domingo, 29 de janeiro de 2012

A Fuga do Huambo: Luís Alberto Fernandes Achega



 

A queda do muro de Berlim, a transformação que houve no bloco soviético pressagiou uma nova era de esperança que se tem dissipado ano após ano.

O Mundo respirou uma paz que não seria duradoira. Aos nossos dias chegou idade do terrorismo, do fundamentalismo, do tribalismo, da globalização e do capitalismo selvagem em que tudo se justifica pelo dinheiro.

Chegaram novas guerras e, de vez em quando, apercebemo-nos, através da televisão de ondas de refugiados que fogem da guerra. Faço parte duma geração que esteve na chamada guerra colonial. Fui combatente em Angola entre 1967 e 1969. Mais tarde, conheci e vivi, também em Angola, a guerra entre os movimentos de libertação, que provocou uma fuga desordenada duma grande parte da população Angolana.

Há muito que tenho na memória uma época de terror, anotei e guardei recordações para que fique um documento de parte da minha história e das pessoas que me acompanharam.

A revolução de 25 de Abril de 1974, trouxe para a cena política de Angola três movimentos, que até então, combatiam contra o exército Português na clandestinidade: - MPLA, FNLA e UNITA.

Após a revolução, estes três movimentos, com o patrocínio do governo Português, em Alvor, no Algarve, acordaram entre si respeitarem os bens dos Portugueses. Também acordaram apresentar ao povo Angolano as suas ideias, a fim de serem sufragadas em voto secreto. “ Acordo de Alvor a 15 de janeiro de 1975 “.

Como todos sabem nada disso aconteceu. Angola entrou numa longa guerra civil que se prolongou até à morte de Jonas Savimbi em Fevereiro de 2002. Mesmo antes da revolução de Abril, os três movimentos, sempre lutaram uns contra outros, no entanto, a partir de finais de 1974 envolveram-se numa luta sangrenta, com algumas tréguas precárias.

Como consequência dessa guerra, gerou-se uma grande insegurança na população civil, que deu origem à fuga desordenada de grande parte da população. Os combates entre eles, começaram no norte de Angola e em Luanda, mais tarde estenderam-se por todo o território.

Chegavam então ondas de refugiados a Luanda e a Nova Lisboa. Estiveram de passagem na nossa casa o Francisco Meneses, já falecido e o seu genro Rézio com o Pai, também falecido. Eram refugiados do norte de Angola, de Malange.

Através de pontes aéreas dos dois aeroportos internacionais de Luanda e de Nova Lisboa, os refugiados foram transferidos para Portugal. Outros foram por terra até ao Sudoeste Africano e depois África do Sul. Os que estavam ligados à pesca e aos transportes marítimos fugiram de barco, uns também para à África do Sul, outros até ao Brasil.

Muitos morreram ao tentar a fuga, dentro e fora do território de Angola. Assim, de Janeiro de 1975 até Outubro do mesmo ano, pouco tempo antes da independência, Angola foi abandonada por muitos brancos, mestiços, e negros. Ao referir aqui, negros, brancos e mestiços, faço-o sem qualquer intenção de racismo. Não uso a palavra africano, porque a mesma é sempre, ou quase sempre, indicada para referir gente de cor.

Jorge Bem, conhecido cantor Brasileiro, mestiço, diz numa sua canção que nasceu no Brasil por acidente geográfico. Jorge Bem é mestiço mas ninguém diz que o Brasil não é terra de negros. Sem querer fazer história, sabe-se que os autóctones do Brasil são os chamados Índios. Parece-me que o nome de Índios, se deve ao facto de Pedro Álvares Cabral ter pensado que tinha chegado à Índia, quando tinha aportado a Porto Seguro, no Estado da Bahia, no ano de 1498. Ao contrário das Américas, do continente Australiano, da Nova Zelândia, nunca foi ponto assente que os brancos também fazem parte de África. Angola tinha gente branca de várias gerações. Meu filho, Luís Achega, nasceu em Angola, em Nova Lisboa, hoje Huambo.

Antes de 1974, Angola estava com grande crescimento, vou no entanto fazer um pequeno retrato da cidade de Nova Lisboa, que Norton de Matos quis fazer capital do Império Colonial Português. Alguns leitores deste jornal, conheceram a cidade de Nova Lisboa, que era em 1975 a segunda cidade de Angola. Uma cidade nova e moderna com alguns habitantes mais velhos que a própria cidade. A cidade do Huambo foi fundada em 21 de Setembro de 1912. Era uma cidade de grande extensão com avenidas e ruas largas.

Tinha uma grande zona industrial onde, anualmente, havia uma feira internacional, agrícola e industrial, tinha um jardim zoológico, aeroporto internacional, quatro salas de cinema, sede episcopal, muitas igrejas incluindo a igreja de Nossa Senhora de Fátima, três grupos de futebol, um deles o Ferrovia que estava agregado ao caminho-de-ferro de Benguela. Sem ser porto de mar, passavam por Nova Lisboa muitas mercadorias pela citada linha ferroviária, que fornecia e escoava produtos de Angola, da Zâmbia e de uma parte do Zaire.

Nova Lisboa era e ainda é um local estratégico: - A 600 Km de Luanda, a 300 km do importante porto do Lobito, a 400 quilómetros de Sá da Bandeira hoje, Lubango, era passagem obrigatória para o leste de Angola, era ao tempo, um importantíssimo eixo rodoviário e ferroviário. Certamente que em futuro próximo, a capital do Huambo, voltará a ter a importância que teve no passado. O caminho da paz e da esperança está aberto.

Por causa da guerra, da insegurança e da estagnação económica, no final de Julho de 1975 encerrámos a nossa unidade têxtil. Não havia condições para trabalhar. A comida escasseava e a situação piorava dia após dia. Encostado à nossa unidade industrial, estava um destacamento da Unita e os soldados chegaram a passear com as suas armas no interior da nossa fábrica. Não havia ordem nem Lei que mudava conforme a posição de força dos três movimentos. De vez em quando haviam combates entre eles aos quais chegámos a assistir. Pensámos em abandonar Angola, mas por avião havia muita gente em lista de espera, a opção foi ir de carro até à África do Sul e apanhar avião para Portugal.

Também em finais de Julho de 1975, tinha ido pôr meu filho Luís a Luanda para que viesse para Portugal com uma família amiga. Tinha quatro meses o Luís. Vimos, eu e sua mãe, o avião levantar voo e ficámos sem saber se voltaríamos a ver o nosso filho. Correu tudo bem. Passado pouco mais de um mês estávamos de novo juntos em Portugal.

Escolhemos 15 de Agosto para abandonar Nova Lisboa. Eu, Isabel Sana e o João Martins. Tínhamos dois carros com depósitos cheios de gasolina e ainda alguma de reserva, além de mantimentos para a viagem. Haviam ainda mais quatro ou cinco carros de outros fugitivos. De madrugada começámos a nossa fuga e na saída de Nova Lisboa encontrámos uma barreira de militares da Unita. Perguntaram-nos por documentos e pelo salvo-conduto do partido. Demos dinheiro e vinho e passámos sem problema.

Andámos mais 50 quilómetros até Caala onde nova patrulha nos perguntou pelo mesmo. O militar que nos interpelou estava bêbado, no entanto com duas garrafas de vinho e cinco notas de 20$00 não levantou objecções. Passámos depois por Caconda onde tivemos de parar e pagar a portagem como antes e tudo bem. Caconda era uma bela vila agora abandonada, parecia uma cidade fantasma onde somente se viam cães e gatos abandonados. À medida que avançávamos, íamos atestando os depósitos com as nossas próprias reservas para não sermos roubados do precioso líquido.

Passámos a Caluquembe, Cacula, Hoque e sempre a mesma paisagem: - povoações abandonadas com alguns destroços da guerra. Chegámos a Sá da Bandeira sem qualquer problema nos 400 quilómetros percorridos. Foi bom termos escolhido viajar pela manhã. Ao meio-dia, certamente que a maior parte dos militares estaria com uns copos a mais e poderia ser mais complicado o controle. Através dum nosso amigo conseguimos hotel em Sá-da-Bandeira, onde planeámos a partida para a fronteira da Namíbia.

Eram mais 600 quilómetros e já tínhamos resolvido o problema do combustível para a viagem que se adivinhava perigosa. Ouvíamos falar de massacres para os lados de Pereira de Eça que hoje tem o nome de Ondjiva e estávamos com receio. Planeámos de novo a partida agora com um grupo muito mais numeroso. Talvez trinta viaturas. Mais uma vez, bem cedo, ainda noite, abandonámos Sá-da-Bandeira e confiámos na sorte. Não tínhamos armas, a viagem era perigosa, mais para o sul havia guerra, a aventura para o desconhecido estava bem perto, a angústia que seca a boca começou a tomar conta de nós.

Foi num dia frio de Agosto, que partimos de Sá da Bandeira. O caminho afinal estava livre e foi um ver se te avias até ao Sudoeste Africano, hoje Namíbia. Não houve paragens na PICADA de terra batida, na estrada de pó. Penso termos percorrido grande parte da famosa Picada de Calueque. Ao fim da manhã, já tínhamos passado o Chitado. Atravessarmos a ponte sobre o rio Cunene e chegámos à fronteira onde contactámos com os soldados Sul-Africanos. Fomos revistados e seguimos viagem. Passámos por Ombulantu, Ogongo e chegámos a um campo de refugiados em Oshakati. Penso que Oshakati, era ao tempo, território Ovambo que se situava entre a fronteira da Namíbia norte e a fronteira sul de Angola.

Ao chegarmos ao campo de refugiados, fomos desinfectados, mostrámos as vacinas, passaportes e dissemos que poderíamos prosseguir sem auxílio dado que tínhamos dinheiro para a viagem.

A África do Sul tinha uma logística muito bem organizada para dar apoio às vagas sucessivas de refugiados Angolanos. Hoje, através da informação, os Media dão grande destaque aos refugiados da guerra. Nós, portugueses, quando da descolonização, passamos por situações muito graves. Muita gente morreu, muitas famílias foram separadas, muita gente ficou sem os seus haveres. Em campos de refugiados, nasceram crianças e foram sepultadas pessoas. Ao longo do percurso, entre a Namíbia e Johannesburg, haviam campos de acolhimento para os refugiados de Angola. Por interesses da Revolução de Abril, nada ou pouco foi mostrado em Portugal sobre esses campos de refugiados.

Junto à saída do campo de Oshakati, casualmente contactámos um professor de história Sul-Africano que nos levou para um Hotel. Tirámos o pó que era muito, jantámos uma deliciosa carne de vaca grelhada e dormimos tranquilamente. Pela manhã partimos e passámos por Otjiveto, Operet, e chegamos a Tshumed, pequena cidade mineira, onde perguntámos num mini mercado de Portugueses, por um carro nosso que tinha sido utilizado pelo António Farinha, pelo Victor Carvalho e família. O António Farinha e o Victor Carvalho eram funcionários da nossa empresa em Nova Lisboa.

O Carro era um Datsun 1200 que estava num campo de refugiados em Grootfontein. Os utilizadores já tinham vindo para Portugal de avião. Tinha uma chave da viatura, apresentei-me no campo e deram-me o carro. Partimos de novo, agora com três carros. O João Martins com um BMW 1600, a Isabel com um Fiat 124 Sport Coupé e eu com o Datsun 1200. A jornada era longa e metemo-nos a caminho para Windhoek. Passámos por Otavi e fomos dormir num Hotel em Ochivarango. No outro dia passámos por Sukses, Osona e chegamos a Windhoek onde nos instalámos num Hotel. Windhoek era e ainda é a capital da Namíbia. Queríamos enviar o BMW e o FIAT para Portugal. Fomos a um despachante Português, mas o preço que nos deram para o despacho dos dois carros, era tão elevado que não decidimos logo.

Nesse escritório enviámos um telex para Portugal, para Luís Nascimento Silva. Do lado de Portugal, o triquitar do telex respondeu que andavam há quinze dias a tentar saber notícias de nós. As notícias deixaram a família descansada, mas a jornada ainda tinha muito pela frente. De nova Lisboa até Windhoek tínhamos feito cerca de 1.800Km.

Ao passarmos por uma rua de Windhoek vimos uma pequena empresa de exportação de peles de caraculo que tinha as portas abertas para arejar as bonitas peles estendidas em tabuleiros de madeira. Entrámos, conversámos e perguntámos qual seria a maneira mais económica de despacharmos as viaturas para Portugal. A informação dada com simpatia, sugeriu que fossemos procurar um despachante a Walvis Bay.

Assim com os três carros subimos de novo a Osona onde tomámos a direcção de Karib, Arandis, Swakopmund e Walvis Bay. Atravessámos uma zona contígua ao deserto da Namíbia e não posso deixar de salientar a beleza da vegetação, dos animais que vimos. De vez em quando lá estava a Welvitchia-Mirabilis, planta do deserto da Namíbia, a encher com a sua beleza uma terra vermelha e seca como é a terra Africana.

Lembro-me, sobretudo das pequenas vilas onde, apesar da escassez de água, haviam sempre bonitos jardins, das grandes salinas em Walvis Bay e de muitas gaivotas voando junto ao mar. Walvis Bay está situada a cerca de 500km a norte da fronteira da África do Sul. Walvis Bay, (do Afrikaans Walvisbaai, ou seja, Baía das Baleias), é uma importante cidade portuária da Namíbia.

Descoberta em 1487 por Bartolomeu Dias que a denominou "Golfo de Santa Maria da Conceição". A região não foi reclamada para a coroa portuguesa. Walvis Bay, é um porto de águas profundas e comercialmente muito importante, é também um paraíso onde habitam cerca de 100 mil aves marinhas: - gaivotas, flamingos e saracuras.
Ficámos num hotel em Walvis Bay nesse fim-de-semana, e, na segunda-feira despachámos o BMW e o FIAT para Valência no Sul de Espanha.
Em Outubro de 1975 fomos buscar os dois carros a Espanha, eu e o João Martins (Jota).

Regressámos de novo a Windhoek, agora num só carro cheio de bagagem. Contactámos a Luftanza a fim de arranjarmos voo para Portugal. Tínhamos bilhetes da T.A.P. mas fomos informados que não davam para viajar na Luftanza. Assim, com o pequeno e velho Datsun 1200, resolvemos fazer mais 1971 Km para Johannesburg.

Estávamos já na Zona Temperada do Sul, tínhamos atravessado o trópico de Capricórnio um pouco a sul da fronteira do BOTSWAMA e, embora os dias fossem quentes, as noites eram frias e com temperaturas negativas. Ao tempo havia uma crise energética e as gasolineiras somente vendiam combustível das 07H00 até às 18H00. Eram proibidos depósitos suplementares e assim não podíamos caminhar dia e noite. O carro gastava pouco, mas o caminho era longo. Passámos por Mariental, Asab, Keetmanshoop, Marubis, Grunau, Karasburg, Upington, e, finalmente Johannesburg.

No primeiro dia desta caminhada chegámos à noite, penso que a Karasburg e todos os Hotéis estavam repletos. Ficámos no carro, não havia gasolina e fazia muito frio. A meio da noite entrei no Hotel e serviram-nos café quente. Estivemos lá até às 07H00 altura em que abriram as gasolineiras. Foi muito simpático o funcionário de cor do turno da noite daquele Hotel.

A paisagem da extensa caminhada de cerca de 1971 Km era diversa e havia pouco trânsito. Estávamos na época seca. Lembro-me de muita vedação de arame farpado à beira da estrada e muito gado bovino em regime de pastorícia. Aquele país transpirava riqueza e fartura, era realmente um espanto ver tanta comida à solta.

Ao chegarmos a Johannesburg, hospedámo-nos num Hotel de Portugueses na parte alta da cidade. Aproveitámos para conhecer um pouco da cidade com as ruas numeradas como New York. Por ali estivemos alguns dias até embarcarmos para Portugal na TAP com escala em Luanda. O aeroporto de Luanda estava muito degradado, uma tristeza, mas chegámos a Portugal sem problemas.

De Janeiro de 1975 a fins de Agosto do mesmo ano, analisando tudo a uma grande distância, tivemos todos muita sorte. Penso que Deus e o Anjo da Guarda estiveram sempre connosco. Obrigado. Estou a corrigir este documento na data de 2008-10-30. Nas notícias desta manhã, ouvi sobre mais uma crise humanitária no Congo. Milhares de refugiados fogem da guerra.

Regressei com o João Martins a Angola em 1990. Estivemos em Luanda e no Huambo onde visitámos as casas onde vivemos e a Fábrica que construímos. O que vimos ficará para mais tarde.

Passaram mais de trinta anos. Tudo ou quase tudo ficou na memória. Para um melhor rigor sobre a distância percorrida, pedi auxílio à Universidade da Namíbia que gentilmente me forneceu tudo o que necessitei. Para uma maior precisão consultei os mapas do GOOGLE que reconfirmaram as minhas anotações.

Não quero deixar de prestar uma homenagem à Namíbia que é um País maravilhoso. Tem uma costa Atlântica de mar perigoso com muitos recursos pesqueiros, onde, também tem fama pela negativa a Costa dos Esqueletos, (Skeleton Coast). Tem ainda muitos minerais, sendo a maior riqueza os diamantes, existem alguns parques naturais para a vida Selvagem que, felizmente, hoje vimos através de programas televisivos. Tem uma área de 824.790,00 Km2, quase 10 vezes maior que Portugal. Não obstante a sua dimensão, a capital Windhoek, tem cerca de 161.000 habitantes e a sua população é de cerca de 1.648.270 habitantes.

Muito pouca gente para tão grande espaço. Windhoek era na data uma cidade com muitas características Alemãs. Windhoek, era, e ainda é, a capital administrativa do Sudoeste Africano, hoje Namíbia. É uma cidade do interior a cerca de 300km da costa Atlântica. Situada num bonito vale, foi fundada em 1890 e foi quartel-general do exército Alemão na primeira guerra Mundial.

Luís Alberto F. Achega
[30-11-2008] [17182 caracteres]

Fórum (Não moderado)

http://www.minderico.com/minderico/artigo.asp?cod_artigo=180093

Sebastião Silvestre Júnior (Nito), músico natural de Moçâmedes






Sebastião Silvestre Júnior (conhecido pelos baháís com «Nito») nasceu em 24 de Março de 1956 em Moçâmedes, em Angola. Era filho de um português de Castelo Branco e de uma princesa Cuanhama, chamada Petrussa Kashilula.

Durante a sua infância ficou a cargo de uma Instituição, onde um padre lhe ensinou a tocar viola.

Estudou em Sá da Bandeira, onde formou uma banda (os «Kuanza»). Tocavam em Hotéis e Igrejas (que dizem que se enchiam para os ouvir)

Fugindo à guerra civil de Angola veio para Portugal numa época de grande agitação política e social.

Em 1975, conheceu a Fé Baháí em Tróia (Setúbal), e rapidamente a mensagem de Baháulláh se tornou uma prioridade central da sua vida.

A sua voz e o seu talento musical tornaram-no uma figura muito popular entre a Comunidade Baháí de Portugal. A maioria dos Baháí portugueses consideram que ele é o autor das mais bonitas canções baháís em língua portuguesa. Os seus filhos (que hoje vivem em Portugal, Inglaterra, Holanda e Moçambique) herdaram o seu talento artístico.

Diga-se como nota de curiosidade que o Nito tinha Carteira Profissional de Músico, apesar de não saber ler pautas de música.

Em 1998, foi vítima de uma acidente de viação em Moçambique, tendo vindo a falecer num hospital Sul-Africano em 2 de Agosto desse ano.

O seu corpo está hoje sepultado no Maputo.

sábado, 28 de janeiro de 2012

O Portugal no pós 25 de Abril: o funcionalismo, as clientelas e outras coisas mais...

Do forum Mazungue retirei esta passagem que passo a transcrever:

"...Critiquei, no fio sobre a Guerra Colonial de Angola, a actuação dos militares portugueses que, esquecendo a sua missão, tomaram posições políticas criando o caos e desavenças no próprio seio das Forças Armadas.

Em qualquer país DEMOCRÁTICO as Forças Armadas cumprem a sua missão qualquer que seja a cor política de quem esteja no momento a governar, porque o seu compromisso é com a Nação e não com os partidos políticos.

O ideal seria que em Portugal, a exemplo de uma Grã-Bretanha, as Forças Armadas, de Segurança e funcionários públicos, ou seja, o aparelho do Estado, fossem apartidárias (mesmo que cada indivíduo tivesse a sua inclinação política) servindo a Nação, o seu povo, e não os partidos. Os partidos políticos governam e traçam as estratégias a seguir, mas a simples governação administrativa devia estar fora das suas competências, porque o aparelho do Estado está ao serviço do Estado e tem de ser leal a quem estiver no poder. O Governo partidário não deve ter poderes para substituir funcionários e chefias militares conforme a cor partidária de cada um, porque sempre que muda um governo terão de mudar milhares de funcionários, o que só prejudica o funcionamento da máquina do Estado. A prioridade, em vez de ser a competência, passa a ser a disciplina partidária.

É por isso que, no Portugal dos nossos dias, pós-25 de Abril, os funcionários competentes passaram para trás em favor dos funcionários militantes dos partidos e o serviço público foi decaindo, em qualidade, cada vez mais. Os problemas com a colocação dos professores, do fisco, da assistência social, nos Hospitais, e muito outros, começaram quando esses funcionários escolhidos pelos partidos começaram a ocupar o aparelho do Estado e começaram a sair, progressivamente, os funcionários verdadeiramente competentes.

Houve uma altura, até, que todos os funcionários menores e auxiliares passaram automaticamente para carreiras administrativas e operárias, superiores, sem estarem preparados para isso
. E como as promoções eram automáticas (um mal introduzido depois do 25 de Abril) e sem um concurso com provas teóricas e práticas, como era obrigatório antes do 25 de Abril, muita dessa gente, sem preparação, chegou aos lugares cimeiros (1ºs Oficiais, Chefes de Repartição e Operários Principais), o que contribuiu muito para a degradação dos serviços do Estado.

No ensino aconteceu o mesmo. Grande parte dos licenciados de hoje passaram administrativamente no tempo do Vasco Gonçalves e, até com o segundo ano, apenas, de faculdade foram-lhes atribuídos os Cursos completos. Por isso há na nossa praça exemplos de incompetência flagrante e se forem investigar os anos de licenciatura poderão tirar as devidas ilações.
by Ruca
In Mazungue forum





Nota da autora do blog: sublinhei o parágrafo acima porque na minha qualidade de ex- funcionária pública no ultramar  fui vítima de descriminação como tantos outros funcionários que em 1975 tiveram que deixar Angola por força do processo de descolonização. O que nessa altura acontecia é que funcionários com mais habilitações e com categorias mais elevadas, para poderem ingressar nos quadros na Metrópole acabaram por ter que o fazer pela base perdendo as suas categorias de origem  e recuando na carreira administrativa.  Em contrapartida, em diversos Ministérios metropolitanos  foi "um vê se te avias", ingressaram inúmeros novos funcionários na época imediatamente a seguir ao 25 de Abril , sem as habilitações exigidas na lei e, quando do alargamento dos quadros administrativos nas diversas categorias para que os ex-funcionários ultramarinos fossem absorvidos, aqueles tiveram chorudas promoções e deixaram os lugares de base que ocupavam para estes. E o mesmo aconteceu com os ex-bancários ultramarinos que foram integrados perdendo as categorias de origem, e sendo admitidos como iniciados.

A Odisseia dos Retornados: SOLUÇÕES DESESPERADAS

A Odisseia dos Retornados

in: DN on line de 14.08.2005

SOLUÇÕES DESESPERADAS

"O desespero tem espinhos, alguns aguçados, e os seus bicos empurram as pessoas para o abismo. Em 30 de Junho, em Luanda, um grupo de 2500 residentes em Angola anunciou que, não conseguindo obter passagens aéreas ou marítimas para Lisboa, tencionava fazer a viagem até Portugal por via rodoviária, atravessando oito mil quilómetros de países africanos no sentido sul-norte ao longo de 90 dias. A caravana motorizada esteve organizada para ser constituída por 200 camiões e 500 automóveis particulares, sendo os suprimentos destinados a 15 camiões-frigoríficos com capacidade para transportar 30 toneladas de alimentos cada um. Alguns veículos foram transformados em oficinas móveis para fazer face à inclemência do trajecto e um dos organizadores, Guilherme dos Santos, fez contactos formais com a Cruz Vermelha Internacional e com a Comissão das Nações Unidas para os Refugiados para, na medida do possível, ajudarem essa travessia das selvas, savanas e desertos do continente africano.

Acabaram por não avançar para esse louco caminho para a morte. Mais a sul, porém, houve traineiras a largar de Porto Alexandre, cheias de gente, em direcção a Portugal, onde chegaram, com muita sorte, sem males de maior. Outros barcos de pesca artesanais cruzaram o Atlântico para despejarem no Brasil "retornados" que, afinal, não retornaram a Portugal. E quase todos os que puderam escaparam por terra em direcção à África do Sul, e a outros países limítrofes, em alguns casos viajando com máquinas de obras públicas que iam aplainando os acidentes do caminho."

by Ruca in Mazungue

A Odisseia dos Retornados: DESCOLONIZAÇÃO EXEMPLAR ou GAIVOTAS QUE VOAM (RETORNADOS DAS EX-COLÓNIAS)


Já que ninguém parece interessado em começar a contar a sua experiência, vou começar, a par de algumas notícias do Jornal Província de Angola para melhor compreendermos a apatia e ilusão que invadiu a alma dos nossos conterrâneos não lhes permitindo uma reacção concertada e atempada ao que se estava a passar, a editar aqui retalhos do magnifico relato de ADRIANO DE ALMEIDA GOMINHO [narrativa 1975-2005], Jubilado da Aviação Civil em Portugal, Ex-administrador em Timor, Estudante do IV ano de Direito, em Lisboa, na sua obra DESCOLONIZAÇÃO EXEMPLAR ou GAIVOTAS QUE VOAM (RETORNADOS DAS EX-COLÓNIAS).

AS GAIVOTAS JÁ NÃO VOAM

Vagas de refugiados e funcionários chegavam ao aeroporto da Portela e ao cais de Alcântara, em Lisboa. O Quadro Geral de Adidos, já a funcionar na Avenida Duque de Ávila, não dava vazão aos milhares de processos, recebidos diariamente aos balcões ou pelos Correios. Os funcionários de serviço não tinham mãos a medir para aceitar todos os processos de ingresso; as pessoas ficavam na rua em intermináveis bichas, à espera do dia seguinte. O estado exaltado dos espíritos e a debilidade dos corpos geravam frequentes reacções violentas. Foram colocadas no interior das Repartições alguns polícias para a segurança dos funcionários. Os desentendimentos surgiam entre os próprios funcionários do mesmo serviço, pois os colegas oriundos do extinto Ministério do Ultramar consideravam-se “casta superior” e com direito a mando sobre os funcionários recém-integrados nos Adidos. Houve sequestros do pessoal, até à meia-noite, nos locais de trabalho, com os retornados manifestando-se, ruidosamente, na Avenida Duque D’Ávila [e com razão, diga-se], devido à morosidade no atendimento e despacho dos processos, sem o qual não se podia recomeçar a vida. Mesmo após o ingresso no Quadro, a integração dos funcionários das ex-colónias nos Serviços do Estado ou das Autarquias Locais não foi tarefa fácil, pela oposição maldosa movida pelos invejosos e mal-preparados funcionários locais. Conta-se que um funcionário muito categorizado foi destacado para chefiar a Secretaria de uma Câmara Municipal e, logo à chegada, os funcionários residentes esconderam todos os impressos e carimbos existentes na Repartição, dificultando a sua integração. A um outro foi-lhe dada a missão de chefiar o pessoal das limpezas das ruas e jardins de uma cidade qualquer [fora administrador em Timor e estivera preso num campo de concentração na Indonésia], mas acabou por alcançar um lugar do topo da chefia, pelo mérito demonstrado e forma estóica como soube suportar, por muitos anos, as afrontas, os vexames e os insultos dos ditos colegas. Infelizmente já faleceu, na data em que escrevo. Um piloto das linhas aéreas de Angola foi destacado para uma Escola C+S, nos arredores da capital, para distribuir leite às criancinhas, no recreio das dez, em vez de pilotar aviões, a única coisa que sabia fazer bem... A TAP não tinha lugar para retornados...

Um outro funcionário foi destacado para uma Câmara vermelha, nos arredores de Lisboa. Fizeram-lhe a vida tão negra que preferiu abandonar o posto, para servir de motorista numa Empresa de Transportes...

Podia dar mais uma carrada de exemplos, mas para quê?, caro leitor estarrecido...




RUCA in Mazungue

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

OS MIDIA E O RETORNO DE NACIONAIS



OS MIDIA E O RETORNO DE NACIONAIS
Carolina Peixoto
2011
Tese de Doutoramento

PARA LÊR CLICAR AQUI
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Nota a propósito:

Eis aqui um exemplo acabado daquilo que é distorcer a informação: 


"Angola: Luta Contra o Colonialismo e o Neo-Colonialismo
5 de Julho de 1974 
(...) "Os colonos brancos, com o apoio das autoridades, organizaram dois exércitos secretos, um no Sul e outro no Norte, com o objectivo de prosseguir a luta contra o movimento anti-colonialista e anti-imperalista do povo angolano. A revolta dos soldados contra a guerra leva os colonos brancos a organizarem-se militarmente e a pensarem em lutar independentemente do exército."

Fonte: Jornal Combate, nº 2, Portugal.
Originais enviados por : Manoel Nascimento.
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo, Abril 2008.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.
foto
Analisando a frase generalizante:

"Os colonos brancos com o apoio das autoridades, organizaram dois exércitos secretos, um no Sul e outro no Norte, com o objectivo de prosseguir a luta contra o movimento anti-colonialista e anti-imperalista do povo angolano. "

Só poderei concluir que só por ignorância ou por má se podia generalizar este assunto ao ponto de se tomar a parte pelo todo, pois quando muito o autor poderia escrever: "alguns colonos brancos"....

Tenho a acrescentar que nasci e vivi nessa altura numa cidade do sul de Angola e nem eu nem ninguém alí demos pela existência de um tal exército branco. Vi, sim,  toda a gente ada minha terra trabalhar duro, toda a gente a querer lá continuar  a viver, e mais,  vi muitos brancos a aderiram aos movimentos de libertação, sem preocupações de que o seu líder era um negro!

Também não é possível entender a argumentação do autor quando na frase:
A revolta dos soldados contra a guerra leva os colonos brancos a organizarem-se militarmente e a pensarem em lutar independentemente do exército."


"Revolta dos soldados" ? Em Julho de 1974, poderia explicar melhor? Julguei que a revolta e o laxismo só tivesse acontecido, já em 1975, com o aproximar da independência!

Não creio que o autor estivesse nesta altura a pensar na posterior intervenção do Coronel Gilberto Santos e Castro, esse sim relacionado com círculos da direita portuguesa no exílio, que comandou o célebre Exército de Libertação Português (ELP) e que não passou de um epifenómeno .

Quanto a uma organização militar de colonos, por amor da Verdade, é ver fantasmas onde eles não existiam!


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Fuga de Moçâmedes (Angola) para Welvys Bay e Africa do Sul através do Cunene e da Costa dos Esqueletos













Para além da grande evacuação que se processou por via da ponte aérea entre Luanda e Lisboa, 
montada por Portugal com a ajuda de potências internacionais, foram
várias as saídas de brancos e não só, para fora de Angola, a partir de Moçâmedes, Porto-Alexandre e Sá-da-Bandeira, nesses meses que mediaram  entre Junho a
Novembro de 1975, e se prolongaram mesmo até aos primeiros meses da
independência de Angola, precipitadamente
preparada, e inadiadamente marcada para 11 de Novembro de 1975. Uns partiram em traineiras com destino Luanda e daí para a Metrópole, outros, partiram em traineiras através de Porto Alexandre, Baía dos Tigres, até Walvis Bay (Namíbia), para em seguida rumarem na direcção do Rio de Janeiro e finalmente a
Portugal (durante nove meses). Outros ainda, partiram  em caravanas de automóveis, atravessaram o deserto do Namibe até à foz do
Cunene, atravessaram o rio em jangadas construidas para o efeito,  e prosseguiram para Walvis Bay através da perigosa Costa dos Esqueletos, uma das zonas mais inóspitas
do globo, tendo-se 
perdido  vários carros e embarcações no decurso dessas  viagens.

A população de Moçâmedes, cidade litorânea do sul de Angola, até Junho de 1975 viveu em completa calmaria, mas viu a situação mudar e deteriorar-se  a partir daí, com o agravamento da situação em Luanda, em consequência da expulsão pelo MPLA da UNITA e da FNLA, e o alastramento dos confrontos a todas as cidades de Angola. Foi então e só a partir de então, que o pânico começou a apoderar-se das pessoas, pois excepto uns poucos, mais temerosos de suas vidas e mais preocupados em acautelar seus bens, a maioria da população branca ia se deixando estar, embora se mantivesse expectante e receosa ante o desenrolar dos acontecimentos.




Através dos  videos acima, Rogério Amorim conta-nos como se processou a fuga a partir  de Moçâmedes, Porto Alexandre e Sá da Bandeira,  de um grupo de familias em pânico, incluindo a sua,  que  resolveram partir rumo a
Walys Bay (Namibia), através da foz do Rio Cunene e da já referida Costa dos Esqueletos.  Fizeram-no, integrando  uma
caravana constituida por 61 veículos automóveis  de todo o tipo, carregados com bagagens que não eram mais
 que o pouco que puderam juntar, tendo que atravessar a fronteira numa jangada feita propositadamente para tal fim, e prosseguir a marcha durante 16 dias  sempre junto ao mar, entre o deserto e o mar, aproveitando-se da maré vazia e da areia molhada.



Do livro de Rogério Amorim  "Costa dos
Esqueletos"  seguem algumas
 fotos desta fuga, e da travessia do rio Cunene através de Jangada:




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Ver também: FUGA DA CIDADE DO NAMIBE NO SILVER SKY: 10.01.1976





segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Os retornados estão a abrir o baú

Há 35 anos, após 14 anos de guerra colonial, mais de meio milhão de pessoas regressava das colónias portuguesas em África, pondo fim a 500 anos de império ultramarino português. “Nós fomos, nós somos uma pequena nação que desde a hora do nascimento se recusou a sê-lo sem jamais se poder convencer que se transformara em grande nação”, escreveu Eduardo Lourenço, em O Labirinto da Saudade. “Mesmo na hora solar da nossa afirmação histórica, essa grandeza era, concretamente, uma ficção. Nós éramos grandes (…), mas éramos grandes longe, fora de nós, no Oriente de sonho ou num Ocidente impensado ainda.”
Portugal, um país que se tinha imaginado grande, com vastos territórios nos trópicos que eram uma extensão da sua diminuta dimensão europeia, viu-se enfiado numa ponte aérea de vários meses. No final de 1975, com a independência das suas províncias ultramarinas, o país estava novamente confinado a um rectângulo na costa europeia do Atlântico.
Um império encaixotado, a foto de Alfredo Cunha (1974) é simbólica. Caixotes de retornados amontoam-se junto ao Padrão dos Descobrimentos 

Um império encaixotado, a foto de Alfredo Cunha (1974) é simbólica. Caixotes de retornados amontoam-se junto ao Padrão dos DescobrimentosA balada do Ultramar tem sido cantada por vários escritores desde o final da década de 70, mas foi preciso esperar 30 anos para que as feridas abertas por um retorno abrupto começassem a sangrar. A história não mentiu ao dizer que muitos vieram com a roupa que tinham no corpo para um país aonde nunca tinham estado e onde foram rotulados de “retornados”.
Agora, muitos decidiram escrever sobre isso - sobre como era a vida na colónia, sobre o que perderam, sobre o que ficou, sobre como foi “regressar” e viver com o estigma de “retornado” -, buscando a sua identidade nos meandros de uma memória pessoal que era também uma história colectiva e tentando perceber o que é ser português hoje. Nos últimos anos, têm vindo a lume livros sobre a presença portuguesa em África: diários de guerra, ficções e autobiografias, mas também livros escritos por retornados (ou não) evocando a tragédia da ponte aérea ou as consequências do retorno na vida de muitos portugueses.
O quotidiano na colónia
António Mateus partiu para o Lobito com a família aos cinco anos. Aos 25 saía de Angola. Chegou ao Brasil via ponte aérea por Lisboa, “com uma mão na frente e outra atrás, e 180 dólares no bolso”. Aos 61 anos, reformado, a viver em Palma de Maiorca, é autor de “Lobito” (Guerra e Paz, 2009) e “Lubango, Paris, Mavinga” (2010). Porquê escrever? “É uma questão de aritmética: 25 mais 35 são 60. Muita gente saiu de África com cerca de 25 anos, passaram-se 35, e muitos temos 60 anos hoje.”
Tinha estas histórias há anos na cabeça, mas uma vida intensa de trabalho impediu-o de se sentar a escrever - Brasil, Espanha, América Latina, Paris, andou um pouco por todo o lado. Não é um nómada, mas um cidadão do mundo, mistura de “lobitanga” (do Lobito) e “chicoronho” (de Sá da Bandeira, actual Lubango), português mas também maiorquino.
África só está lá nos livros, explica, porque foi aí a sua juventude: “A minha adolescência passei-a lá. As namoradas, o primeiro beijo; foi lá que conheci a minha mulher e que o meu filho nasceu. Isso marca de tal maneira uma pessoa porque são transformações profundas da juventude.”
Muitas destas novas narrativas sobre África são circulares: nos anos 50, dá-se a partida para Angola ou Moçambique, a bordo dos paquetes.
Colonos vindo das Beiras, de Trás-os-Montes, do Alentejo, das enormes “bolsas de miséria do interior”, refere Mateus. Depois, a vida na colónia passa-se, com mais ou menos sobressaltos, até ao regresso forçado em 1975. Neste caso, “Lobito” é excepção (há uma partida, mas não se dá o “retorno”, porque a narrativa não chega a esse tempo histórico).
Nos primeiros capítulos, Mateus fala criticamente do Estado português que se limitava a “meter as pessoas nos navios, onde, amontoadas como animais, seriam levadas a povoar as colónias”. Só a “amizade e solidariedade dos portugueses já desterrados substituíam as obrigações de um Estado omisso”, escreve. Depois, a horrenda viagem de barco, em terceira classe: “O enjoo levava ao vómito constante (…). Numa mesma camarata, dez ou quinze pessoas a vomitar ao mesmo tempo.” A viagem era degradante, “fazendo lembrar as viagens dos escravos nos barcos negreiros”. Remata com ironia: “Os portugueses tinham demonstrado ser grandes especialistas nesse tipo de travessias.”
Em Lobito seguimos os passos do jovem mulato Zé Beto e dos seus dois amigos, Zeca (negro) e Zé Lisboa (branco). A questão da raça está lá, premente (sem a violência de outros textos, é certo), mas Mateus cartografa igualmente outras barreiras, de classe, que marcavam a sociedade estratificada do Lobito, bairro a bairro. Na cidade, diz ao Ípsilon, “havia mais diferença entre ricos e pobres do que entre pretos e brancos. Era uma sociedade de castas”. Continua: “Não quero fazer um paraíso disto: os pretos na classe média eram uma minoria, de facto, mas a violência do racismo está mais na geração anterior à minha, nos mais velhos, um racismo gutural, de uma violência verbal no trato e na humilhação”.
Sofia Fonseca, 32 anos 'Angola, Terra Prometida' - investigação jornalística que documenta, com recurso a muitos testemunhos, a vida quotidiana dos colonos em Angola. De Luanda às outras cidades, das plantações de café e de algodão ao mato e às caçadas, do futebol ao cinema. fotografia de Raquel Esperança 

Sofia Fonseca, 32 anos 'Angola, Terra Prometida' - investigação jornalística que documenta, com recurso a muitos testemunhos, a vida quotidiana dos colonos em Angola. De Luanda às outras cidades, das plantações de café e de algodão ao mato e às caçadas, do futebol ao cinema. fotografia de Raquel EsperançaPara quem esteve no Lobito, as referências locais são familiares: dança-se ao som de merengue, bebem-se Cucas geladas, o ponto de encontro era no Pic-Nic, ia-se à taberna do Peralta, banhos de mar era na ponta da Restinga, e via-se cinema ao ar livre nas noites quentes. Este era o quotidiano dos colonos em África, sobretudo em Angola, como o livro de Ana Sofia Fonseca, Angola, Terra Prometida (Esfera dos Livros, 2009) tão bem mostra. A jornalista, de 32 anos, recolheu depoimentos de mais de 80 pessoas, antigos colonos e não só, para compor um livro que é, em muitos aspectos, um documento exaustivo da vida na colónia.
Durante anos foi ouvindo histórias sobre os “melhores anos” em África. Perguntava-se “como é que se podia falar dos ‘melhores anos’ quando esta foi uma época em que a maioria da população vivia muito mal, e a partir de 1961, de guerra também? Os ‘melhores anos’ são referidos por pessoas que viviam numa ‘redoma dourada’. Tinha interesse em compreender a complexidade desse fenómeno.”
Estas pessoas “trazem Angola presa à alma” e, juntas, “revelam o retrato de um período que ainda é uma noite escura”, escreve Fonseca. É o retrato de um tempo que não existe mais. “Como era a vida das pessoas? Diziam que era maravilhosa, mas como era? Havia mais liberdade ou não? A PIDE era mais ou menos interventiva do que cá? A rádio como funcionava? O que é que as pessoas faziam à noite? Como era a vida das mulheres?”, pergunta. De Luanda às outras cidades, nas fazendas, nas plantações de café e de algodão, no mato, nas caçadas, no entretenimento (futebol, corridas de carros, música, cinema, praia, noite), “Angola, Terra Prometida” mostra até que ponto o dia-a-dia em Angola antecipa um duro contraste com o “retorno” a um Portugal rural, atrasado, pequeno.
Quando escreveu o livro, fez tudo para “não cair em nostalgias, nem tão-pouco em culpas por expiar”. Não há aqui qualquer branqueamento: Fonseca admite que este é um retrato das elites numa sociedade profundamente injusta, cheia de desigualdades. Acredita que é à sua geração que cabe contar estas histórias, “sem saudosismo, sem tabus”.
Para a investigadora Sheila Khan, o livro de Ana Sofia Fonseca faz uma “sociologia das ausências”, tal como Khan o fez no seu livro Imigrantes Africanos Moçambicanos (Colibri, 2009). Ou seja: “Transforma em existente palpável aquilo que é produzido como ausente e mostra que esses silêncios não estão nada calados”, diz. Ao coligir estas histórias num enquadramento social, histórico e cultural, “este é um livro-útero porque cria um espaço de conforto e de sossego suficiente para que as pessoas tenham possibilidade de assimilar, absorver e pensar nestas narrativas de vida”.

O marketing da nostalgia
É provável que o leitor já se tenha deparado com muitos destes livros: capas em tom sépia, postais ilustrados com imagens nostálgicas de uma África que não existe mais. Para a professora Isabel Ferreira Gould, da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, estes livros são o resultado de um trabalho de marketing com uma missão concreta: “Criar uma noção de familiaridade, fazer um apelo emocional ao leitor e à sua saudade. As editoras têm claramente um público em vista: pessoas que viveram em África.”
Só que as capas enganam, porque nem todos os livros apresentam a ideia de um império perdido mas idílico, de tempos idos mas felizes. Estes livros estabelecem um contraste importante entre o que é o “colonialismo” e a “colonialidade”, diz Sheila Khan. “O colonialismo é a ideologia, a regra; a colonialidade é esse colonialismo reduzido no seu dia-a-dia, na prática, no seu agenciamento, nas relações entre as pessoas. Tem a ver com a forma como um mesmo fenómeno é sentido, vivido e imposto.” Estes livros, argumenta, traduzem o quotidiano colonial e “os sentimentos que estavam colados a ele, as vivências, a forma como cada um percebia e sentia essa forma de estar num lugar que, não sendo seu, era seu; como cada um se apropriava dele e como é que a sua identidade se transformava a partir deste”.
Nesta literatura está a colónia em toda sua complexidade, mas também a nostalgia: “A nossa relação com a casa, o espaço e o tempo, ansiando por um lugar de pertença. Nostalgia pelo perdido, pelo que África poderia ter sido, e pelo que não tínhamos e queríamos ter tido”, explica Isabel Ferreira Gould.
Antes, a literatura portuguesa contemporânea portuguesa já tinha ido a África, visitando o período da guerra colonial nos livros de Lídia Jorge, António Lobo Antunes, João de Melo; só no final dos anos 90, surgem as primeiras obras sobre a experiência do Império e do colonialismo. Há aqui um salto e não se pode ignorá-lo. Estes livros são importantes: “Não podemos escamotear esta narrativa de nostalgia.” A qualidade literária não está em causa: “É uma narrativa muito próxima do testemunho, e muitos são novos autores a estrear-se.”
No livro que Ferreira Gould vai publicar, Império na Primeira Pessoa: Memória, Família e Colonialismo na Narrativa Portuguesa Contemporânea, estas obras vão figurar porque falam “da relação de pertença e não-pertença sob a perspectiva do colono. Porque há vários colonos. Ele é muito importante enquanto figura literária: é colonialista, é colonizador, mas também é imigrante e as pessoas têm muito pudor em falar nisto.” O colono é um imigrante fruto e veículo de uma ideologia: “O pai de família, o pai português, o racista.”
Este livros, sublinha a investigadora, não devem ser lidos com o preconceito com que o Portugal europeu, continental, sempre tratou os retornados. “Lidamos melhor com a memória do soldado que fez a guerra colonial do que com a do colono. Como pensá-la, como rememorá-la? É legítima a sua memória? Estes romances trazem notícias ao pensar de forma legítima a memória da colónia e do retorno, hoje.”
Por isso, o que se apaga ou se omite é tão importante como o que está escrito. “Sim, muitos apagam, mas também reconstroem. No discurso da memória, as falhas são tão importantes como o que está lá. São testemunhos que rompem com a narrativa histórica porque o narrador pode dizer ‘fui eu, vivi, perdi, estava lá’, mas, por outro lado, essas narrativas são prisioneiras da identidade, o que limita o que podemos dizer sobre o outro”.
Sheila Khan chama-lhe literatura de “retornados” (e sublinha as aspas).
A violência da linguagem
Os livros de Isabela Figueiredo, Cadernos de Memórias Coloniais (Angelus Novus, 2009) e de Ricardo de Saavedra, Os Dias do Fim (edição de 1995 revista e aumentada, Casa das Letras, 2008) rompem com uma certa imagem da colónia, e demonstram a violência do quotidiano e do período de independência com a força crua da linguagem. 
Exemplos: “Uma branca não admitia que gostasse de foder, mesmo que gostasse. E não admitir era uma garantia de seriedade para o marido, para a imaculada sociedade toda.” (Figueiredo, 47 anos) “O jornalista que sou percorreu os trilhos da guerra. Foi treinado para se defender e para matar, se necessário. Empurraram-no contra um inimigo impiedoso.
Cumpriu o que lhe mandaram, na atitude ingénua e cómoda de prestar um serviço à Pátria. O homem que sou é o resultado laboratorial de um equívoco (…). Eis porque, neste poiso africano que antecede a aerogare da Portela de Sacavém, me contorço. Deprimido e soturno, pareço uma galinha pedrês, a sacudir as asas, no terreiro da aldeia de colmo a que ateiam fogo.” (Saavedra, 58 anos)
Isabela Figueiredo, 46 anos 'Caderno de Memórias Coloniais' - visão autobiográfica da autora sobre a sociedade moçambicana, racista, violenta, profundamente injusta, condensada na figura do seu pai. Shamila MussaIsabela Figueiredo, 46 anos 'Caderno de Memórias Coloniais' - visão autobiográfica da autora sobre a sociedade moçambicana, racista, violenta, profundamente injusta, condensada na figura do seu pai. Shamila MussaFigueiredo e Saavedra saíram de Moçambique com a independência e estes livros são os seus diários - autobiográfico, no caso de Isabela; ficcional (?), no caso de Saavedra - da colónia, da violência, do retorno e do exílio. “Tive de cortar com o passado, e cortei mesmo. Não sou saudosista, não quero reconstituir nada, não quero vingança, mas gostaria que os meus netos soubessem que sofremos”, diz Saavedra ao Ípsilon.
O livro de Figueiredo foi uma “pedrada no charco”, diz Sheila Khan. “Isabela é a filha desobediente” que vem romper com o “status quo” da literatura sobre a colónia, e essa ruptura é feita de uma forma muito violenta: “A maneira como ela entra no texto, ninguém quer ouvir aquilo. Tínhamos uma ideia muito pacífica e paradisíaca do colonialismo português em África.” A autora tem recebido mensagens de leitores que se identificam com a sua visão da colónia - racista, violenta, profundamente injusta. “Sinto-me bem porque sinto que não sou só eu, não fui só eu que tive de ouvir aquilo, muitas mais pessoas ouviram as mesmas coisas. Durante muito tempo senti-me muito sozinha relativamente ao que eu sentia sobre a minha realidade africana, sobre as minhas memórias”.
Estes são exemplos do que Isabel Ferreira Gould chama de “narrativas de decantação”, ou seja, “textos escritos na primeira pessoa” sobre memórias “que estão estruturadas entre uma visão crítica do colonialismo e a necessidade de exaltar, para o bem e para o mal, as figuras fundamentais da identidade dos sujeitos da narrativa”. São, em muitos casos, “obras de filhos a rever as suas memórias e as das suas famílias, estabelecendo tensões e conflitos dentro da sua própria geração e com a geração dos seus progenitores”. Mas, ao tentar filtrar o passado, ao decantá-lo, “como o próprio nome indica, também estão a homenagear, louvar, a elogiar: há uma tensão entre quem critica e ao mesmo tempo louva o progenitor”.
Os silêncios guardados no baú ainda por abrir são o resultado de “pactos de amor nas famílias, que não podem ser quebrados”, diz Isabela Figueiredo, que esperou pela morte do seu pai para poder dizer tudo. “Só dentro de alguns anos é que estas histórias poderão vir à tona. Os filhos que viveram esta realidade e que podem contá-la estão presos a esse pacto, comprometidos na teia de afectos.”
Retornado ou refugiado?
“Vim sem nada, só com a roupa que tinha vestida”; “Nós estivemos dois dias no aeroporto de Luanda”; “Nós vivíamos em Nova Lisboa. Quando saímos já havia tiros”; “Nós éramos do Uíje… deixámos lá tudo”; “Eu nem sei do resto da minha família”; “E agora o que vai ser de nós nesta terra?”
É através deste mosaico de vozes que Carlos Vale Ferraz descreve em Fala-me de África (Casa das Letras, 2007) a tragédia do retorno. O romance tornou-se série de televisão, “Regresso a Sizalinda”, agora em estreia na RTP. Não é sobre o retorno em si, diz o autor, “mas uma história de busca de identidade. E também da relação dos portugueses com África”. A questão dos retornados, nota, sempre o tocou: “Não apenas aqueles milhares de pessoas que vieram em 1975, mas a vivência do retorno. A ideia de Portugal de 1975 para cá é a que está reflectida no livro, a de que encerrámos um ciclo”.
Carlos Vale Ferraz, 64 anos 'Fala-me de África' - história da busca de uma identidade que ficou no passado, em Angola, mas também um retrato de um Portugal de “retornados” e da sua integração. fotografia de Raquel EsperançaCarlos Vale Ferraz, 64 anos 'Fala-me de África' - história da busca de uma identidade que ficou no passado, em Angola, mas também um retrato de um Portugal de “retornados” e da sua integração. fotografia de Raquel EsperançaO ciclo fechou-se, mas ainda estamos todos com a cabeça em África. Diz Vale Ferraz: “Num determinado momento, a expansão foi como aquelas crianças que andaram a juntar as carruagens num comboiozinho. Numa determinada fase, fomos perdendo carruagens, primeiro a Ásia, depois o Brasil, depois a Índia, e finalmente perdemos a carruagem de África. De repente, vimo-nos todos dentro da mesma carruagem, e há uma certa sensação de sufoco. É isso que faz as pessoas escrever: não temos para onde fugir.” Perante a impossibilidade de fuga, “agora, vamos ter de pensar em nós, aqui, como nos relacionamos com os outros”.
É por isso que Isabel Ferreira Gould afirma que estes livros são “sobre Portugal, sobre nós e a nossa relação com África, sobre o eu português e como este vê o outro”. África está lá enquanto espaço e cenário, “paisagem, campo de batalha, de encanto e desencanto”.
Carlos Vale Ferraz, 64 anos, não é um retornado. Foi militar e cumpriu comissões em Angola, Moçambique e Guiné. De seis romances, três são sobre África. Escreve sobre o continente porque, explica, “na segunda metade do século XX, é o assunto determinante da história de Portugal”: “Se não escrevemos sobre África, não percebemos nada do que se passou em Portugal, não percebemos nada do que foi o Estado Novo, nem o que foram as transformações a seguir. Escrever sobre África é escrever sobre o nosso tempo. O Lobo Antunes não conseguiria escrever sobre as pessoas suburbanas que vão para os centros comerciais ao domingo se, na sua maioria, não fossem pessoas que vieram de África, quer sejam aquelas que foram combater e depois vieram da província para aqui, quer sejam aquelas que regressaram em 1975.”
Os “retornados” (mais aspas) foram bodes expiatórios do colapso do império, e esta literatura que está a aparecer em Portugal (de, para ou sobre retornados) está a abrir as feridas. “Estas pessoas não são retornados, muitos não retornam a lugar nenhum. São refugiados de guerra”, diz António Mateus. “Retornado” é a palavra “inventada para contornar uma realidade”. Dizerem-se “refugiados”, explica Khan, é a “forma como as pessoas tentam descolar-se da imagem de retornado, de mágoa e de exílio. Dizer que se é um refugiado é dizer que se foi expulso da sua terra, que não se pertence a Portugal e que Portugal não se lhes pertence.” Ricardo de Saavedra foi um refugiado político, “tout court”, exilado na África do Sul. A sua personagem Luís Ribeiro Sales escreve, em Dias do Fim: “Estou no campo de refugiados de Nelspruit. Não se trata de reportagem, não vim como observador. Sou um deles. Sentado numa pedra, escrevo. Tudo o que me resta cabe debaixo do braço.”
Os “de cá”, explica Isabela Figueiredo, “diziam que os retornados andavam a explorar os negros. Eram ataques muito fortes, batia na ferida das pessoas, porque era uma metáfora, mas era verdade; era um eu colectivo que se enquadrava nessa imagem”. “Retornado” soava “assim como quando se diz ‘ó preto’ como ofensa: ‘ó retornado!’ soava mal, porque queria dizer fascista, explorador.” Ela olha para a palavra de outra maneira: “Como se ela quisesse dizer: pessoa que veio de África a seguir à independência.”
Cartografia emocional
Todos estes escritores são “órfãos desse grande progenitor que foi o colonialismo português. Ao não ser capaz de dar a nenhuma destas pessoas o sentido de cordão umbilical, o colonialismo vai tocar na debilidade estrutural do que é ser-se português”, diz Khan.
A literatura do retorno é uma forma especial de luto. Um luto que ainda não foi verdadeiramente feito, porque não se “pode pensar em luto sem se sepultar um corpo, e nós não temos lá nada sepultado porque viemos embora”, e que é descrito em A Balada do Ultramar, de Manuel Acácio (Oficina do Livro, 2009). Jornalista na TSF, Acácio, 46 anos, não é retornado e nunca foi a África. Foi casado com uma portuguesa que se dizia angolana, retornada. Admite que “A Balada do Ultramar” é o seu luto pela morte da mulher (há cinco anos), mas também o luto que milhares de portugueses não fizeram.
As palavras de Khan vão ao encontro do seu romance: “É um silêncio insepulto que nos diz que aparentemente está tudo bem e está tudo resolvido (porque afinal Portugal recebeu de forma pacífica e ‘gloriosa’ estas pessoas). Mas se elas têm necessidade de escrever, é porque alguma coisa não está bem.”
Foi por sentir que alguma coisa não estava bem que Acácio escreveu. Partiu com “muitos preconceitos para este livro”. Tinha medo do que as pessoas iam pensar: “Que sou saudosista e colonialista, que estou a tentar reescrever a história”. É o seu primeiro romance, sobre um homem que está a contar a história do regresso. “Quis pôr-me no papel de quem se sentiu injustiçado, mal recebido. Alguém que sente que é de África e está de certa forma a fazer um ajuste de contas com o seu passado.”
Nove anos à frente do Fórum TSF fizeram-no perceber que a memória pacificada da mulher com Angola não coincidia com a memória de muitos outros retornados. (Ou)viu que “as feridas não estavam nada saradas, estavam todas em carne viva. Havia uma grande revolta silenciada naquelas pessoas. Os fóruns eram uma oportunidade de falarem.” “[A Balada do Ultramar] é o filho desse espanto com que fiquei quando percebi que havia uma enorme revolta de pessoas que tiveram de deixar tudo e depois chegaram cá e foram apontadas, criticadas, estigmatizadas”, continua.
Não ter contas a ajustar com o “seu” passado colonial poderia à partida ser um impedimento, mas acabou por ser uma vantagem: “Não estou preso às recordações da minha família, não estou amarrado a laços”.
Talvez por isso, esse homem velho conta a história das suas vivências em África sem o pudor do afecto. O livro passa esse saudosismo do passado colonial (propositado, diz), mas também toca de forma clara na questão da sexualidade, “na ida às cubatas, no racismo, na violência verbal, no trabalho escravo”.
No fundo, os retornados são isto: “Às vezes penso que devíamos ser como as cobras. Elas aprenderam a largar a pele envelhecida e deixam-na para trás sem qualquer remorso”, escreve Acácio. Mas o remorso, a vergonha, a mágoa ainda estão lá. Esta é “a dor de uma geração”, diz. “Há uma cartografia emotiva que está por fazer.”

Artigo originalmente publicado no jornal Público, no suplemento Ípsilon

RETIRADO DAQUI 


Portugal do 25 de Abril de 1975 aos nossos dias: a descolonização e o movimento de Retornados


Trabalho de Ana Rita Faleiro, da Faculdade de História e Geografia
alinea 4)


Para consultar, clicar AQUI

Retornados, espoliados do Ultramar: recuperando desabafos dispersos... Um contributo para a História?

                          INFÂMIA E DESCRIMIIMAÇAO
OS CONSTRUTORES E OS VENDI LHÕES DA PÁTRIA
Sobre o refugiado caiu a maldição de um povo ingé­nuo e bom, mas intrumentalizado nas mentiras do "25 de Abril".
Tarde, demasiadamente tarde, os portugueses da Metrópole se aperceberam da burla, em cuja voragem os "heróis" (que não o foram em África) sumiram a Nação, a sua História, a sua Economia. E compreende-se. Andar na mata ou na picada, enfrentar o inimigo, aguentar embosca­das e meses de isolamento em climas insalubres, não é para todos. Permanecer no Maiombe, tenda, sobre si, a ameaça da floresta e dos homens, só o aceitaram os militares com espírito de missão.
          Lamentavelmente, eu que fui, oficial, tenho de re­conhecê-lo: não foram os soldados, não foram os rapazes das "berças", que iam às "sortes" e festejavam, nas suas aldeias, a honra de terem sido "apurados para todo o servi­ço", de ingressarem nas fileiras, os que se cansaram, os que se queixaram, os que se arrependeram de a farda que ves­tiam, atrair perigos e visões cruentas a face mais feia da Humanidade, que é a guerra. Foram outros os que enve­redaram pela carreira das armas, que frequentaram a Aca­demia Militar, talvez porque os seduzisse passear no Chiado de talabarte e esporas, talvez porque as continências dos subordinados lhes mitigassem frustações e vaidades, talvez porque a "tropa" era emprego antecipadamente garantido, com ordenado certo e nada que fazer que, a pretexto de ditaduras e baseando-se em sociologismos de alcova, deram o golpe. Não por patriotismo. Não por amor ao próximo. Não conscencializados pelo estudo da posição de Portugal no Mundo, pela justiça ou injustiça da guerra ultramarina. Deram o golpe por cansaço, por cobardia, porque, ao en­trarem na Academia Militar, antiga Escola de Guerra, a guerra estava fora das suas cogitações.
Entre combater guerrilheiros perseverantes, treinados e corajosos, do PAIGC, do MPLA, da FRELIMO e assustar os pombos do Rossio com o troar dos carros de assalto (a cair aos bocados), não havia que hesitar, Imperioso, se qui­sessem salvar a pele, era achar uma bandeira, um slogan a que se aferrassem, a mezinha que lhes soltasse os intestinos e impedisse que fossem exautorados na praça pública. Ha­via que puxar pela imaginação. A democracia, a anti-ditadura, a fraternidade dos povos tanto fazia, contanto que ficasse garantida uma aparência de integridade.
A fraternidade dos povos!... Seria de rir, se não es­corressem as lágrimas.
Fraternidade em relação a quem? Foram fraternos os revolucionários do "25de Abril" para os brancos do Ul­tramar, para os negros do Ultramar, para os povos do Ul­tramar? Protestaram contra o fuzilamento, contra o enfor­camento, contra o enforcamento dos que foram condena­dos, em Angola, na Guiné e em Moçambique, pelo crime de terem combatido a seu lado? Mais correctamente: assas­sinados porque os tinham defendido? Tiveram um gesto? Rezaram uma oração? Não terão saudades e remorsos, lembrando os leais militares negros que confiaram nas For­ças Armadas portuguesas e a elas pertenciam?
          Não quero ser injusto. Entre os "capitães" do "25 de Abril", estiveram heróis autênticos. Dos que se bateram sem desfalecimento em África e que alinharam na revolução perturbados, enganados ou imbuídos de um sentimento de impotência, perante a catastrófica política salazarista-caeta-nista, na Metrópole e no Ultramar.
É o povo quem o afirma, na sua filosofia simples: "'com papas e bolos se enganam os tolos". Os oficiais-com­batentes comemoram as papas e os bolos dos companheiros de falinhas mansas, de ar circunspecto, de argumentação insistente, que lhes assopravam aos ouvidos segredos e in­trigas palacianos. Confundidos, caíram na esparrela. Se ti­vessem pensado, se lessem, mesmo em "diagonal", as fo­lhas de serviços dos mentores da revolução, certo que ou­tro "cantar" seria o seu.
Souberam das razões porque Spínola recambiou Vas­co Gonçalves da Guiné para Portugal? Conheciam as "tro­pelias" de Vitor Alves, na Academia Militar e no Leste de Angola? Informaram-se da austera vida do capitão Tomé, em Nampula? Interrogaram-se do comportamento de Melo Antunes em São Salvador do Congo? Admiraram a valen­tia de Fabião e de Rosa Coutinho, o aprumo do abstémio Vitor Crespo, a inteligência de Otelo?
Estourem crer que não. Os oficiais-combatentes, ago­ra pejorativamente chamados operacionais, tinham mais que fazer: tinham que justificar os galões que usavam nos ombros; que andar no mato; que lutar; que dignificar os postos que ocupavam. Foram eles os ingénuos que colabo­raram na tragédia de que se arrependem e que estão a pagar.
Infelizmente, com eles, por eles, pagaram e pagam milhões de portugueses. Os de lá e os de cá, "engolidos" pelos militares de opereta, pêlos comunistas e cripto-comunistas, engodados com a isca da (falsa) democracia.

Duplamente pagaram e pagam os de lá, os africanos, os que vieram e os que ficaram ao cimo ou debaixo da terra. Os refugiados não trouxeram milhões. Ninguém os quis receber. Todos os rejeitaram. Irmãos na desgraça não são da mesma família. Quando muito, são vagos parentes, que chegam inesperadamente, à hora da refeição e, pelo aumento do número de bocas, tem de se fazer o caldo mais aguado. Malditos sejam por isso. Que se quedassem por África e estoirassem de fome ou com um tiro na cabeça. Que não viessem sobrecarregar as despesas da Metrópole. Que não viessem comer as côdeas e os ossos que podiam dar-se aos cães.

Afirmou António José Saraiva, destacado anti-fascista, no semanário "Liberdade", de 5 de Maio de 1976:  
"Diz-se e escreve-se que eles (retornados) eram explorado­res, brutais, ávidos de lucros, criminosos de delito comum, culpados de si mesmos (...) Esses que apontam os crimes dos retornados que fizeram, durante vidas inteiras senão aproveitarem-se dos ditos crimes? Como foi possível a vida parasitária da maior parte da população portuguesa durante séculos, senão às costas do preto, accionado pelo colonizador? Donde vinha o café e o açúcar que se consomem ain­da hoje abundantemente nas pastelarias de Lisboa? Donde vinha o algodão barato que permitia a tantos operários e patrões sustentarem-se de fabriquetas primitivas? Donde vinham as toneladas de ouro que faziam do escudo uma moeda forte, permitindo, com uma indústria deficiente e uma agricultura rudimentar, sustentar legiões de funcioná­rios improdutivos? Todos somos responsáveis pela política de Portugal, em África, prosseguindo com tenacidade desde os fins da monarquia, objectivo prioritário da primeira re­pública, a que se dedicavam homens como Mariano de Car­valho, Brito Camacho e Norton de Matos. Os retornados Não são mais do que boomerang do império que todos nós fomos. O retorno que nos atinge em cheio é a arma que o nosso braço lançou. Os retornados, com que o País foi so­lidário enquanto foram prósperos, são uma acusação viva lançada à cara da nação inteira. Uma dupla acusação. Em primeiro lugar, porque Portugal se identificou com os colo­nos a que chama agora criminosos. Em segundo lugar, por­que o fenómeno dos retornados é o resultado de uma política de descolonização cuja torpe inércia é tão profunda quanto o arranque das descobertas foi deslumbrante. A página da descolonização não foi menos sangrenta que a da expansão; só que foi um pântano podre, enquanto a outra foi fogo que alumiou a Terra (...) O ódio racial aos retor­nados a pretexto dos seus crimes é apenas uma maneira de a nação portuguesa querer ilibar-se dos crimes por que to­da ela é absolutamente responsável. É um caso típico de bode expiatório. E lança uma viva luz sobre o mecanismo do racismo. Trata-se de discriminar uma parte da nação, lançando sobre ela o odioso dos males colectivos. O retor­nado é o cristão-novo dos nossos dias. Serve para o resto do povo /macular a sua consciência; convencer-se de que nada tem que ver com os malefícios e os abusos da coloni­zação. Serve também para desviar as atenções dos erros co­metidos em nome da nação: se eles retomaram é porque são inteiramente maus e não porque a descolonização foi um fracasso vergonhoso. E servirá para desculpar outras inépcias que vão cometer-se... O racismo nasce fundamen­talmente dessa necessidade de limpeza de uma dada comu­nidade. Nós portugueses pecamos puros, porque as culpas foram desse punhado de "criminosos". E se eles, tiveram de retornar, a culpa não é dos responsáveis dessa sangrenta e lamacenta descolonização: não, a culpa é dos retornados, culpados de si mesmos, como já foi escrito (...) Os retorna­dos chegam no momento em que precisamos de uma des­culpa para o maior fracasso da nossa História e de um objec­to para cevar a nossa frustação irremediável."
António José Saraiva fez, em palavras, o verdadeiro retrato do povo português, ante a original descolonização. A "vanguarda revolucionária" do "25 de Abril" proporcio­nou ao País e às próprias Forças Armadas, uma tranquili­zante lavagem ao cérebro.
Os refugiados são acusados de tudo. Muitos respon­sáveis pela governação permitem e auxiliam a intoxicação da opinião pública. Arenga-se nos jornais, na Rádio, na Televisão, nas ruas e praças, para desviar as pessoas da trágica realidade. Membros do MFA, alguns depois ministros, bra­dam, histérica e sistematicamente, que não se poderia che­gar à democracia sem passar pela descolonização. Que ne­nhum povo é livre, quando oprime outros povos. Lava-se o povo no banho da culpa colonial. Forjam-se mitos. Inven­tam-se cambiantes. Mudam-se as tácticas, de um tipicismo caracterizadamente comunista e comunizante. Assim se vai destruindo o País. E o refugiado transforma-se em mexi­lhão... empurrado, espoliado, banido, na senda de um cal­vário de que não se descortina o termo.
A entrega de Angola, da forma como foi realizada, leilão de bens pilhados, tornou Portugal mais pequeno e mais pobre. Sem o aval do Ultramar, o País definhou. Co­mo Povo "fazedor de nações", deitou fora a expansão da indústria, da agricultura, do comércio, da cultura.
Os refugiados "exploradores" ergueram obra que dig­nifica, engrandece e redime um país.
Segundo os dados fornecidos pelo Gabinete do Se­cretário de Estado dos Retornados, departamento do Mi­nistério dos Assuntos Sociais, os valores deixados só pelo sector empresarial são os seguintes:

                             MINISTÉRIO    DOS    ASSUNTOS    SOCIAIS
              GABINETE   DO   SECRETÁRIO   DE   ESTADO   DOS      RETORNADOS

                                                                 "RESUMO"
                                                 SECTOR EMPRESARIAL:                                                                             VALOR EM CONTOS:
                                                           Sub-Sector da Agricultura ......................            109.701.425
                                                             "              "     Pecuária....................             4.823.909
                                                             "              "     Silvicultura ......................              12.362.262
                                                             "              "      Pesca .......................            1.685.660
                                                             "              "      Indústria Transformadora .            4.796.450
                                                             "               "     Construção Civil   ..........          431.295.150
                                                             "               "     Actividade Comercial   .....             6.408.350
                                                             "              "      Indústria Extractiva..........              577.465.320
                                                             "              "      Comunicações .............            18.967.300
                                                                          TOTAL ..... 1.167.505.826
NOTA:
O valor deixado pelo sector empresarial da etnia portuguesa a cada um dos 5.874.000 angolanos, foi de Esc: 195.353$00

Os colonos "exploradores", pelo seu trabalho, fizeram prosperar Angola. Não os cegou, todavia, a ambição do lucro. Durante anos, porfiaram em campanhas políticas, para que Portugal fosse pioneiro de um novo capítulo da história das relações humanas.
Esqueceram os "exemplares" descolonizadores as governa­ções de Paiva Couceiro e de Norton de Matos. Esqueceram o que o próprio capitão Henrique Galvão declarou em Estocolmo, no dia 27 de Outubro de 1961: "Defendo o direito à autodeterminação de todos os povos e o dever de o proclamar sem sofismas. Por isso não admito que, antes de assegurado o exercício desse direito, surjam soluções impostas pela fraude e pela força. O destino dos povos deve ser escolhido por eles, através de representantes legítimos e não por aventureiros que aspiram as situações pessoais an­tes que o povo se pronuncie."
Esqueceram ou quiseram esquecer-se?
O que se perdeu em Angola deve-se à fraude do Gover­no e ao aventureirismo de alguns militares.
Não se cumpriu o Programa do MFA. A independência de Angola consumou-se por traição, contra o direito do povo angolano e à revelia do povo português.
Para meditação dos que hostilizam os refugiados, cito uma passagem do discurso feito em Luanda, em 7 de Novembro de 1961, pelo dr. Manuel Dias Barros: "Fora com o egoísmo e falta de senso dos que, na Metrópole, olham para nós com desprezo e que julgam fazer grande sacrifício em ajudarem-nos na luta de sobrevivência em que estamos empenhados, como se toda a nossa tragédia actual não tivesse surgido exactamente dos seus erros e da sua traição. Que erros cometeram os colonos? "

E eu pergunto: quem paga o que nós lá deixámos?