DR. A. M. COSTA BORGES
Coube-me na última das intervenções programadas deste Congresso falar de política de indemnização de espoliados do Ultramar assumida pelos restantes países europeus.
Com efeito ficaria incompleto todo o trabalho dos demais ilustres intervenientes que me antecederam se não houvesse a preocupação de enquadrar o drama dos nossos espoliados do Ultramar no âmbito mais geral e que tem sido o do refluxo dos europeus aos seus países de origem em virtude das novas condições de vida internacional.
O último fenómeno da descolonização foi europeu e em todos os casos se verificaram situações de espoliados e de confisco de bens de europeus que à sombra da soberania do Estado descolonizador se tinham decidido a radicarem-se em territórios coloniais.
Podem citar-se como exemplos de descolonização particularmente dolorosos o da hoje Indonésia pêlos holandeses, do Kenya pelos ingleses, da Somália ou da Eritreia pêlos italianos.
As potências colonizadoras, em todos estes casos, e particularmente nas situações de mais acentuada emergência, sempre manifestaram o intento de indemnizar, na medida do possível, os respectivos cidadãos pêlos prejuízos sofridos num processo em que, de qualquer forma, os respectivos Estados tinham detido a autoria e daí a respectiva responsabilização.
E tudo isto decorreu à luz de um principio que é hoje dominante no Direito Internacional e ao abrigo do qual cabe ao Estado Descolonizador a responsabilidade de indemnizar os seus cidadãos pêlos prejuízos sofridos com a descolonização.
Há muito tempo já que se encontrava postergado o velho princípio romanístico da irresponsabilização do Estado.
Compreende-se bem que assim seja não só porque o Estado tem vindo a desempenhar um papel sempre mais vasto no campo económico, no social e no humanitário, mas principalmente porque o Estado Moderno também obedece ao princípio da legalidade.
A esta luz compreende-se e aplaude-se a política seguida pela Grã-Bretanha que no momento do regresso dos seus nacionais procedeu a uma indemnização completa pela totalidade dos prejuízos sofridos, isto é 100% dos respectivos valores e mais 25% como compensação complementar.
Também a Alemanha Federal enveredou pela indemnização dos seus cidadãos espoliados em países do terceiro mundo, tendo tido o cuidado de lhes dispensar o mesmo tratamento que o tido para com milhões de alemães refugiados dos territórios de Leste. E foi assim que doze milhões de alemães se integraram de imediato e vantajosamente no que é hoje um dos países mais ricos da Europa.
Claro que não encontramos associações de defesa dos interesses dos espoliados ingleses ou alemães, e não encontramos pela simples razão de que foram justa e devidamente indemnizados.
A generalidade das outras nações europeias não seguiu esta política e em todas elas surgiram associações de espoliados que tiveram que travar uma longa e árdua batalha para que os respectivos Estados viessem a adoptar uma política de indemnizações.
A Holanda foi, deste grupo de nações europeias, a que procurou, com maior rapidez, adoptar uma política similar à inglesa e hoje também, salvo um caso ou outro muito especial, já indemnizou os seus espoliados.
A Bélgica tem procurado indemnizar os seus espoliados e com esse objectivo teve o cuidado de firmar um acordo com o Zaire que se traduziu na criação do “Fonds Belgo-Congolais d'Amortissement e Gestion”.
Para além desta realidade refira-se que logo pela LEI de 14 de Abril de 1965, se procurava organizar a intervenção financeira do Estado a fim de ressarcir os prejuízos causados aos bens dos cidadãos belgas no Zaire, preocupação que mereceu a nível jurisprudêncial o ARESTO de 13 de Julho de 1965, interpretativo, mas amplamente interpretativo, do normativo citado e a LEI de 5 de Janeiro de 1977, actualizou não só aquela lei como a demais legislação anterior que por muito fragmentária não se invoca aqui.
A Itália tem feito justiça à imagem de grande e civilizada nação que todos dela temos e por consequência já iniciou, e há muito tempo, a política de indemnização dos seus cidadãos espoliados no Ultramar.
O DECRETO-LEI N.º 622 de 28 de Agosto de 1970, bem como a LEI N.º 744 de 19 de Outubro do mesmo ano e ainda a LEI N.º 16 de 26 de Janeiro de 1980 constituíram a moldura legal onde se inseriu a já famosa LEI N.º 135 de 5 de Abril de 1985, ou lei de Bettino Craxi e pela qual se tornaram a avaliar 60 rnil processos de italianos espoliados em 27 países estrangeiros, aí compreendidos Angola e Moçambique, concedendo a cada espoliado o pagamento imediato de indemnizações até 20 milhões de liras (1.900 contos) e para outras indemnizações (sem qualquer limite) o pagamento de 50% em dinheiro e 50% em títulos do tesouro com o juro de 12% livres de impostos ou outros ónus e encargos e pagáveis semestralmente.
Os italianos que connosco viveram em Angola e Moçambique já receberam ou estão a receber indemnizações pelo valor dos bens aí perdidos mas com um coeficiente de revalorização e que é correspondente à época da perca dos mesmos e isto diz tudo quanto à iniquidade e flagrante injustiça de que nós somos vítimas.
A França, chamada por alguém a própria pátria da cultura e coração da Europa, não podia ficar alheia ao sofrimento dos seus filhos.
A LEI N.º 61-1439 de 26 de Dezembro de 1961.
A LEI N.º 69-992 de 6 de Novembro de 1969.
A LEI N.º 70-623 de 15 de Julho de 1970.
O DECRETO-LEI N.º 77-1010 de 7 de Setembro de 1977.
A LEI N.º 78-1 de 2 de Janeiro de 1978, e
O DECRETO N.º 78-231 de 2 de Março do mesmo ano são prova do cuidado e da preocupação do Estado e dos seus governos em resolver os problemas de que os seus espoliados foram vitimas inocentes.
Apesar das indemnizações entretanto atribuídas e que para maioria dos espoliados representava 30% dos bens perdidos, a França não se podia encontrar satisfeita consigo própria e pela LEI N.º 87-549 de 16 de Julho de 1987 seguida pela LEI N.º 87-900 de 9 de Novembro do mesmo ano e da CIRCULAR de 26 de Janeiro de 1988, vem proporcionar aos espoliados franceses um complemento da indemnização.
A Grécia e a Suíça também se encontram empenhadas em indemnizar os seus nacionais.
Não se pode aceitar que neste caso a singularidade do comportamento que o Estado Português tem vindo a assumir através dos seus sucessivos governos porque é injusto e até prejudicial.
Já o referimos mas não é demais repetir de que a assumpção pelo Estado Português da política de indemnização dos seus espoliados no Ultramar é, antes de qualquer outra consideração, uma política da mais elementar justiça visto que é ao Estado Descolonizador, e só a ele, que cabe a responsabilidade indemnizatória porque se quis a descolonização terá também que arcar com as suas consequências “UBI COMMODA, IBI INCOMMODA”.
E não é fatal nem é desejável que essa política implique num maior sacrificio da economia portuguesa.
É desejável à semelhança do que fez a Itália, o recurso judicioso à entidade creditícia europeia, o BEI ou a possíveis organismos comunitários ou ainda e com o recurso das mesmas entidades constituir-se um Fundo Europeu ou Nacional para a indemnização dos espoliados como já propôs o Presidente Lanaspre.
Assim se permitiria a consolidação da débil estrutura financeira portuguesa e se reforçaria acentuadamente a malha empresarial porque se propiciaria o recurso pleno de um incontável número de portugueses agora sub-aproveitados mas com provas já dadas na construção económica de outros países que por sua causa falam português. E é preciso andar depressa porque 1992 é já amanhã.
Indemnize-se, destarte, já, os espoliados porque todos nós, o país e a comunidade têm que vencer mais este desafio.
CUMPRIU-SE O MAR E O IMPÉRIO SE DESFEZ... A História magoa. A independência das colónias forçou meio milhão de portugueses a tomarem parte numa ponte aérea que os desembarcou em Lisboa trazendo a amargura na bagagem e tendo de se adaptar a uma terra que, em muitos casos, não conheciam. Este blog fala de retornados, espoliados, de gente que perdeu as suas casas e os seus bens, e que, sem receber quaisquer indemnizações do Estado português, continuam nos seus sonhos a revisitar África.
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