quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Ana Sofia Fonseca – Entrevista a propósito de “Angola, Terra Prometida” 20/05/2009 ·




A jornalista Ana Sofia Fonseca, autora de “Angola, Terra Prometida”, uma edição da Esfera dos Livros, deu uma entrevista ao blog Porta-Livros (por e-mail) onde falou da sua obra, um retrato vívido dos anos dourados dos portugueses em Angola. Trata-se de um livro, como explica, dirigido tanto a quem lá esteve nesses anos dourados como a quem nunca lá foi mas tem interesse em conhecer (e compreender) o fenómeno. Um retrato isento, pois, como explica Ana Sofia Fonseca, “a minha geração é a primeira a não ter compromissos com essa época, a poder olhá-la mais facilmente sem complexos nem tabus”. Contudo, não esquece que aqui é abordada apenas “uma parte da realidade – a vida dos portugueses”.

“Angola, Terra Prometida”, tal como o seu anterior livro-reportagem, “Barca Velha”, está escrito quase como se fosse um romance, não se limitando à pura exposição de factos. Ao optar por contar histórias pessoais pretendeu mostrar uma “história” mais emotiva e menos factual?

Não. As histórias fazem-se de gente. É através das histórias das pessoas que abordo os factos da época em questão. É uma forma de narrar habitual no jornalismo, sobretudo no que se refere a grandes reportagens. Acredito que uma história bem contada é aquela que nos leva ao tempo e ao espaço a que se refere. Para isso, é preciso dar as cores, os cheiros, os sons. As pessoas. Com as suas vivências, modos de pensar e de sentir.


A quem se dirige este livro? A quem esteve em Angola e quer recordar ou a quem não esteve e pretende saber melhor o que se passou?

Por razões diferentes, este livro dirige-se aos dois públicos que refere. Para quem esteve em África, é uma viagem à Angola que tão bem conheceu. Às águas quentes do Mussulo, ao capim, ao cinema. Aos sons da rádio, ao prazer de uma Cuca gelada. Para quem não viveu, é uma forma de descobrir o dia-a-dia de então. Desse tempo de ditadura e de colonialismo, em que Lisboa era metrópole e Angola apenas província ultramarina. Pelo menos, assim espero.


Angola está na moda ou volta a ser falada porque agora há a possibilidade real de lá regressar e as pessoas têm maior abertura de espírito para voltar a falar do passado?

Angola está na moda por diversas razões. Finda a guerra e com o desenvolvimento económico, voltou a atrair muitos portugueses – uns que já lá haviam vivido e outros que nunca a tinham sequer pisado. Outro dos motivos prende-se com o facto de muitas das pessoas que lá viveram acharem que está na altura de contar as suas memórias. Depois, há ainda os que acreditam que ainda existem muitas e boas histórias sobre esse passado próximo por contar. Eu incluo-me neste último grupo. A minha geração é a primeira a não ter compromissos com essa época, a poder olhá-la mais facilmente sem complexos nem tabus.

O fascínio por Angola não será potenciado pelo facto de as pessoas terem de lá saído no auge, de terem saído de lá quando a vida, em geral, lhes corria bem? Ou seja, há possibilidade de o cenário não ter sido assim tão cor-de-rosa e que seja antes indevidamente “pintado” dessa cor?

Como no naufrágio do Titanic, poucos acreditavam que o barco estava condenado a ir ao fundo. As pessoas vieram de lá num momento de grande desenvolvimento económico, de euforia – tudo acabou de um momento para o outro. “Cor-de-rosa” é expressão que se pode atribuir à vida de muitos, mas não à esmagadora maioria de negros e mestiços. Qualquer sociedade colonial baseia-se no domínio de uma cultura sobre outra – a portuguesa não foi excepção. Além disso, a memória tende a ser piedosa, a dourar a realidade. Por isso mesmo, além das muitas entrevistas, realizei pesquisa em arquivos públicos e em bastantes jornais e revistas de época.

Esta faceta dourada de Angola era apenas isso mesmo, uma faceta. Não estará a ser esquecido o outro lado, o lado daqueles que viviam lá em grandes dificuldades, muitas vezes explorados pelos colonos portugueses?

Este livro fala sobretudo de uma parte da realidade – a vida dos portugueses. No entanto, nunca esquece que a grande parte da população estava fora desta redoma dourada. Aliás, algumas histórias mostram-no. Como já disse, estamos a falar de vivências num período colonialista. A vida que os portugueses tinham deve-se, em parte, à subjugação do resto da população. Penso que o livro não descura esse aspecto.

Não haveria muita gente a viver numa espécie de “bolha”, isolada da realidade do país?

Claro que sim! E mesmo cá, então metrópole, também. Vivia-se em ditadura, havia repressão. Política não era assunto. É preciso olhar para aquela época sem a descontextualizar. Até certa altura, o mundo fazia-se de potências colonizadoras e de colónias. Portugal tardou a aceitar a independência, deixou-se consumir numa guerra perdida à partida. O mundo mudou e Portugal recusou ver que o colonialismo era inaceitável.

A onda de emigração de portugueses que hoje em dia se está a verificar rumo a Angola pode ser comparada com o que sucedia nos anos 50 e seguintes? Acha que é possível recuperar aquele espírito da época, mesmo tendo em conta que os tempos e a realidade mudaram?

Tudo tem o seu tempo e o seu contexto. Agora, Angola é um país com o seu próprio caminho. Parece-me difícil tecer comparações, tratam-se de mundos e de tempos completamente diferentes.

Foi difícil encontrar pessoas dispostas a partilhar as suas histórias de vida, as suas fotografias, os seus documentos, as suas recordações?

Encontrar pessoas com memórias de Angola é fácil, mais complicada é pô-las a falar sem barreiras. Se tivermos em conta que de lá vieram cerca de meio milhão de pessoas, logo se percebe que histórias não faltam.

Não teve a tentação de passar esta “história” para um romance?

Gosto de escrever histórias com personagens de carne e osso. Este livro está cheio de gente, de personagens de um mundo que acabou. Acho que é um dos casos em que a imaginação nada acrescentaria à realidade.

Que projectos tem agora em mãos? Há a possibilidade de regressar a este tema?

Sou jornalista, o meu trabalho é contar boas histórias – sejam elas de onde e de quando forem. Sinto que posso trabalhar mais 10 anos neste tema, mas há tantos outros assuntos… O bom do futuro é que é sempre uma página em branco.

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