tivessem assinado acordos com o Estado ( Lei 69 -992 de 6/11/1969, art. 2º). Nos anos 70 será particularmente numerosa a legislação relativa aos espoliados do ex-ultramar francês. Notaremos em primeiro lugar a Lei nº 70-632 de 15/07/1970 que tem por título "Contribuição nacional para a indemnização dos franceses espoliados de bens situados em território anteriormente sob a soberania, protectorado ou a tutela da França". Logo no seu art. 1º se refere esta lei à indemnização que a lei de 1961, nº 61-1439 de 26/12, já previa no seu art. 4º . Propõe-se a referida lei de 1970 proceder ao que designa por uma "contribuição nacional" a indemnização, com o carácter de adiantamento sobre os créditos detidos pelos espoliados ( art. 1º); define o que entende por pessoas físicas e pessoas morais com direito a indemnização, as circunstancias que levam o acto a ser classificado de "espoliação", enumera os bens indemnizáveis segundo categorias que estabelece, bem como critérios para a sua indemnização, etc. A defesa de bens e interesses dos repatriados ficava entregue à  "Agência Nacional para a Indemnização dos Franceses do Ultramar", colocada sob a dependência do Primeiro Ministro; alem de outras atribuições que lhe eram conferidas, ficava a agência encarregada da "execução das operações administrativas e financeiras previstas na presente lei". Os pedidos de indemnização deviam ser apresentados dentro de um ano; a introdução dos processos seria efectuada segundo uma ordem de prioridades que dependia dos meios de subsistência, da idade, dos encargos familiares e do estado físico dos interessados. Quanto à liquidação das indemnizações, a lei estabelecia no seu art. 41º que o montante da indemnização era igual ao valor global da indemnização por esses bens, afectado pela aplicação de coeficientes que indica e variavam segundo o montante dos bens. As indemnizações seriam liquidadas pelo director da Agência Nacional para as Indemnizações, segundo modalidades a fixar por decreto, dentro do limite de verbas orçamentais estabelecidas em cada ano. Das decisões sobre o reconhecimento do direito à indemnização ou sua liquidação cabia recurso para as comissões do contencioso da indemnização, fixadas por decreto do Conselho de Estado; da decisão das comissões podia recorrer-se para o próprio Conselho de Estado.
Um decreto de 1970 ( nº 70-720 de 05/08/1970) referia-se exclusivamente à determinação e avaliação dos bens indemnizáveis situados na Argélia, variáveis consoante as regiões.
Um decreto posterior ( nº 70-982 de 27/10/1970) coloca a Agência Nacional para a Indemnização dos Franceses Ultramarinos, por delegação do Primeiro Ministro, sob a tutela do ministro da economia e finanças; do seu conselho de administração fazem parte, entre outros membros, " três pessoas que conheçam os problemas da competência da Agência" e são escolhidas pelo Primeiro Ministro " por proposta das associações mais representativas dos repatriados".
Segundo a Lei nº 78-1 de 02/01/1978, relativo à indemnização dos franceses espoliados, é criado um complemento de indemnização, a adicionar à anteriormente estabelecida " contribuição nacional", ainda com o carácter de adiantamento sobre os créditos dos espoliados. São actualizados a Dezembro de 1978 os valores das indemnizações; o título de complemento de indemnização que as pessoas com mais de setenta anos recebem tem carácter prioritário que lhes permite pedir em cada ano o pagamento de um quinto do montante do título, enquanto pessoas de mais de oitenta anos podem pedir o seu reembolso em dois anos; as de idade inferior a setenta anos serão reembolsadas em quinze anos; em todos os títulos serão pagos juros, livres de impostos ; os títulos podem constituir-se em garantias de empréstimos .
O decreto nº 78-231 de 02/03/1978 esclarece alguns pontos da lei acima referida e actualiza o valor do complemento de indemnização. Empréstimos de consolidação de dívidas, concedidos aos repatriados com dificuldades económicas e financeiras, são objecto de legislação em 1987 e 1988.
Em conclusão, o gradualismo desde cedo adoptado pelo Estado francês tem viabilizado o cumprimento de responsabilidades que jamais enjeitou e contribuído para a pacificação da sociedade francesa. Seja-nos permitido notar que atitudes opostas conduzem necessariamente a efeitos opostos: mal-estar social e descrédito de instituições que os espoliados portugueses bem desejariam poder respeitar.

http://www.aemo.org/outrosp.html

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