segunda-feira, 22 de março de 2010

RETORNADO, VERGONHA DE QUÊ ?

NO JORNAL "O DIA" (1982) : -"RETORNADO,VERGONHA DE QUÊ ?..." -- "A CAIXA RECREATIVA E FAMILIAR DE "OS INSEPARÁVEIS DO LUBANGO" -- "CÔMPUTO FINAL..." -- "DOIS PROBLEMAS GRAVES QUE AFECTAM OS DESALOJADOS" -- "NA MATA DO BUÇACO - V PIQUENIQUE ANUAL DE OS INSEPARÁVEIS DO LUBANGO" -- "CONVÍVIO DE POORTUGUESES MARCADOS PELA TRAGÉDIA EM CONDIÇÕES INFRA HUMANAS" -- OITOCENTOS DESALOJADOS DO ULTRAMAR NO CASTELO DE LEIRIA" -- .............................................................. -- NO JORNAL "O LOBITO" : - "AMIGOS RETORNADOS (I - II)" -- "TRAIDORES, TAMBÉM JÁ TIVEMOS NOUTRAS VEZES" (I - II)-- "ESCLARECIMENTO" (I - II) -- "OS ENCONTROS E DESENCONTROS DAS CALDAS DA RAINHA E OUTROS" (I -II)-- (Reportagens e diversas entrevistas) -- ................................................................... ----- "RETORNADO, VERGONHA DE QUÊ ? " ------ Ao percorrer diversas zonas da região centro e tendo entrado em contacto com bastantes retornados (ou desalojados) das ex-colónias, tive ocasião de apreciar as mais diversas posições e situações. Por vezes constatei, com certa tristeza, que alguns deles parecem sentir-se constrangidos, envergonhados ou até de certo modo ofendidos por serem designados "retornados". Titubeando ou arranjando quaisquer desculpas, procuram furtar-se àquele nome. Alguns alegam desejarem esquecer totalmente o passado, outros pretendem que se extinga a designação de "retornado"; mas, num caso ou noutro nunca deixarão de terem sido retornados, e esse facto não deve servir de fuga ou esconderijo. Outros, por certo indivíduos de inferior preparação ou cultura e por se encontrarem presentemente em situações privilegiadas ou de desafogo financeiro, por vezes muito melhor do que as tidas no ultramar, fingem que nunca foram retornados, talvez por os motivos que lá os levaram e o que por lá praticaram seja realmente preferível esquecer ! Neste caso, com esses nem interessa contar, o melhor será esquecê-los também! Fazem lembrar certos indivíduos que por cá se pavoneiam durante as "vacances" em bons carros de matrículas estrangeiras e pretendem fazerem-se passar por tal,chegando mesmo ao ponto de nem utilizarem a língua pátria a troco de terríveis calinadas e constantes pontapés gramaticais na língua estrangeira. Quando muito, devemos apenas considerar o facto de uns serem efectivamente "retornados" e outros "desalojados", mas no fim quase todos "refugiados", designação esta que os ilustres políticos de então preferiram ocultar e sonegar às vítimas de uma vergonhosa, escandalosa e quase até estúpida descolonização, executada`às pressas e às cegas, sem pés nem cabeça! Vergonha por termos construído países que podiam ser um exemplo para muitos outros ? Vergonha por termos levado uma vida de trabalho, de termos enterrado todas as economias em prédios, fazendas, empreendimentos económicos exemplares ? Vergonha por termos sido corridos de qualquer forma, a maioria com uma mão atrás e outra à frente ? Nada temos de nos envergonhar. Somos sim retornados ou desalojados(refugiados), de cabeça erguida, que nos sujeitámos às piores humilhações e privações e às quais soubemos enfrentar e derrubar, dando um exemplo de como se passa dessas situações para outras bem relevantes. Vergonha na cara deviam ter tido certos governantes e militares que nos traíram e venderam por trinta dinheiros (ou milhões, sabe-se lá!...) e que ainda hoje se pavoneiam em certos cargos, à paisana ou fardados, sem nunca terem sido julgados nem prestado contas do negócio que fizeram entre "whiskies" ao radioso sol do Alvor, ou em escuras negociações clandestinas fora do próprio país! Vergonha haviam de ter quantos nos receberam de nariz torcido, com receio dos lugares ou de compartilhar o naco de broa e a sardinha assada que os alimentou durante dezenas de anos. Muitos deles depressa esqueceram esses pecados e passaram a estender a mão aos empregos e tarefas que os retornados lhes proporcionavam e facultavam nos seus arrojados ou modestos empreendimentos. Vergonha haviam de ter os que depressa iniciaram uma verdadeira exploração, aproveitando a necessidade e a urgência de sobreviver de cada retornado e a que se atiraram como que a um osso, quais abutres vigilantes,beneficiando de regalias e exclusivos à custa das dificuldades que todos tivemos à chegada e nalguns lamentáveis casos com a conivência dos próprios retornados! Servimos de instrumento para salvar muitas empresas da falência a que estavam votadas; fomos bem expremidos nas nossas exíguas economias por muitos oportunistas em garagens, quartos, corredores ou varandas transformadas em habitações e hospedarias muito mal servidas, mas pagas a peso de ouro por nós ou pelo benévolo IARN. Servimos para encher o olho a muito sujeito e sem qualquer consideração ou respeito. Fomos negociados como matéria-prima para outros países(algumas tristes tentativas. como a do Brasil, feita por um ilustre e anafado político,ficaram a nadar em águas turvas); fomos apelidados de exploradores, quando afinal a principal exploração sempre se deu e continou a dar no continente e os verdadeiros e grandes exploradores das potencialidades ultramarinas cá residiam, muitos de braços dados com governantes. Fomos classificados de 2ª categoria e obrigados a consumir durante muitas dezenas de anos as sobras e os refugos das antiquadas e desajustadas explorações agrícolas e industriais do continente, em troca da valiosa matéria-prima que depois de transformada a pagávamos com "gordas" e "brilhantes" divisas! Toleramos e sofremos as sequências das consecutivas e voluntárias comissões de serviço de certos patriotas (às vezes em deleitosas companhias) e que serviam para construir ou comprar "mais um andar" em bairros de certa burguesia. Eis uma parte da factura que sempre fomos obrigados a pagar ! Então porque haverá vergonha de ser apontado como um retornado ?! Por todo o lado temos demonstrado o nosso poder de iniciativa e execução nas mais variadas actividades, muitas das quais bastante diferentes das que eram exercidas no ultramar, com uma espantosa capacidade de adaptação. Vejamos a eficiência , apresentação, o êxito flagrante dos mini ou supermercados, bares, restaurantes, hotéis, comércio, armazéns, bem como das novas e variadíssimas fábricas, das explorações agro-pecuárias e de outros ramos, que hoje se espalham por todo o País e a que os retornados lançaram mão, nalguns casos como último recurso, contribuindo ainda para resolver muitos problemas de desemprego, em flagrante desafio à falta de capacidade das entidades responsáveis. É caso para ter vergonha ?! Não, amigos retornados; pelo contrário, orgulhai-vos e uni-vos para cada vez mais mostrarmos o que merecemos e o que valemos. Somos uma força! Os convívios do Buçaco, de Fátima e alguns outros, já o demonstraram e cada vez mais o demonstrarão. Não se trata de uma questão de marginalização ou de separatismos, como alguns acusam. É um reviver entre amigos, é uma comunhão espiritual que só quem lá andou pode apreciar devidamente. De certo que se deve procurar uma salutar integração geral dos retornados nesta nova sociedade e para a qual eles já muito têm contribuído; mas, integração não quer dizer sujeição, servilismo, nem despersonalização! Não é por esse facto que deixamos de ser quem éramos e, excluíndo alguns tristes casos, de ser a razão para nos envergolharmos de um passado ainda presente; quase todos nós não fizemos mais do que cumprir e fazer cumprir normas ou regulamentos estabelecidos, actualizando-os ou humanizando-os sempre que possível, numa comunidade exemplar e dentro das limitadas possibilidades de que dispunhamos, e por vezes com fraco apoio dos governantes, continentais em especial. Cumpríamos um programa governamental, defeituoso ou não, sem afogar o nosso humanismo e a tradição cristã. Certamente que houve muitos excessos, muitos atropelos,muitos erros, até mesmo certa falta de humanidade nessa geração de que somos responsáveis nas últimas décadas, porque para trás a História é outra e não está dentro da nossa responsabilidade e nem cabe agora no âmbito deste modesto trabalho. Por certo que muitos ter-se-ão desviado do melhor caminho e prejudicado o sacrifício e saber de tantos outros. Mas que sociedade se pode dar ao luxo de afirmar não possuir pervertidos e pecadores ? Em que sociedade não existem diferenças económicas sociais ? Não se erra pelo belo prazer,mas sim em consequência de deficiências estruturais, por defeitos enraízados no espírito humano ao longo dos séculos. Pois amigos retornados, ainda temos uma palavra a dizer neste País e teremos de ser ouvidos. Ainda sangra a ferida aberta pela irresponsável descolonização; os nossos bens lá ficaram na maioria dos casos, sem termos tido direito a qualquer recompensa ou indemnização; os bancos e os organismos estatais ficaram com os nossos depósitos, o escudo, que era português, foi jogado no caixote do lixo da política e negociado por oportunistas em escandalosas trocas e desvalorizações. Tudo isso foi um logro! Ainda há muitos retornados em situações bem precárias; uns pela avançada idade ou falta de saúde, outros por não terem tido capacidade suficiente para reagirem contra o rude golpe; e é, principalmente por esses que erguemos bem alto o nosso brado de união. Há famílias inteiras vivendo ainda em barracas e sem os mínimos recursos, bem ao contrário das situações que antes tinham, como em barracas miseráveis vivem ainda muitos portugueses não retornados. O Tribunal de Haia ainda não deu a última palavra. Muitos são os que ainda desejam regressar à sua terra natal ou à terra onde deram o melhor dos seus anos, onde lhes nasceram filhos e netos e onde ficaram sepultadas algumas gerações. Tudo isso está à espera de resolução. Temos o direito de a exigir! Para isso dizemos "presente". Finalizando, se há quem deva ter vergonha, serão sim os que arquitectaram e precipitaram todas essas desgraças, incluindo as que por lá ocasionaram(e que não foram nada poucas), e não nós, retornados de boa fé, simples marionetes manobradas por mãos ocultas, mas que sempre estivemos e estamos prontos a concretizar neste ora desgraçado País, o sonho grandioso que estava sendo materializado no ultramar português ! Sonho sonhado por grandes homens no passado ! ........................................................ ---- de : Roberto Correia -- em "O DIA" , de 23 de Junho de 1982 - Pgs. I e VIII do Suplemento "ANGOLA"

DO BLOG DE ROBERTO CORREA

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