O património privado português em
Angola e Moçambique
à data da descolonização
ANTÓNIO PIRES
Os
valores patrimoniais que os cidadãos portugueses foram obrigados a deixar em
Angola e Moçambique, por força da descolonização e porque se tratava de bens
fixos fixos, nunca foi avaliado, nem sequer por mera avaliação valorimétrica,
por várias razões de que referimos aqui apenas as principais.
Nem
em Angola, nem em Moçambique, se fez nunca um inventário suficientemente
completo e digno de fé, acerca do património privado. Qualquer tentativa de
recolha desses dados tem, pois, de fazer-se pela consulta de poucos elementos
dignos de crédito, relativamente a períodos descontínuos e, na maioria dos
casos, obedecendo a critérios pouco uniformes.
A despeito destas dificuldades, e porque uma tal
recolha é de importância fundamental a vários títulos, decidimo-nos à
elaboração de um trabalho que, de alguma forma e com erros inevitáves,
constitua ao menos como que um ponto de partida para a avaliação do património
privado que os portugueses deixaram em Angola e Moçambique, as duas maiores
províncias do ex-Ultramar português.
No
que respeita a Angola, socorremo-nos da consulta aos relatórios do Banco de
Angola, dos relatórios anuais das Contas Públicas elaboradas pêlos Serviços de
Fazenda e Contabilidade, e, em alguns casos, dos relatórios do Banco de
Portugal na parte relativa às contas das Províncias Ultramarinas.
Quanto
a Moçambique a consulta foi mais difícil, dada a falta de continuidade dos
relatórios do Banco Nacional Ultramarino que pudemos consultar; não conseguimos
obter nenhum exemplar dos relatórios da Direcção dos Serviços de Fazenda e
Contabilidade, que deveriam existir à semelhança dos de Angola.
Chega-se
a ter a impressão de que certas entidades ou serviços oficiais tiveram especial
empenho em fazer desaparecer, ou dispersar, a maior parte da documentação
básica, de caracter oficial, que espelhava, ano a ano, o progresso das
províncias ultramarinas, nomeadamente Angola e Moçambique.
Mas,
para além da aflitiva e incompreensível falta de informação objectiva, quando
se consultam por exemplo os arquivos jornalísticos, deparamos com discursos e
mais discursos laudatórios do esforço dos portugueses nas suas províncias
ultramarinas, pelo menos até ao momento a partir do qual, aqui mesmo no nosso
próprio país de origem, surgiram certos arautos da negação do papel histórico
nacional.
Todavia,
mesmo a despeito da campanha desencadeada aqui mesmo, no nosso próprio país,
com vista a diminuir não só a projecção histórica e a acção civilizadora de
Portugal em África, como igualmente a importância dos nossos investimentos
nessas terras distantes - mesmo assim é possível estabelecer estimativas, nem
sempre concordantes mas em todo o caso muito aproximadas, sobre a avaliação do
património que os portugueses deixaram, pelo menos em Angola e Moçambique.
A
consulta desses elementos, sobretudo as suas discrepâncias, daria motivo para
longas dissertações e comentários, que seriam descabidos neste lugar e nesse
momento. Mas podemos em todo o caso – e devemos faze-lo neste momento — afirmar
que os elementos colhidos nos levam a uma avaliação de mais de TREZENTOS
MILHÕES DE CONTOS só de investimentos patrimoniais privados, que os portugueses
deixaram em Angola e Moçambique, à data da independência e por força da
violência que todos conhecem.
TREZENTOS
MILHÕES DE CONTOS a preços de 1974 ou 75 — que o mesmo é dizer UM BILIÃO E MEIO
DE CONTOS em valores actuais, pois que o dólar valia então 38$00 escudos
portugueses à data da descolonização, e a libra esterlina 58$00 escudos, — ou
seja, entre quatro vezes, a quatro vezes e meia mais se avaliados a preços
actualizados!
Bem
sabemos que os números são coisa fácil de manipular, e que numa situação destas
surgirão, por um lado, aqueles que nos acusarão de empolarmos os números para
obter efeitos propagandísticos — e que outros procurarão ver neles outras
intenções, que não são as nossas.
Todavia,
este cálculo de UM BILIÃO a UM BILIÃO E MEIO DE CONTOS, dos valores
patrimoniais deixados pêlos portugueses no Ultramar, não parece de forma
nenhuma exagerado, e pelo contrário, no insuspeito «Diário de Notícias» de 6 de
Novembro de 1978, o ex-Ministro dos Estrangeiros Dr. José Medeiros Ferreira
citava uma avaliação feita por responsáveis portugueses do montante dos
investimentos privados portugueses efectuados em Angola e Moçambique durante a
época colonial, por ocasião da visita a Portugal do Secretário-Geral da ONU,
Sr. Kurt Waldheim, em Julho de 1974 ou seja exactamente a quando do
desencadeamento do processo de descolonização, em 190 milhões de contos
para Angola, e 150 milhões de contos para Moçambique.
Valores
bastante superiores àqueles que nós apurámos, o que não é de surpreender, visto
que tais «responsáveis portugueses» dispuzeram, certamente, de documentação
mais abundante e de meios de apuramento mais eficientes de que os por nós
utilizados a título meramente pessoal e em curtíssimo espaço de tempo.
Entendemos, por isso, que deve ser com base nos números apurados pêlos
responsáveis portugueses citados pelo ex-Ministro dos Estrangeiros Dr. Medeiros
Ferreira, com toda a autoridade que lhe advém do exercício de tão altas
funções, que devemos estabelecer a avaliação do património privado que os
portugueses foram obrigados a deixar em Angola e Moçambique: TREZENTOS E
CINQUENTA MILHÕES DE CONTOS a preços de 1974. Valores patrimoniais que, feita a
correcção com base na depreciação do Escudo ou pela comparação com os
valores de então, do dólar e da libra, representariam hoje entre UM BILIÃO A UM
BILIÃO E MEIO DE CONTOS!
E
sobre este cômputo, forçosamente incompleto, mas que se peca é por deficiência
e não por exagero, e baseado em fontes oficiais e responsáveis citadas por um
ex-Ministro dos Estrangeiros, que tem de basear-se o cálculo das indemnizações
que os espoliados de Angola e de Moçambique têm a reclamar do Governo
Português, dado que é ao Estado Português que cabe, inteira e sem subterfúgios,
a responsabilidade do abandono dos seus bens, a que os portugueses foram
obrigados pela retirada das forças e derrocada das instituições que garantiam o
exercício da autoridade portuguesa naquelas então Províncias Portuguesas do
Ultramar.
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